• Carregando...
 | José Cruz/Agência Brasil
| Foto: José Cruz/Agência Brasil

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) venceu a eleição apostando numa arrojada estratégia de comunicação direta com o eleitor pelas redes sociais. Passado o segundo turno, apoiadores de Bolsonaro começaram a defender a ideia de que ele continue a usá-las para mobilizar a opinião pública a pressionar deputados e senadores a votar temas de seu interesse – adotando estratégia semelhante à de Donald Trump com o Congresso dos EUA. Mas será possível trocar a negociação tradicional com os parlamentares pela pressão popular nas votações da Câmara e do Senado?

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo dizem que é difícil saber se Bolsonaro realmente vai recorrer à internet para pressionar o Congresso, embora admitam que ele até pode tentar governar pelas redes sociais. Mas os analistas dizem que a gestão pública é diferente de uma campanha e não acreditam que o presidente eleito poderá deixar de negociar com as legendas e bancadas partidárias – o que, aliás, começou a fazer nos últimos dias.

Filho de Bolsonaro diz que presidente deve recorrer às redes para aprovar a reforma da Previdência

Filho do presidente eleito, o deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu, no dia 27 de novembro, o uso das redes sociais como instrumento de pressão no Congresso em reunião fechada com investidores estrangeiros, na qual afirmou que o governo de seu pai talvez não consiga aprovar a reforma da Previdência.

“Precisamos usar a votação maciça do Jair Bolsonaro e os canais de redes sociais, onde temos conexão direta com as pessoas, para dizer a verdade [sobre a importância da reforma da Previdência] e que é algo necessário”, disse Eduardo Bolsonaro. O filho do presidente eleito também é próximo de Steve Bannon – ex-estrategista de comunicação de Donald Trump, notório pelo uso das redes sociais como instrumento de atuação política.

Eduardo Bolsonaro não foi o primeiro aliado do presidente eleito defender que a mobilização popular pela internet seja usada para influenciar os parlamentares. Um dia depois da vitória de Bolsonaro na eleição, em 29 de outubro, o líder do Movimento Brasil Livre (MBL) e deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM-SP) disse, em entrevista ao portal UOL, acreditar que Bolsonaro vá usar a mesma tática de comunicação usada na campanha em sua relação com o Congresso.

“Acredito que a tendência é que ele faça, que ele se utilize das redes sociais, suas redes de comunicação, para expor os parlamentares que votarem contra [seus projetos] para tentar constrangê-los de alguma maneira”, disse Kataguiri.

Saiba mais: Futuros ministros “copiam” Bolsonaro a se transformam em ‘tuiteiros’

Há, contudo, um movimento no sentido contrário na formação do governo Bolsonaro. Outro filho do presidente eleito – Carlos Bolsonaro, principal responsável pelas redes sociais do pai na campanha – chegou a ser cotado para ocupar a Secretaria de Comunicação (Secom). Mas Carlos se irritou com outros auxiliares do pai, deixou a equipe de transição e abandonou a função de abastecer as postagens de Bolsonaro nas redes sociais.

Os motivos de Carlos Bolsonaro não ficaram claros. Contudo, nos bastidores, comenta-se que, além de desavenças pessoais com outros auxiliares do pai, haveria uma pressão para que o futuro presidente tenha um profissional da área para cuidar da comunicação do governo. Carlos teria defendido manter o mesmo formato usado na eleição: contato direto com o eleitor.

Ao menos durante a transição, Jair Bolsonaro tem usado as redes sociais para fazer anúncios de ministros, desmentindo indicações e até desautorizando aliados que falam em nome do futuro governo. Mas o ritmo de aparições, em relação à campanha, foi reduzido.

Especialistas dizem que usar as redes sociais pode até ajudar, mas não que Bolsonaro terá de negociar com o Congresso

Autor do livro Artefatos Digitais para a Mobilização da Sociedade Civil, José Antonio Pinho diz que o comportamento de Bolsonaro em relação ao Congresso ainda é uma incógnita. Segundo ele, o uso das redes sociais foi uma estratégia tipicamente eleitoral. “Uma coisa foi o Bolsonaro candidato, outra é o Bolsonaro neste pré-governo e outra será ele efetivamente governando”, diz Pinho, que é professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-doutorando na Eaesp-FGV.

Estudioso das redes sociais, o cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Sérgio Amadeu da Silveira não descarta a possibilidade de que Bolsonaro busque reproduzir a estratégia de campanha no governo, mobilizando apoiadores para pressionar os parlamentares. Ele lembra que deputados e senadores são sensíveis à pressão popular; e essa tática eventualmente pode funcionar.

Mas Silveira diz que a relação com o Congresso não será tão simples assim. Há pautas na agenda de Bolsonaro que são claramente impopulares e que dificilmente terão apoio popular – como a reforma da Previdência. José Antonio Pinho questiona ainda se a pressão popular funcionaria em todas as situações. Ele lembra que 2,7 milhões de brasileiros aderiram a um abaixo-assinado on-line pedindo, sem sucesso, que o presidente Michel Temer vetasse o aumento de 16% para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Leia também: Como Bolsonaro pretende aprovar reformas cruciais sem negociar com os partidos

“Não é um jogo que vai se decidir simplesmente na comunicação”, resume Sérgio Amadeu da Silveira. Ele afirma que Bolsonaro terá de negociar com os partidos e bancadas – e que talvez até mesmo tenha de lançar mão das tradicionais concessões no estilo “toma lá dá cá” com o baixo clero do Congresso para ver seus projetos aprovados.

Pesquisador de comunicação política e professor de Ciência Política no Grupo Uninter, Doacir Quadros diz que o sistema presidencial brasileiro, por meio do qual o Planalto tem de compor com vários partidos para poder aprovar seus projetos no Parlamento, vai forçar Bolsonaro a negociar com a classe política. Na última quinta-feira (5), por exemplo, Bolsonaro já admitiu aceitar indicações de partidos para o segundo escalão do governo.

Quadros aposta que haverá sim pressão popular sobre o Congresso vinda de grupos de apoiadores de Bolsonaro. Mas ele acredita que, ao menos num primeiro momento, isso tende a ocorrer de forma independente do presidente, que não encabeçaria a pressão. “O Bolsonaro já está mais moderado”, diz Quadros.

O professor do Uninter afirma que vários estudos mostram que essa é uma tendência na política: prefeitos e governadores que usaram as redes sociais de forma intensa durante a campanha costumam deixá-las de lado quando começam a governar. Entre outros fatores, isso ocorre porque há um risco de haver um desgaste maior do político por causa da exposição intensa nas redes e da cobrança direta da parte dos eleitores.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]