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Banco Central é o guardião da meta de inflação e algumas vezes, para resguardar o poder de compra da moeda, sua atuação vem com remédios amargos, como a escalada de juros. | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Banco Central é o guardião da meta de inflação e algumas vezes, para resguardar o poder de compra da moeda, sua atuação vem com remédios amargos, como a escalada de juros.| Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo

Banco Central autônomo. A defesa desse projeto permeou o debate eleitoral, com mais de uma candidatura se posicionando favoravelmente, e agora caberá a Jair Bolsonaro deixar o projeto seguir no Congresso. A proposta parece distante do cidadão comum, mas está no caminho de reformas e propostas alinhadas com o liberalismo pregado pelo presidente eleito. E ainda pode ser uma das chaves para a retomada do crescimento econômico, com reflexos na inflação e nos juros bancários. 

Há pelo menos uma década tramitam no Congresso projetos para tornar o BC um órgão não subordinado a qualquer ministro e, em tese, blindado contra interferências políticas. Não seria um órgão totalmente independente, tendo como papel principal fazer cumprir a política econômica do governo. Mas, com a autonomia, o presidente do BC e os diretores supostamente estariam menos suscetíveis a influências políticas, o que traria maior segurança institucional para o ambiente financeiro e econômico.

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“Isso dá uma segurança para todo o sistema econômico, seja mercado financeiro, seja a economia do país. Dá segurança de que a política monetária vai ser conduzida sem maiores influências políticas”, avalia Jordan Alisson Pereira, presidente do Sindicato dos Funcionários do Banco Central (Sinal). 

Poder de compra preservado

O BC é o guardião da meta de inflação e algumas vezes, para resguardar o poder de compra da moeda, sua atuação vem com remédios amargos, como a escalada de juros. Mais juros significam crédito mais caro na economia, uma medida que dificulta investimentos, por exemplo, e desagrada aqueles que querem estimular a economia.

Um exemplo dessa dualidade entre o que cabe ao BC fazer e pode conflitar com o que o governante do momento quer foi a atuação do órgão no governo Dilma Rousseff. Mesmo com uma inflação que ensaiava acelerar (os preços de energia disparavam como reflexo do clima seco, entre outros problemas), Dilma queria estimular a economia, com crédito mais barato ao consumidor. Na época, a presidente teria influenciado o então presidente do BC a reduzir os juros. 

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A principal mudança que o projeto de autonomia do BC traz é a impossibilidade de se trocar, quando um novo presidente da República assume, a diretoria da autoridade monetária. O projeto que está no Congresso define que eles terão mandato de quatro anos, não coincidentes com o do presidente da República. 

Aumento da confiança

Sem a possibilidade de trocas meramente políticas do comando do BC, as expectativas econômicas sobre a manutenção da inflação dentro dos níveis esperados e mesmo das taxas de juros ficam mais “controladas”, reduzindo as incertezas que estão embutidas nos cálculos dos agentes da economia, como uma empresa que pensa em trazer investimentos ao país ou mesmo um comerciante. 

“Se o empresário e o banco não colocam esse componente de risco em suas ações, seja uma taxa de juros, seja o empresário definindo sua política comercial, isso se reflete para a população num ambiente mais tranquilo, e com menores custos”, pontua Pereira. 

A autonomia traria mais credibilidade à economia brasileira, avalia o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Simão Silber. Mas ainda caberá ao Poder Executivo fazer um importante trabalho para fazer a economia crescer, mantendo as contas públicas em dia. 

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“O governo tem de ter juízo, com algum tipo de ajuste fiscal. O Banco Central do jeito que está ou independente, sozinho, não resolve problema nenhum. Ele tem como grande coadjuvante ou limitador de sua ação a consistência da política fiscal. O governo não tem a capacidade de se endividar infinitamente. Por melhor que for a política monetária, se não tiver política fiscal, sozinho não dá”, avalia Silber. 

Ao dar autonomia à autoridade monetária, o governo eleito também mostra consistência nos rumos que quer dar para a condução das políticas de Estado, que são mais duradouras do que as decisões de um governo. “Nós estamos num Estado democrático de Direito. O governo é de momento. Se for política de Estado, isso mostra que o Banco Central é sério, que o país quer ter o poder de compra preservado. Isso dá grande credibilidade”, diz Silber. 

Como está a tramitação no Congresso

A autonomia do BC tem apoio do atual governo de Michel Temer e fez parte da pauta de prioridades econômicas apresentadas no começo de 2018. O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, também se posicionou favoravelmente ao projeto e teria ajudado a defender junto a parlamentares sua importância. 

O projeto que está mais avançado no Congresso ainda depende de vontade política para seguir tramitando, tendo ainda de ser aprovado tanto no plenário da Câmara como do Senado. O relator do projeto, deputado Celso Maldaner (MDB-SC) já tem o relatório pronto e aguarda que a votação seja pautada para apresentá-lo. Isso dependerá de vontade política e da barganha no Congresso, em fim de mandato. 

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Pelo relatório prévio de Maldaner, que circula entre interlocutores a par do assunto, será colocado em lei que o “a autoridade monetária goza de autonomia operacional e técnica para cumprir as metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN)”. 

Hoje, na prática, esse já é o papel do BC e de seus dirigentes: atuar com medidas como a elevação ou redução da meta de juros básicos da economia, a Selic (que está em 6,5% ao ano), em reuniões a cada 45 dias. Essa é apenas uma das medidas que o BC pode tomar para conseguir controlar a inflação dentro do parâmetro definido pela equipe econômica do governo federal. 

Apesar de definir mandatos de quatro anos, o relator prevê a possibilidade de demissão de diretores e do presidente. Em seu relatório prévio, consta que o presidente da República poderá demiti-los em caso de “recorrente desempenho insuficiente para alcance dos objetivos do Banco Central” ou “em caso de prática de infração funcional grave”. 

Autonomia não tira papel do Poder Executivo 

Ao dar autonomia ao BC, o poder do Executivo não se reduz. A definição da política econômica segue sendo feita pelo presidente e por seus representantes nos ministérios econômicos. A definição da meta de inflação, que terá de ser perseguida pelo BC, continuará sendo feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos ministros das áreas econômicas. 

“Se já tivéssemos essa lei, o Bolsonaro não poderia mexer com o Ilan em 1º de janeiro. Ele poderia indicar outro nome apenas em 2020 para ser aprovado em 2021, e quem aprovaria seria o Senado. Nem um superministro como o Paulo Guedes poderia. Obviamente esse pessoal vai ficar conversando. Mas tira essa faca do pescoço da diretoria do BC”, afirmou Silber. 

Apesar da proximidade que seguirá existindo entre o presidente do BC e o ministro da Economia, neste momento, quando o governo Jair Bolsonaro redesenha a Esplanada dos Ministérios e consolida em uma única pasta os principais ministérios econômicos (Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio), a autonomia do Banco Central pode ser uma sinalização importante ao mercado de redução dos riscos de centralização ainda maior das decisões econômicas. 

“Quando se define uma meta de inflação, se tem viés político. Mas, na perseguição dessa meta, você sabe que não vai passar disso. O BC não vai ter ingerência de não fazer seu trabalho, caso isso trouxesse consequências para outra ação do governo. Se tem mais liberdade para atuar. Com isso, as expectativas são mais controladas e o mercado não embute essas incertezas nos cálculos dos agentes do mercado, que sabe que não vai ter sobressaltos”, pondera Pereira.

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