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| Foto: Evaristo Sá/AFP

O Brasil pode começar os primeiros meses de 2019 ao lado de países como Líbia, Irã, Sudão, Coreia do Norte e Cuba em uma “lista negra” se não conseguir aprovar um projeto de lei defendido pelo futuro ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro. O Projeto de Lei n.º 10.4361/2018, em tramitação na Câmara, prevê o congelamento de dinheiro de pessoas e organizações consideradas terroristas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Foi enviado ao Congresso depois de uma recomendação do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF).

O Gafi é uma organização internacional criada em 1989 que tem o objetivo de desenvolver e promover políticas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Periodicamente, a instituição realiza avaliação dos países membros acerca da implementação de medidas de interesse do grupo.

O grupo já alertou o Brasil da necessidade de adequação aos padrões internacionais em 2014. Na época, o Gafi enviou uma carta ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, para comunicar que o Brasil foi enquadrado na categoria mais leve de país que não trabalha contra o terrorismo.

Em 2016, o Congresso aprovou a Lei Antiterrorismo, mas o Gafi fez novas recomendações relacionadas ao congelamento de ativos de pessoas e organizações investigadas por terrorismo.

Se não se adequar, Brasil pode sofrer sanções internacionais

O projeto com as adequações às diretrizes do Gafi foi enviado pelo governo em junho à Câmara dos Deputados. Na justificativa da proposta, há a argumentação de que o não cumprimento das recomendações podem implicar em sanções ao Brasil.

“As sanções para um país que não as implemente vão da sua inclusão em listas de países com deficiências estratégicas (de alto risco ou não cooperativos), à aplicação de contramedidas pelo sistema financeiro dos demais países ou até a sua exclusão do Gafi/FATF e, eventualmente, de outros grupos ou organismos internacionais que apoiem esse processo, tais como o G-20, o Fundo Monetário Nacional e o Banco Mundial”, diz o texto enviado ao Congresso.

As sanções podem impactar a imagem internacional do Brasil, a capacidade de atrair investimentos do exterior e até atrapalhar investigações brasileiras de combate à corrupção. O risco de ser suspenso do Gafi levou o futuro ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro, a pedir ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que dê prioridade para o tema na Casa ainda em 2018.

“O Brasil assumiu compromisso há longa data e até o momento não o fez. O risco se o Brasil não aprovar até fevereiro é ser suspenso do Gafi”, disse Moro na última sexta-feira (30). “Ser suspenso dessa organização vai fazer um grande mal para a imagem do Brasil e para os negócios. Por isso, seria importante que o Congresso atual desse prioridade e aprovasse esse projeto. Tomei a liberdade de falar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, da importância dessa pauta”, completou o futuro ministro do governo Bolsonaro.

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Sanções podem atrapalhar operações como a Lava Jato

Uma das consequências para o Brasil de ser suspenso do Gafi, segundo o professor de relações internacionais Gustavo Blum, da Unicuritiba, é a suspensão de acordos internacionais – ferramenta de investigação muito utilizada na Lava Jato. “No caso dos Estados Unidos ou de alguns países da Europa, poderiam não fazer acordos ou suspender projetos e a cooperação internacional em matéria de sistema financeiro”, explica Blum.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), foram realizados no âmbito da Lava Jato 548 pedidos de cooperação internacional com 36 países ao longo das investigações. Integrantes da operação admitem que os acordos com outros países são pontos chaves para o sucesso de casos como a Lava Jato. O próprio Moro admite a preocupação em manter os acordos de cooperação vigentes.

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Economia também pode patinar

Além de interferir em investigações que dependam de cooperação de outros países, a falha do Brasil em não aprovar as novas medidas de combate à lavagem de dinheiro pode impactar na economia. “Ali [no Gafi] estão reunidos países muito importantes. São países que podem fazer opção de não mais comercializar com o Brasil ou fazer algum tipo de restrição para formas de investimento em razão dessa não adequação”, explica Blum.

Segundo o professor da Unicuritiba, a imagem do Brasil no exterior está pautada por processos de investigação, como a Lava Jato, que são vistos com bons olhos por investidores internacionais. “À medida em que o Brasil aumenta sua capacidade de responsabilização, as empresas se sentem mais seguras juridicamente para virem para cá”, explica Blum.

Brasil pode ser colocado “de escanteio” em questões internacionais

Outra consequência de uma suspensão do Gafi é o Brasil perder protagonismo na comunidade internacional. “Representa um certo isolacionismo que pode ser um tiro no pé para o Brasil”, diz Blum.

“[O Brasil] não vai ter capacidade de determinar regras, estabelecer legislação que condiga com a sua realidade e vai ficando cada vez mais desimportante no G-20, que tem uma ação no mercado financeiro muito importante de harmonização”, explica o professor.

Especialista diz que projeto é benéfico, mas país ainda debate o que é terrorismo

O Projeto de Lei n.º 10.4361/2018 tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados desde o dia 20 de novembro e pode ser colocado em pauta para votação ainda nesta semana. Se passar pela votação na Câmara, ainda precisa ser discutido no Senado antes de ir para sanção presidencial.

Para o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDE), Francisco Monteiro, o projeto é benéfico para o combate à lavagem de dinheiro no Brasil. “A questão do combate à lavagem dos valores, ativos de grupos terroristas é normal e usual e essas pressões internacionais vão em um caminho sem volta, que é cada vez um maior controle financeiro, econômico, não só desses grupos, mas de todo mundo”, diz. Segundo o advogado, “há um consenso suficiente de que o combate à lavagem é fundamental”.

Blum aponta para uma dificuldade em implementar o projeto, caso seja aprovado. “Uma questão que está sendo muito problemática para o Brasil é como instituir isso na legislação, ou seja, o que é o ato de terrorismo, o que é apoiar um ato de terrorismo”, diz.

O professor cita outro projeto referente à Lei Antiterrorismo, em tramitação no Senado. A proposta, do senador Lasier Martins (PDT-RS), tem como objetivo “disciplinar com mais precisão condutas consideradas como atos de terrorismo”. O projeto é alvo de críticas por abrir brecha para a criminalização de movimentos sociais e manifestações.

“Estão se utilizando disso para mudar a legislação, porque há um grupo que não acata alguns vetos feitos à lei. Na época em que a lei [Antiterrorismo] foi aprovada, ela criminalizava movimentos sociais e essa parte foi vetada da lei e agora querem recolocar lá”, explica Blum.

Monteiro explica que o projeto em tramitação no Senado é diferente do que está em discussão na Câmara. “O projeto de criminalização dos movimentos sociais é uma infelicidade, algo absolutamente incompatível com nosso texto constitucional”, opina. Se aprovado no Senado, o projeto ainda precisa passar por votação na Câmara antes de ir à sanção presidencial.

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