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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enfrenta sua primeira crise no cargo apenas quatro dias após tomar posse. O procurador da República Sidney Pessoa Madruga deixou nesta sexta-feira (22) a equipe de Dodge após a Folha de S.Paulo revelar uma conversa em que ele, entre outras coisas, dá a entender que a nova gestão da Procuradoria Geral da República (PGR) quer colocar um “cabresto” na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, que é comandada pelo procurador Deltan Dallagnol.

Madruga disse ainda que a “tendência” da gestão Dodge seria investigar Eduardo Pelella, ex-chefe de gabinete do ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Dodge e Janot são desafetos dentro do Ministério Público Federal (MPF).

A Folha flagrou um diálogo de Madruga com uma mulher, enquanto ambos almoçavam em um restaurante no Lago Sul, em Brasília, na quinta-feira (21). A reportagem estava na mesa ao lado da do procurador.

Na conversa, Madruga diz que a nova gestão da PGR precisa construir outra relação com os procuradores de Curitiba, com mais interlocução e controle do que ocorria no período de Janot. Segundo o jornal, Madruga chegou a criticar o ex-procurador-geral por, em sua avaliação, deixar a força-tarefa muito solta.

Nos bastidores da Lava Jato em Curitiba, procuradores têm desconfianças em relação à atuação de Raquel Dodge no comando da operação. Os membros do MPF têm autonomia funcional e, nesse sentido, tomam decisões independentemente de quem ocupa o comando da PGR. Mas a chefia do MPF é importante no sentido de dar suporte financeiro e eventualmente político para as unidades estaduais e para operações como a Lava Jato.

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Três no prego...

Mas o que Madruga quis dizer com “maior controle” sobre a força-tarefa de Curitiba? A Lava Jato na gestão Janot vinha sendo alvo de várias críticas por supostos excessos. Dodge tem sinalizado que quer coibir as ações midiáticas do MPF e que vai exigir que a força-tarefa aja estritamente dentro da lei – esta é uma das hipóteses. Seria uma espécie de correção de rumos.

Pelo menos três ações da nova procuradora não permitem dizer que ela está atrapalhando a operação. Pelo contrário. Durante a campanha da eleição para o comando da PGR, ela sempre reiterou seu apoio à Lava Jato.

Logo depois que foi escolhida para o cargo, propôs ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) o aumento do orçamento de 2018 da Lava Jato no Paraná. Na quarta-feira passada (20), defendeu em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) o prosseguimento da segunda denúncia formulada pelo seu antecessor, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer (PMDB).

... outras cinco na ferradura

Mas pelo menos outros quatro fatos motivaram questionamentos de que ela poderia criar empecilhos para as investigações. Em abril, durante reunião do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), Dodge apresentou um projeto de resolução para limitar em 10% o número de procuradores das unidades estaduais do MPF que poderiam ser cedidos para operações especiais – como a Lava Jato. O argumento era a necessidade de preservar o funcionamento das unidades do órgão. Janot foi contra e disse que a medida prejudicaria a Lava Jato.

Raquel Dodge também teria recebido o apoio de alguns figurões investigados na Lava Jato durante a campanha para a PGR: o do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Ela ainda era a preferida do ministro da Justiça, Torquato Jardim, e do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – muito ligado a Temer.

Outro investigado, o próprio Temer, por sua vez, rasgou uma tradição que vinha desde 2003: a de que os presidentes escolhem o procurador mais votado na eleição interna do MPF para a PGR. Dodge foi a segunda mais votada, perdendo para o procurador Nicolao Dino – do grupo de Janot. Ficou a impressão de que ela era a candidata de Temer.

Além disso, em agosto, logo após ter sido indicada para a PGR, Dodge envolveu-se em outra polêmica: encontrou-se com o presidente no Palácio do Jaburu numa reunião que estava fora da agenda.

Também causou estranheza o fato de ela nem sequer mencionar a Lava Jato – uma das ações mais importantes do MPF nos últimos anos e que está em pleno curso – no discurso de posse na Procuradoria-Geral, na segunda-feira (18) passada. Temer, aliás, prestigiou a cerimônia de posse dela, em Brasília.

Esclarecimento para evitar ilações, mas...

A PGR foi rápida para tentar esfriar o caso de Sidney Pessoa Madruga. Ele pediu exoneração e a procuradora-geral aceitou a demissão rapidamente, na tarde desta sexta-feira. Mas o episódio, além de ter reacendido dúvidas de que ela tentará interferir nos rumos da Lava Jato, também deixou no ar a suspeita de que Dodge poderia promover uma “retaliação” a seu antecessor, Rodrigo Janot.

A Procuradoria emitiu uma breve nota sobre o episódio em que afirma que a exoneração de Madruga teve “a finalidade de evitar ilações impróprias e indevidas”. O texto da Procuradoria procurou desvincular Madruga da Lava Jato. A nota destaca que ele “não atua em matéria criminal e não teve acesso a nenhuma investigação ou ação penal conduzidas pela atual equipe do Grupo de Trabalho da Lava Jato, em Brasília”.

No entanto, no início da noite, uma nova informação colocou em xeque o argumento da PGR de que Madruga não tinha nenhuma relação com a Lava Jato. A Folha de S.Paulo conseguiu identificar a interlocutora que conversava com Madruga no almoço.

Trata-se da advogada Fernanda Tórtima, que atuou na negociação da delação premiada da JBS e que é citada na investigação que apura a atuação do ex-procurador Marcello Miller, um dos auxiliares de Janot, nas negociações da empresa com a PGR para fechar a delação.

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Fernanda também é suplente de juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro e Madruga ocupava, na nova gestão da PGR, o cargo de coordenador do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe). Nesse sentido, haveria um motivo para eles se encontrarem. Mas o problema é que o teor da conversa dos dois, flagrada pela Folha, não foram eleições. E sim a Lava Jato.

A Folha informou ainda que a exoneração do procurador só foi anunciada após a reportagem questioná-lo sobre a conversa e de ter entrado em contato com a advogada. Segundo o jornal, ambos não quiseram se pronunciar.

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“Não é para punir, é pra esclarecer”

A colaboração premiada dos donos e executivos da JBS é alvo de grande polêmica não apenas pelo fato de os delatores terem omitido informações para a PGR. Há a suspeita de que o ex-procurador Miller atuou como negociador da empresa ao mesmo tempo em que estava no Ministério Público Federal (MPF). Como Miller foi um assessor muito próximo de Janot, a própria atuação do ex-procurador-geral passou a ser questionada – especialmente porque os benefícios concedidos à JBS foram muito generosos.

O procurador Eduardo Pelella, outro braço-direito de Janot, é mencionado em diálogos de delatores da JBS como um interlocutor da PGR nas negociações do acordo de colaboração judicial. Ele teve reunião com um deles, o advogado Francisco Assis e Silva, dias antes do encontro, em 7 de março, em que o dono da JBS, Joesley Batista, gravou o presidente Michel Temer.

Na conversa com a advogada Fernanda Tórtima na quinta passada, o procurador Madruga afirmou sobre Pelella: “Não é para punir, é pra esclarecer”. Ele disse que é preciso entender “qual é o papel do Pelella nessa história toda, porque está todo mundo perguntando”.

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