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O astronauta Marcos Pontes vai assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia no governo de Jair Bolsonaro. | Wilson Dias/ Agência Brasil
O astronauta Marcos Pontes vai assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia no governo de Jair Bolsonaro.| Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil

O astronauta Marcos Pontes vai assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia num momento em que o cenário de produção e pesquisa científica no Brasil dá sinais de debilidade. A causa nem é nova. É a velha e conhecida falta de recursos. A grita é geral não só nas instituições vinculadas à pasta de Pontes, como a importante Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep, mas também em órgãos de inovação ligados aos ministérios da Educação e da Saúde.

Há um consenso entre os cientistas, por outro lado, que o sistema de ciência e tecnologia no Brasil vai bem no aspecto recursos humanos. Não falta mão de obra, mas dinheiro para condições de trabalho e descobertas. Com o novo governo, o mundo científico sonha com mais dinheiro. No momento, o país investe apenas 1,3% do PIB em inovações científicas. A reivindicação é de atingir 2%. Mas, com Jair Bolsonaro na Presidência da República e o astronauta na pasta, sonham com 3%, padrão de primeiro mundo. 

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O analista Fernando Nielander Ribeiro, um dos diretores da Finep, diz que o sistema é robusto e tem uma trajetória de sucesso. O auge, se assim pode se dizer, chegou em 2013 e sobreviveu bem até 2015, com volume de recursos considerável. Mas depois só fez cair. 

"Olhando até 2014 e 2015, a trajetória é de sucesso. A Finep tem muitos exemplos de quanto contribui para o desenvolvimento do país com grandes projetos de engenharia, de parques tecnológicos, núcleos de inovação, apoio a empresas. São 40 mil os projetos financiados pela Finep. O aumento de alunos titulados. O quanto a pesquisa contribui na área de saúde, como zika, Alzheimer, malária... Olha o sucesso de inovação no agronegócio", disse Ribeiro, que fala em crise no setor de inovação. 

"Os investimentos foram expressivos, mas não suficientes. Em termos de financiamento, estamos numa montanha russa, mas para baixo. Há uma crise que ronda nosso sistema. Avançamos para o 13º lugar no ranking de inovação de publicação. Melhoramos um pouco, mas é muito pouco. Os países que servem como referência avançaram em velocidade superior à nossa", explica.

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O Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, arrecadou R$ 4 bilhões, mas as entidades acessaram menos da metade. "É uma escolha política. Os Estados Unidos investem US$ 70 bilhões em pesquisa e a China, US$ 300 bilhões", complementa Ribeiro. 

Brasil é o 13º na produção científica

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso para a Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, tem conversado com Marcos Pontes e está otimista. Ele e outros cientistas e dirigentes de institutos e órgãos de pesquisa do governo estão circulando nos gabinetes de deputados nesses dias de definição de orçamento para 2019. "Nossa preocupação é não ter descontinuidade, num sistema já combalido por essa crise". 

Moreira disse que é preciso também renovar a força de trabalho nas instituições públicas, que está envelhecida e se aposentando. Ele falou da dificuldade de dar mais retorno ao dinheiro público investido nas pesquisas. Diz que melhorou a produção, mas que há problemas de benefícios sociais para populações mais pobres. "É preciso compartilhar esse conhecimento". 

A SBPC reúne 142 entidades científicas. Muitas não conseguem ir até Brasília para brigar por mais recursos. "Temos esse problema de nos mover até aqui. É importante lutar pela ciência. O capítulo da ciência e tecnologia na Constituição foi feito por nós. O Brasil atingiu o 13º lugar na produção científica, mas os últimos dados acenam que estamos piorando. Vamos perder posição se a crise persistir”, afirma Moreira. 

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O orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia do ano que vem aumentou R$ 2,4 bilhões, mas não se voltou para investimento. Parte disso, R$ 1,3 bilhão, é para inversão de Telebras e Correios. Outra parte, do fundo setorial, de R$ 1 bilhão, mas foi congelado. “Subiu o orçamento desse ano formalmente, mas para ciência de fato o investimento não aumentou nada. Tem uma reserva contingenciada de R$ 5,2 bilhões. É absurdo.” 

Algumas instituições conseguem, nas palavras de Moreira, manter a água na altura do nariz. Caso da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), vinculado ao Ministério da Educação. "Comparação internacional é melhor nem mostrar. Dá desânimo. O Brasil tem 1,2% do PIB. Países da Europa têm 3%. A área de ciência e tecnologia está profundamente atingida". 

Bolsonaro enviou cartas a entidades e foi pedido prioridade para essa área. Foi discutido destinação entre R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões ao longo do mandato para investimento global. "É ousada e factível. E 3% do PIB ao longo do mandato a ser atingido. O mantra da comunidade científica é chegar a 2%. E encampamos os 3%. O novo governo acenou nessa direção. E começa agora no orçamento porque no mandato será difícil cumprir os compromissos. Estamos dialogando com o ministro Marcos Pontes. 

Não faltam pesquisadores: são 278 mil mestrandos e doutorandos

Responsável pelo sistema nacional de pós-graduação, a Capes é tido como o berço da ciência e tecnologia nacional. Ali se formam os pesquisadores, cientistas, doutores e mestres que irão compor os quadros que farão pesquisa no país. "Além de ser um patrimônio nacional, criado em 1951, é extremamente qualificado, baseado exclusivamente no mérito. É um sistema sólido e qualificado", diz o presidente substituto da Capes, Geraldo Nunes. 

O Brasil tem hoje mais de 6 mil cursos de pós-graduação, com selo de qualidade da Capes. São cerca de 278 mil estudantes de pós, entre mestrandos e doutorandos. A Capes responde por 33% das bolsas desse sistema. As outras ficam sob responsabilidade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao ministério do astronauta Pontes, a agências estaduais e fundações de amparo a pesquisa no país. Mas apesar desse cartel, Geraldo Nunes diz que o sistema está desequilibrado. 

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Do total de financiamento da Capes, 77% vão para o pagamento das bolsas e apenas 9% para o custeio, essencial para a formação dos cientistas. Faltam recursos para laboratórios. "O sistema é robusto, sólido, qualificado. Os 33% é volume considerável, são mais de 91 mil bolsistas beneficiados. Mas há esse desequilíbrio que precisa ser resolvido. Maior investimento no custeio e capital". 

Nunes explica que o portal de periódicos representa 14% do investimento. O portal é a base da informação para acessar o que tem sido feito em pesquisas no mundo inteiro, as atuais publicações. É uma ferramenta indispensável para formação de recursos humanos de alto nível. 

O MEC destinou para bolsas nos últimos dois anos cerca de R$ 2,3 bilhões. "Temos êxito em manter investimento em bolsas. Nessas crise fiscal, não é pouca coisa. Tivemos o apoio do ex-ministro Mendonça Filha (da Educação) nesse período". 

Fiocruz, uma ilha de excelência que não está imune à crise

Outro polo de excelência no país, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ligada ao Ministério da Saúde, é responsável por desenvolvimento de vacinas, medicamentos, terapias. Tem mais de dez programas de pós-graduação e 300 doutores e 1,5 mil mestres. A fundação é uma grande usuária do BNDES, da Capes e do CNPq. Estar vinculada à pasta da Saúde a protegeu, mas não impediu de ser atingida pela crise. 

Mário Santos Moreira, vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz, conta que a instituição consegue produzir recursos próprios com duas grandes fábricas, uma de medicamentos e outra de produção de biofármacos e vacinas. Gera uma receia de R$ 2,7 bilhões. Daí saem os recursos para atividade de inovação. Mas tem os problemas. 

"Esse sistema começa a dar sinais de fadiga quanto à infraestrutura. A atividade científica requer infra adequada, atualizada e os custos de manutenção são elevadíssimos. O programa de investimento está congelado", diz. 

O dirigente da Fiocruz afirma que a fundação lançou um programa ousado há dez anos de compra agressiva garantindo mercado e preço aos laboratórios públicos brasileiros, desde que se associe a empresas nacionais e internacionais. Mas tem seu lado ruim. 

"Essa política garante financiamento mais adequado, mas também expõe nosso sistema. Mais de 90% das parcerias feitas nessa política do desenvolvimento se baseiam em tecnologia do exterior. Raras são as que se baseiam em projetos nacionais, que levem produtos desenvolvidos no Brasil. Acontece essa debilidade do nosso sistema, que não apresenta soluções para o atendimento nacional".

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