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Marcelo Adnet, em quadro do programa Tá no Ar, em que simula um candidato em campanha eleitoral | Reprodução/YouTube
Marcelo Adnet, em quadro do programa Tá no Ar, em que simula um candidato em campanha eleitoral| Foto: Reprodução/YouTube

De forma unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o artigo 45 da lei n. 9.504/97, conhecida como Lei das Eleições, que proibia a veiculação de sátiras e críticas a candidatos durante os três meses de período eleitoral. O plenário acatou o pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), que ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade.

O artigo 45 definia que, realizadas as convenções partidárias, emissoras de rádio e televisão ficam proibidas de usar montagem ou outro recurso de áudio ou de vídeo que “degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”.

Ao votar pela inconstitucionalidade do artigo, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que a Constituição não estabelece a restrição prévia de conteúdos. Celso de Mello pontuou que a Corte não pode admitir nenhum tipo de restrição do estado que tente controlar o pensamento crítico. Última a votar, a presidente do STF, Carmen Lúcia, disse causar espécie o fato de haver tantos questionamentos judiciais sobre liberdade de imprensa 30 anos depois da promulgação da Constituição. “A censura é a mordaça da liberdade”, classificou.

A decisão do Supremo aconteceu no dia 21 deste mês. Uma semana antes, os humoristas Bruno Mazzeo (filho de Chico Anysio), Fabio Porchat e Marcius Melhem estiveram com o ministro Alexandre de Moraes para tratar do tema. A norma já havia sido suspensa em 2010 pelo STF, a partir de liminar concedida pelo então ministro Ayres Britto em ação também proposta pela Abert.

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Um dos primeiros a tratar a política de modo debochado e crítico foi Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly, ou Barão de Itararé. Nascido em 29 de janeiro de 1895, no Uruguai, passou por redações de jornais O Globo e A Manhã. Em 1926, fundou o jornal satírico A Manha, que se especializou em criar personagens atribuídos a políticos, mudando seus nomes. Um dos personagens era Vaz Antão Luís, paródia ao presidente Washington Luís. Na publicação, Vaz era o colunista que acumulava as funções de presidente da República.

Abaixo, você confere nove momentos marcantes em que o humor explicou o cenário político nacional:

1. Odorico Paraguaçu, de O Bem Amado

Personagem principal da novela “O Bem Amado”, de Dias Gomes, Odorico Paraguaçu era o prefeito de Sucupira, cidade fictícia localizada no litoral da Bahia. Baseada na peça teatral Odorico, o Bem-Amado ou Os mistérios do amor e da morte (1962), do próprio Dias Gomes, a trama era uma crítica bem humorada ao Brasil do período militar. Com a figura dos antigos coronéis – políticos locais e fazendeiros que ditavam as ordens e passavam por cima de leis –, a novela tinha em Odorico a figura do político corrupto, protelador e demagogo, de linguajar exagerado, estrelado por Paulo Gracindo. Segundo Dias Gomes, os trejeitos do personagem, como o discurso recheado de frases de efeito, foram inspirados no deputado e jornalista Carlos Lacerda.

Conhecido pelos neologismos – “democratura”, “pratrasmente”, ao se referir ao passado, e “prafrentemente” ao falar do futuro – tinha como principal promessa de campanha a construção do cemitério da cidade. Sofreu para inaugurá-lo, já que ninguém morria.

Em uma das versões da novela – a primeira foi ao ar em 1973; uma segunda, em 1979; nos anos 80, a trama ganhou uma série – , o prefeito é assassinado pelo pistoleiro Zeca Diabo (Lima Duarte), a quem permitiu voltar a Sucupira desde que conseguisse um morto para inaugurar o cemitério. Ironicamente, é a morte do próprio prefeito, assassinado pelo pistoleiro, que inaugura o cemitério.

Em um dos capítulos da trama, Odorico recebe o pedido de apoio de um deputado em troca de um eventual cargo em um novo ministério, chamado de “Bons Costumes”.

2. Justo Veríssimo, criado por Chico Anysio

Criado por Chico Anysio em 1987, Justo Veríssimo tinha na sinceridade sua maior virtude e também seu maior defeito. O bordão “quero que pobre se exploda” resume o caráter do personagem, uma caricatura ácida de um político sem escrúpulos. Sua entrada na vida pública tinha como único objetivo o benefício próprio. O personagem apareceu nos programas Estados Anysios de Chico City, país fictício do qual foi presidente e cuja moeda corrente se chamava merreca, e no Zorra Total, ambos programas da Rede Globo.

3. Deputado João Plenário, de A Praça é Nossa

O deputado João Plenário é criação do humorista Saulo Laranjeira. O personagem aparece na A Praça é Nossa, do SBT. Semelhante a Justo Veríssimo, João Plenário está na carreira política para se beneficiar do cargo. Em uma primeira fase, o personagem iniciava um discurso e passava a falar frases incompreensíveis. Mais recentemente, o humorista passou a incorporar temas atuais, como o envolvimento de parlamentares investigados pela Operação Lava Jato e os condenados pela Justiça que são obrigados a utilizar tornozeleiras eletrônicas.

4. “Põe a mão na consciência, excelência”, em Viva o Gordo

“No Brasil não há pressa, excelência”. A frase é do personagem de Jô Soares, um assessor do presidente da República, interpretado por Francisco Milani, que leva ao chefe do Executivo um “novo pacote econômico”, e tenta convencê-lo a não assinar o decreto-lei que coloca “a bomba” em vigor. O quadro é do programa Viva o Gordo, criado por Jô Soares, e teve, entre seus redatores, o escritor Luis Fernando Veríssimo.

Com o bordão “põe a mão na consciência, excelência”, o personagem tem a tarefa inglória de evitar que o presidente lance medidas que prejudiquem a maior parte da população, assalariada e presa em aluguéis.

O quadro, que foi ao ar em durante o governo José Sarney, é uma crítica evidente à gestão do Executivo e às medidas econômicas adotadas pelo presidente na época, como o controle de salário e de preços na tentativa de conter a inflação. No mesmo período, Jô Soares criou a “fiscala do Sarney”, uma dona de casa que levava o pedido do presidente, de fiscalizar os preços, então congelados nos supermercados, às últimas consequências, como medir a metragem de um rolo de papel higiênico e reclamar pela falta de meio metro.

5. Carlo Bronco Dinossauro, de Ronald Golias

Personagem do humorista Ronald Golias, Carlo Bronco Dinossauro era o protagonista do programa Família Trapo, criado em 1967 e exibido pela TV Record. Nome inspirado na família Von Trapp, de A Noviça Rebelde, Bronco era o cunhado folgado que vivia às custas da irmã, Helena Trapo (Renata Fronzi), e do marido dela, Peppino Trapo (Otello Zeloni). O elenco contava ainda com Jô Soares como o mordomo Gordon.

O programa foi reeditado nos anos 80 e exibido pela TV Bandeirantes com o nome Bronco. O protagonista vivia com as irmãs (Renata Fronzi e Nair Belo), sócias em um fábrica de rolhas, em um apartamento deixado pelo pai como herança, e se recusava a trabalhar. Síndico do prédio onde morava, enrolava o namorado de uma das irmãs, de quem tomava dinheiro emprestado e nunca devolvia.

Em um dos episódios, Bronco anuncia sua candidatura à Presidência da República. Mas é na sua tentativa de reeleição a síndico que o programa representou, de forma debochada e como poucas vezes vista na TV, em episódio que foi ao ar em 1987, uma seção de votação nos tempos da cédula de papel, com direito a mesário, fiscal de seção e fila de eleitores.

6. Horário eleitoral gratuito e debate em debate, TV Pirata

A TV a cabo, a internet e o Netflix ainda não eram realidade no Brasil de 1989, o que dava mais sentido ao termo “propaganda obrigatória”, já que a única opção para quem queria fugir dos programas eleitorais era desligar a televisão.

Em dois quadros exibidos em 1989, ano da eleição de Fernando Collor de Melo, o programa “Horário eleitoral gratuito”, da TV Pirata, representou o aborrecimento do telespectador naqueles anos de falta de opção durante o horário eleitoral com uma espécie de “onipresença” de um candidato. Já o “debate em debate”, também da TV Pirata, exagerou nas tintas ao retratar a bagunça em que se transformam muitos debates eleitorais.

Criado e redigido pelos humoristas que anos mais tarde criaram o programa Casseta e Planeta - a equipe contava ainda com os cartunistas Laerte, Angeli e Glauco -, a TV Pirata foi um marco nos humorísticos da televisão ao inserir um novo jeito de fazer humor, com metalinguagem, discussões sobre preconceito, sátira às telenovelas da própria TV Globo, onde o programa era exibido, e ausência de bordões.

7. Paulinho Pindobas, dos humoristas de Hermes e Renato

Paulinho Pindobas, o candidato criado pelos humoristas de Hermes e Renato, levava às últimas consequências a sátira à propaganda eleitoral gratuita, com os tradicionais vídeos de candidatos em visita a comunidades carentes. Exibida quando o grupo estava na MTV Brasil (quando a emissora era parte do Grupo Abril, antes de ser adquirida pela Viacom, proprietária da marca nos Estados Unidos), a peça faz a caricatura de um candidato que, com um revólver na cintura e comportamento duvidoso, interage com moradores de rua enquanto um coral desafinado canta o jingle da campanha.

O vídeo, com pouco menos de três minutos, tem o tradicional beijo em criança (com direito a uma limpada de boca após o beijo), abraços e até a entrega de um “saco de cimento” a um dos personagens do quadro. Na parte debaixo da tela, números dos showmícios realizados por Pindobas.

8. Campanha política, Porta dos Fundos

O quadro “Campanha Política”, do canal do YouTube Porta dos Fundos, faz uma sátira ao famoso “corpo a corpo”, prática adotada por candidatos durante as campanhas eleitorais, quando saem às ruas pra um contato mais próximo com a população na busca por votos. Na esquete, o candidato se vê em frente a um bar em um subúrbio, diante da população local, tendo que provar “iguarias” que compõem o cardápio do estabelecimento. O nojo com que prova os itens, entregues a ele por um assessor, é evidente.

9. Tá no Ar, de Marcelo Adnet

No programa Ta no Ar, da Rede Globo, Marcelo Adnet faz um raio-X do tal corpo a corpo protagonizado pelos candidatos durante as campanhas eleitorais. Enquanto as imagens mostram um candidato fictício nas ruas com eleitores – em cenas típicas como a criança no colo, o abraço a trabalhadores e a tradicional mordida no pastel –, um jingle é tocado de fundo com a seguinte frase: “o candidato quer passar a imagem de que é amado por toda a gente/coloca chapéu de engenheiro e aponta pra frente”.

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