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| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

A adoção de um regime de capitalização para aposentadoria está entre as diretrizes da equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para um eventual reforma da Previdência em 2019. Hoje, o modelo vigente é o da repartição, onde o dinheiro recolhido dos trabalhadores da ativa é usado para pagar o benefício de quem já tem direito a receber, seja por idade ou tempo de contribuição.

No sistema de capitalização é diferente. O dinheiro que o contribuinte recolhe é aplicado em uma conta (fundo) individual para aquela pessoa. O montante também é aplicado ao longo dos anos pelo administrador do fundo para que gere juros até que o beneficiário atinja a idade mínima para se aposentar e usufruir dessa poupança previdenciária.

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Mas a criação de um novo modelo previdenciário gera dúvidas, riscos e inseguranças. O primeiro deles é a pesada conta que teria a migração entre o atual regime e o novo. O secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, avalia que se uma transição radical for feita, com a migração para o regime de capitalização de todos os trabalhadores da ativa, o custo seria de R$ 400 bilhões por ano, com a perda de receitas que ocorreria no regime atual. 

Mesmo em uma transição mais gradual os custos seriam altos e inevitáveis. “Se a linha de corte para a transição for puramente etária, incluindo apenas os mais jovens agora, esse custo é mais baixo no começo, mas só se está adiando o custo de transição mais alto”, afirmou.

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Caetano ainda alerta para riscos regulatórios. Com a criação de um novo regime, seria necessário alterar todo um conjunto de leis e normativos para dar segurança ao sistema. Geraldo Magela, diretor da Prevue Consultoria, diz que “não existe um modelo perfeito de plano de aposentadoria na prática. Cada um tem vantagens e desvantagens. Você pode modelar um sistema que atenda uma maioria e quando se começa a abranger uma população maior certamente você terá casos a endereçar”, afirma

A Gazeta do Povo listou sete perguntas e respostas para esclarecer os trabalhadores sobre pontos de atenção e perigos da adoção do sistema de capitalização: 

1) Quem vai administrar os depósitos?

Ao longo de sua vida laboral, o trabalhador depositará mensalmente parte do salário para compor, futuramente, sua aposentadoria. No Chile, onde desde 1981 vigora um regime de capitalização, foram criadas as Administradoras de Fundos Pensionais (AFPs). Há diversas opções, muitas delas ligadas a grupos financeiros internacionais. Os trabalhadores optam livremente por qual se associar, avaliando taxas e serviços. 

No Brasil, a necessidade do governo em obter recursos para financiamentos de longo prazo pode forçar a decisão política de se manter os valores de todos os trabalhadores depositados em um mesmo banco, como no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal. O especialista em previdência Geraldo Magela critica essa possibilidade. “O melhor é que as pessoas tenham liberdade. Acho que ter um monopólio nunca é o melhor”, avalia. 

2) Como fazer a transição? 

Esse é o maior risco da adoção de um novo modelo. Se o novo regime valer imediatamente para todos os trabalhadores, o rombo da Previdência – e por consequência o valor que o governo tem de gastar para arcar com as aposentadorias vigentes – será insustentável. Isso porque a cada trabalhador que migrar para o regime de capitalização, teremos menos um trabalhador arcando com a aposentadoria no regime de repartição. 

Por isso, o modelo de transição terá de ser planejado com cautela. No caso do Chile, a mudança foi radical, com a possibilidade de migração dos trabalhadores que já estavam no sistema. Isso causou desequilíbrios nas contas públicas, que tiveram de ser complementadas pelo Tesouro Nacional chileno. 

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Em estudo preparado pelo consultor do Senado e colunista da Gazeta do Povo Pedro Fernando Nery, publicado em junho deste ano, os riscos da adoção do regime de capitalização são destacados. “A transição do regime de repartição para o de capitalização apresenta gigantescos custos, sem necessariamente sanar as grandes dificuldades financeiras existentes”, afirma. 

Outro problema que deve ser pensado na transição é como atender as pessoas que entram já no meio ou no fim de sua vida laboral no sistema. Elas acabam acumulando menos recursos em suas contas, levando a benefícios muito baixos na aposentadoria. O governo de Bolsonaro terá de pensar em formas de equacionar essa questão. 

Magela avalia que o mais prudente no caso brasileiro seria fazer a transição apenas para os trabalhadores novos e manter aqueles que estão mais perto da aposentadoria no atual regime.

3) Como ficam os períodos sem contribuição?

A necessidade de conscientizar a população sobre a importância de poupar para a aposentadoria, mesmo quando estiver sem emprego, será importante na adoção do regime de capitalização. No Chile, os períodos em que os trabalhadores ficaram desempregados (ou no caso das mulheres, durante períodos de afastamento do emprego para se dedicar à gestação ou a cuidar dos filhos) causam as chamadas “lagunas previsionárias”. 

Como os juros acumulados sobre os valores nominais depositados são a maior parte do que irá compor o rendimento na aposentadoria, ao deixar de depositar alguns meses o rombo no futuro é muito maior do que o correspondente apenas corrigido. Cálculos de uma AFP chilena apontam que se uma mulher tiver cinco anos somados de brechas nos depósitos, o valor mensal recebido na aposentadoria pode ser até um terço menor. 

O governo terá de pensar em formas de compensação e comunicação da importância de se manter as contribuições, mesmo em momentos de desemprego ou prestação de serviço sem carteira. 

4) Há empresas no mercado para atender essa demanda? 

No Chile, depois dos anos de acumulação de valores em uma AFP, quando o trabalhador decide se aposentar, cabe a ele buscar uma empresa de previdência ou seguros e negociar o benefício que poderá receber dali em diante. 

No Brasil, o mercado de seguros e previdência é menos desenvolvido que em outros países, com menos maturidade do poupador e predominância de grandes grupos financeiros, com menor competição. Segundo relatório divulgado em julho deste ano pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), ligado ao governo federal, a concentração do mercado de previdência privada é “elevadíssima” e vem crescendo. A participação das cinco maiores companhias do segmento, em relação ao volume total de prêmios/contribuições representava 77% em 2003 e atingiu o percentual de 94% em 2017. 

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Há uma predominância de seguradoras vinculadas a grandes grupos econômicos, especialmente do setor bancário. Segundo a Susep, a participação dos cinco principais grupos em relação ao volume total de prêmios/contribuições do mercado, aumentou de 77% (em 2003) para 92% (em 2017). Isso significa menor competição, que se traduz em piores condições para os clientes.

O especialista Geraldo Magela aponta que o mercado para a compra de rendas vitalícias hoje é difícil, com grandes riscos para as empresas, já que as pessoas vivem cada vez mais. Para tanto, uma opção seria o governo federal arcar com parte do risco, ajudando no processo de negociação dessas rendas. 

5) E como ficariam o FGTS e o seguro desemprego?

Além do problema previdenciário, o novo governo terá de equalizar o rendimento do FGTS (que hoje ocorre abaixo da inflação, impondo perdas aos segurados) e ainda planejar formas de reduzir o déficit do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que reúne os recursos utilizados no seguro desemprego. 

Uma das possibilidades em estudo é fundir a Previdência por capitalização com os recursos do FGTS e ainda extinguir o seguro desemprego como é hoje. Em casos de demissão, o trabalhador poderia lançar mão de parte do seu saldo de aposentadoria. Isso é considerado por defensores da proposta como um estímulo para que o trabalhador busque mais rapidamente um novo emprego, reduzindo a massa salarial ao aceitar trabalhos de menor remuneração. Porém, a mudança pode prejudicar os trabalhadores menos qualificados e mais pobres, que trabalham mais sem vínculo empregatício. 

“Acho saudável usar uma parte desse recurso (do FGTS) para integrar a aposentadoria”, avalia Magela. 

6) Haverá uma renda mínima nesse modelo?

O modelo radical adotado no Chile nos anos 1980, que previa o regime de capitalização para todos, acabou tendo de passar por reformas para instituir uma renda mínima para trabalhadores com menos qualificação. Esses valores são arcados pelo Tesouro Nacional do país e não pelo conjunto dos trabalhadores em atividade, como no regime de repartição. 

“Não acho que o governo está pensando que vai fazer algo radical como o sistema chileno. Mas se o Brasil tivesse feito algo há dez ou 15 anos, não estaríamos com esse drama de déficit da Previdência hoje”, destaca Magela. 

Pedro Fernando Nery, em artigo, aponta que uma das formas de se evitar os pontos negativos do regime de capitalização foi a criação, principalmente nos países nórdicos e em alguns europeus, de um sistema híbrido, de contas virtuais. Na prática, a forma de arrecadação dos valores e pagamento ocorre como é hoje, mas os benefícios na aposentadoria são calculados como na capitalização, guardando relação com os depósitos feitos individualmente por cada trabalhador. 

7) Como seria a regulação e fiscalização dos agentes? 

Por se tratar de um tema extremamente sensível (o dinheiro que as pessoas terão para sobreviver na velhice), a regulação e fiscalização do mercado de seguradoras e agentes financeiros para um regime de capitalização teria de ser dura, com garantias, destaca Magela. 

Caso o Brasil opte por ter uma Previdência por capitalização, com diversos agentes de mercado, será preciso estruturar e fortalecer a fiscalização. Recentemente, fundos de pensão de empresas estatais tiveram problemas com má gestão, motivada por questões políticas, risco ao qual não poderia expor a aposentadoria de grande parte dos brasileiros. 

“É um modelo muito bem regulado. É importante ter garantias para esse tipo de operação. Fiscalização forte, pois esse mercado é a aposentadoria das pessoas. Só vai quebrar se tiver uma fraude. Tem de tomar cuidado no Brasil com as falcatruas. Tem de ter um processo de governança muito forte. No setor privado nunca vi uma fraude”, aponta Magela.

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