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| Foto: Rodrigo Felix Leal/Gazeta do Povo

A arrastada votação na Câmara dos Deputados dos destaques da lei que cria o cadastro positivo, na quarta-feira (20), não deve se repetir no Senado. A tendência entre os senadores é garantir uma aprovação mais rápida do projeto. Caso a iniciativa receba o aval na outra casa do Congresso Nacional, segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

“Acho que o projeto tende a ser aprovado. É um assunto que não tem uma polêmica grande e é algo benéfico”, declarou o senador Reguffe (sem partido-DF). Membro da oposição, o senador Paulo Paim (PT-RS) também avalia que o cenário é de consenso: “a tendência é aprovar. Porque é uma proposta que não macula a vida de ninguém; ao contrário, favorece os bons pagadores. Mas espero que fiscalize e exclua do cadastro também os grandes devedores, não apenas os pequenos inadimplentes”.

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A impressão dos senadores é reforçada pela primeira votação do Senado sobre o tema, em outubro de 2017. Na ocasião, a proposta foi aprovada com 59 votos favoráveis entre os 60 senadores que estiveram presentes na sessão - a unanimidade só não foi alcançada porque um parlamentar se absteve. A iniciativa foi elogiada por membros de diferentes partidos, como os agora ex-senadores Dalírio Beber (PSDB-SC) e Jorge Viana (PT-AC).

Já na Câmara, a votação da última quarta-feira - mesmo dia em que a proposta da reforma da previdência chegou ao Congresso - se encerrou apenas após às 21 horas. Parlamentares de oposição e aliados ao governo se revezaram nos discursos contrários e favoráveis à iniciativa. Os deputados rejeitaram todas as emendas apresentadas à proposta sobre o cadastro positivo, e a iniciativa seguiu para o Senado com o mesmo texto que havia sido definido na Câmara em maio do ano passado.

Mas o que é o cadastro positivo?

A lei que está em avaliação pelo Congresso determina a inscrição compulsória dos consumidores no cadastro positivo, que é uma relação de bons pagadores, as pessoas físicas e jurídicas que cumprem seus compromissos financeiros sem muitos problemas. Por analogia, pode se definir o cadastro positivo compulsório como uma versão oposta do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), que lista os inadimplentes.

O cadastro positivo foi criado no Brasil em 2011, mas como a participação na relação era voluntária - ou seja, os consumidores teriam que optar por ter seu nome na lista - teve adesão baixa e impacto reduzido no setor financeiro.

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Pela legislação que pode ser aprovada pelo Senado, um consumidor pode, se quiser, ficar de fora do cadastro positivo. Para isso, precisa manifestar expressamente seu desejo de exclusão. Se não se posicionar, terá seu nome relacionado. Mas a tendência é de que a maior parte das pessoas acabe não requerindo a retirada.

A principal justificativa para a ideia de alterar a lei e incluir compulsoriamente os consumidores no cadastro positivo é a meta de tentar reduzir as taxas de juros. O setor financeiro alega que como no cenário atual não é possível saber quais são os bons pagadores, os elevados juros são aplicados de forma geral para cobrir as dívidas dos que falham nos pagamentos. O cadastro positivo permitiria a criação de faixas de acordo com os diferentes perfis de consumidores e, em tese, recompensaria os que honram as suas dívidas.

Quem apoia?

A iniciativa tem recebido o apoio do setor financeiro, tanto dos bancos tradicionais como das “fintechs” (empresas de tecnologia que prestam serviços no campo das finanças), de parlamentares ligados ao liberalismo e de braços do governo federal.

O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) afirmou nas redes sociais que “o cadastro positivo é contra o oligopólio. Hoje, quem não paga dívida já está marcado. Quem não está marcado é quem paga. Este cara não tem crédito garantido, por intransigência da oposição, que fala que é para beneficiar os bancos, mas na prática é o contrário”.

Já o secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, declarou ao site da pasta que o cadastro positivo pode proporcionar inclusão financeira a pessoas que, hoje, estão fora do mercado de crédito. Ele também definiu a votação recente da Câmara como “uma vitória importante do governo”.

Quem critica?

As críticas à iniciativa se pautam principalmente em uma possível violação de sigilo e de dados pessoais que a inclusão compulsória poderia criar. Uma vez que os consumidores teriam automaticamente - a não ser que se manifestem - suas informações repassadas às empresas que criarão o cadastro positivo, dados pessoais circulariam de forma pouco criteriosa.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) publicou em seu site em abril de 2018 uma análise sobre o tema em que chamou a votação do projeto na Câmara de “uma derrota para a democracia e para o controle social das atividades do Poder Legislativo”.

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Segundo o IDEC, a proposta não estabeleceu regras precisas sobre o vazamento de dados dos consumidores e também não definiu, com transparência, quais serão os critérios adotados na hora de se fixar a pontuação de cada consumidor. O IDEC também contestou o fato de que o projeto foi votado diretamente pelo plenário da Câmara, sem ser analisado por comissões da Casa.

Baixar juros com cadastro positivo é “conversa fiada”

O economista Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB), disse não acreditar que a possível violação de dados esteja entre os principais problemas da inclusão compulsória dos consumidores no cadastro positivo. “Acho que saber o histórico das obrigações e dos empréstimos das pessoas é uma coisa razoável. Inclusive, hoje em dia, o SPC já tem essas informações. Muitas das coisas agora em discussão já estão em registro público”, disse.

Piscitelli, no entanto, diz ser “cético” em relação à possibilidade de o cadastro positivo reduzir as taxas de juros. O professor afirmou considerar “conversa fiada” a ideia de que a inadimplência é a responsável pelos juros altos no país.

“A inadimplência está, hoje, na ordem de 3%, na média. Não considero que isso seja um percentual muito alto. Mas os bancos criam essa e outras desculpas para justificar a alta taxa de juros”, declarou.

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O professor disse também que é possível que, mesmo com a aprovação do cadastro, o setor financeiro fique à espera de outras inovações legislativas: “É provável que daqui a um mês eles [bancos] digam ‘se não aprovar a reforma da previdência não vamos baixar os juros’, e meses depois, ‘se não aprovar a reforma tributária não vamos baixar’. Sempre tem um pretexto”.

Apesar das ressalvas, o professor disse ver méritos na proposta pela possibilidade de que a nova legislação crie um ambiente de estímulo ao pagamento mais regular de dívidas.

Histórico

A tramitação da lei sobre o cadastro positivo é um episódio que traduz como o trabalho do Congresso pode ser demorado e pouco produtivo.

Após a aprovação pelo Senado em outubro de 2017, o projeto foi à Câmara e foi votado pelos deputados em maio do ano passado. Na ocasião, a proposta foi aprovada por 273 votos a favor e 150 contrários. Apesar do aval dos deputados, o processo não foi concluído porque faltava a análise de destaques e emendas apresentados pelos parlamentares. Havia a expectativa de que essa análise fosse feita com brevidade, mas isso acabou ficando para a última quarta-feira (20), pouco menos de um ano após a votação inicial. E como todas as emendas foram rejeitadas, não houve nenhuma alteração no texto em relação ao que foi votado em maio de 2018.

Como votou Bolsonaro?

A votação do ano passado proporcionou algumas “alianças” inusitadas, com deputados de correntes ideológicas distintas e adversários declarados votando do mesmo jeito, e aliados se posicionando de maneira contrária.

Em seu último ano como deputado, o atual presidente Jair Bolsonaro votou contra o projeto de lei, assim como seu filho Eduardo (PSL-SP) - votaram da mesma forma a deputada Maria do Rosário (PT-RS), o líder do PSOL, Ivan Valente (SP) e o deputado Tiririca (PR-SP). Já nenhum dos atuais ministros do governo Bolsonaro que eram deputados em 2018 foram contrários à medida: Onyx Lorenzoni (DEM-RS), Tereza Cristina (DEM-MS), Osmar Terra (MDB-RS) e Mandetta (DEM-MS) votaram a favor, e Marcelo Alvaro Antônio (PSL-MG) se absteve.

A aprovação do cadastro positivo compulsório figurou também no conjunto de 15 medidas que o governo do ex-presidente Michel Temer apresentou em fevereiro do ano passado como alternativa à reforma da previdência.

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