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Temer conhece como ninguém o funcionamento do Congresso e isso lhe dá vantagem nas articulações para derrotar a denúncia de Janot. | Evaristo Sa/AFP
Temer conhece como ninguém o funcionamento do Congresso e isso lhe dá vantagem nas articulações para derrotar a denúncia de Janot.| Foto: Evaristo Sa/AFP

“Michel Temer não trabalha com a derrota”, disse um assessor próximo do presidente. “Ele tem certeza que ganhará a votação na Câmara no dia 2 de agosto”. Nesse dia, uma quarta-feira, os deputados decidirão se autorizam a investigação da denúncia contra ele por corrupção passiva, que abre caminho para afastá-lo do cargo por pelo menos 180 dias. Palavras de otimismo ingênuo? Nada disso. Temer sabe muito bem como está jogando. E é para ganhar.

As proezas de sobrevivência política do presidente paulista de quase 77 anos são evidentes. Presidente do PMDB por 13 anos, três vezes presidente da Câmara dos Deputados, um dos deputados da Assembleia Constituinte de 1987 e com vários mandatos desde então, Temer conseguiu formar uma resistente base de sustentação entre os deputados para sair bem-sucedido nas primeiras batalhas após a delação premiada de Joesley Batista, da JBS. E dificilmente a oposição conseguirá os 342 votos necessários de deputados para derrubá-lo na votação do plenário nesta semana.

Logo após o escândalo da divulgação das gravações com Joesley, as previsões eram que ele cairia em pouco tempo. Agora, não só permanece firme entre os percalços, como está conseguindo dar seguimento a medidas polêmicas no Congresso, como a reforma trabalhista. Se as próximas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) não vierem logo e com mais força, seja outra mala de dinheiro ou nova gravação comprometedora, capaz de desestruturar a rede de coesão criada a duras penas nos últimos anos, Temer ganhará os próximos combates e permanecerá à frente da nação até 2018.

As causas para esse sucesso? Clientelismo e carinho, literalmente. E trabalho árduo, pelos próprios interesses.

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Tem que saber dar carinho

“Deputado quer carinho e isso Temer sabe dar”, afirmou o assessor de um parlamentar no Congresso. E ele não estava se referindo à liberação de R$ 266 milhões em emendas parlamentares para deputados que votaram a favor de seus interesses na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou à nomeação de cargos para parlamentares leais – e a demissão de amigos dos desleais de posições no Executivo.

Ele se referia à habilidade de Temer em ser um bom negociador e um perfeito “camaleão”. E exemplifica essa característica com um fato do passado, quando o PT pediu o impeachment do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1999, e Temer era o presidente da Câmara.

“Ele agradou o PT, deixou-se fotografar recebendo o pedido contra FHC, ouviu, articulou, parecia que ia levar adiante, mas nos bastidores usou todos os instrumentos do regimento para arquivar o pedido, e mais tarde foi vice do PT”, afirmou. “Dá para perceber a diferença comparando com o [Eduardo] Cunha [ex-presidente da Câmara]. O Cunha passava por cima dos deputados, ia no embate direto. O Temer é muito mais cuidadoso, trabalha no bastidor, pode até ‘tratorar’, mas o interessado não percebe que estava sendo ‘tratorado’”.

Essa postura de Temer, de conceder benefícios em troca de outros, de dar uma saída honrosa para todos sem humilhar, mediando conflitos sem deixar de pilotar o barco no rumo de seus desejos, fez dele uma peça útil para as aspirações dos seus pares e, enquanto for assim, vão “manter isso aí”, a coisa como está.

Por isso, quando Dilma Rousseff rompeu com Temer, caiu rapidamente. “Em política você não pode criar arestas. Além das barganhas, Temer escolhe muito bem as palavras, é um cara mais bem-educado, não é agressivo, ele só responde aquilo que ele tem certeza que não vai agredir o outro lado, é um político profissional. Ele não tem nenhum carisma com a população, mas dentro do Congresso, total”, explica Antônio Flávio Testa, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB).

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De acordo com outro assessor parlamentar, Temer sabe agradar os deputados como ninguém. “Não é só liberar emenda, deputado quer ser recebido, tirar o retrato com o presidente e levar lá na cidadezinha dizendo que ele é um cara importante, jantar com o presidente, ser levado numa viagem à Argentina”, elenca. “A Dilma não recebia os deputados, o Collor deixava os deputados tomando chá de cadeira 3, 4, 5 horas. Para você ter uma ideia, estive mais vezes no Palácio no Planalto agora com o Temer do que na época da Dilma. O Temer sempre dá jantares, visita, articula, conversa com todo mundo, de todos os lados, essa é a diferença”, acrescenta.

Uma inserção assim no Congresso, com compromisso de ceder no que for preciso, explica o sucesso, por exemplo, da troca de deputados na CCJ às vésperas da votação da denúncia no órgão. Temer teve o total apoio dos líderes dos partidos para tirar e pôr deputados, para deixar o maior número possível daqueles que iriam jogar conforme ele queria. “Se, por um lado, Temer não parecia tão forte a ponto de ser obrigado a fazer essa manobra, o fato de ter conseguido isso é um indicativo de força; tentar fazer é comum, conseguir é outra coisa”, avalia Sérgio Praça, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Tudo isso transforma o Brasil em uma espécie de “parlamentarismo troncho”, acredita o professor Luiz Felipe Alencastro, também da FGV e professor emérito da Universidade Sorbonne, onde Temer seria uma espécie de primeiro-ministro. “Temer não é forte por votos, mas é forte porque ele tem um controle sobre o Congresso, através de um mecanismo de clientelismo que ele conhece perfeitamente”, critica.

Conjuntura favorece, por incrível que pareça

A sorte também sorri para Temer. Em momento de caos econômico e social, alguém precisa se queimar para adotar iniciativas impopulares, que afastam eleitores. O presidente se dispôs abertamente a fazer esse papel, muito interessante para os parlamentares, com olhos no futuro, é claro.

“Eles não querem tirar o Temer agora. É bom para todos os partidos que as reformas polêmicas sejam feitas agora, o país fica arrumado para o próximo presidente sem queimar ninguém no futuro”, analisa Márcio Coimbra, cientista político e professor do Ibmec.

Além disso, reina entre os parlamentares a ideia de que falta relativamente pouco tempo para as eleições do ano que vem, e que é melhor deixar o barco correr e se focar mais em tentar aprovar uma reforma eleitoral favorável à reeleição de grande parte dos deputados. O principal é tentar enganar o eleitor, pois muitos deles estão envolvidos em casos de corrupção como os investigados na Operação Lava Jato e precisam manter o seu foro privilegiado para não serem presos.

Entre as medidas que poderiam driblar os descontentes nas urnas estariam a lista fechada, o fundo público de R$ 6 bilhões para bancar as eleições e, se der, até o distritão – desejo antigo do presidiário Eduardo Cunha, sistema que elege os deputados mais votados de cada estado, sem votação proporcional. E ainda a chamada “Emenda Lula”, um dispositivo para impedir a prisão de candidatos até oito meses antes da eleição que, pelo nome, parece beneficiar apenas o petista, mas na verdade salvaria pelo menos 30 senadores e 50 deputados envolvidos em ilícitos investigados na Justiça.

PMDB trabalha bem

Outro trunfo de Temer é o PMDB. Para um desavisado, o partido pode parecer fraco e fracassado por não ter conseguido emplacar nenhum presidente pelas urnas; apenas, ironia do destino, pela ascensão de três vice-presidentes – além de Temer, Itamar Franco, em 1992, e José Sarney, em 1985. A história é bem outra. Na verdade, os políticos da legenda, conhecida como a mais fisiológica no país, conhecem os mecanismos de poder como ninguém e, por isso, conseguem fazer alianças vantajosas com o governante da vez. E não importa quem seja ele, de esquerda ou direita, liberal ou estatista.

“Um bom exemplo é o Romero Jucá. Ele foi o líder do governo no Senado no mandato de FHC, de Lula, de Dilma e no Temer. Hoje, na verdade, ele é o primeiro-ministro do Temer, tudo no Congresso passa por ali. É muito forte, tem muitos cargos e dentro do Congresso tem um trânsito geral em qualquer partido”, afirma o professor Testa, da UnB. As prisões de peemedebistas como Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e Rodrigo Rocha Loures são apenas a ponta de um iceberg de como opera o partido, atirando para todos os lados.

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Com tanto poder, Temer consegue ainda mais uma proeza: manter o PSDB no governo. Os tucanos querem pular fora, e ao mesmo tempo não querem. Estão em cima do muro, não podem largar o osso – por exemplo, os ministérios. Como o PMDB, como sempre, não tem bons nomes para a eleição presidencial de 2018, e o PSDB sim, além de ter sido o grande vencedor das eleições municipais de 2016 em números proporcionais, as duas agremiações deverão fazer um jogo, no qual é muito importante que Temer permaneça na presidência, para bancar a jogada.

Ainda é cedo

Todo esse castelo pode ruir caso uma bomba venha abater a estrutura das cartas. E ela pode vir logo, já em agosto. Nos corredores da PGR, diz-se que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, antes de passar o bastão para Raquel Dodge, em setembro, deverá lançar mais uma denúncia-bomba contra Michel Temer, a partir das delações do grupo JBS. Se o fato novo abalar a opinião pública de forma contundente, Temer deixa de ser útil e pode cair.

Somadas a essa previsão, contra Temer ainda podem recair as delações premiadas do doleiro Lúcio Funaro, sobre acertos do presidente em contratos da Caixa Econômica, do ex-ministro da Fazenda de Dilma, Antonio Palocci, e do publicitário Marcos Valério, que além do mensalão mineiro insinuou entregar as relações sinuosas do PMDB com o PT.

Por isso, como ainda devem chegar mais denúncias na Câmara dos Deputados, Temer não para. Se há algo que não se pode chamá-lo é de preguiçoso. Como fez na época do impeachment de Dilma, o peemedebista faz encontros incansáveis com deputados, líderes, assessores. O plano é fazer tudo para todos, para beneficiar os cúmplices e a si mesmo. O plano principal do presidente inclui permanecer no cargo até 2018 e tentar manter o foro privilegiado com algum ministério na gestão que vier, para não ser preso. Possível?

“Tudo isso é bastante especulação, mas se o cenário permanecer sem nenhum fato novo forte, não será difícil que ele consiga uma vaguinha”, disse Sérgio Praça, da FGV. Seria mais uma das suas façanhas.

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