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Bolsonaro promete abrir a caixa-preta do BNDES, mas ela já começou a ser esvaziada no governo Temer | Leo Pinheiro/Valor/Arquivo Gazeta do Povo
Bolsonaro promete abrir a caixa-preta do BNDES, mas ela já começou a ser esvaziada no governo Temer| Foto: Leo Pinheiro/Valor/Arquivo Gazeta do Povo

Uma caixa-preta, com dados sigilosos e que não permite à sociedade avaliar a eficácia dos empréstimos concedidos. Assim é visto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que promete jogar luz nas informações de todas as operações feitas pelo banco. Mas antes mesmo de o capitão da reserva iniciar seu governo, a estatal está reformulando seu site e colocando à disposição mais dados das operações de crédito para tentar ser mais transparente e superar a má fama alcançada nos anos de governo do PT. 

Quando o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy assumir a presidência do BNDES no ano que vem, as informações já estarão mais transparentes, um processo de mudança que começou em 2016 e continua até agora, com a reformulação do site. Isso é visto pelo corpo de funcionários do banco como uma forma de tentar virar a página e iniciar uma nova história para a entidade. A estatal ficou marcada como uma das peças da engrenagem de suporte a empresários e empreiteiras investigados em escândalos de corrupção, entre eles Joesley Batista, da JBS.

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Novo site

Em uma parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU), o BNDES inaugurou na terça-feira (27) um site novo, que promete trazer as informações das operações financeiras de forma clara e com fácil acesso. Mas, na prática, a maior parte das informações já está disponível no site do banco desde 2016. Antes, havia sigilo de dados como taxa de juros do financiamento e o saldo das operações de crédito, mas, por pressão do próprio TCU e de parlamentares, o banco já vinha mudando essa postura.

Esse novo site, porém, ainda vai manter sigilosas informações estratégicas dos projetos financiados (como dados comerciais ou de engenharia dos projetos), a situação de pagamento do empréstimo (se em dia ou inadimplente) e ainda o enquadramento que o BNDES deu àquele empréstimo em sua carteira (o “rating”, ou a nota que aquele tomador do empréstimo tem quando ao seu risco de não arcar com o compromisso). 

“O banco está passando por um processo de evolução no seu grau de transparência. Esse adjetivo [de caixa-preta] que foi dado ao banco responde a um passado onde de fato havia uma percepção social, em alguns casos até excessiva, mas em outros não, em outros real, de que o banco não tinha esse nível de transparência. O nosso esforço agora de comunicação é divulgar para a sociedade que isso é uma página virada”, afirmou o diretor de Compliance do BNDES, Marcelo de Siqueira Freitas, à Gazeta do Povo. 

BNDES tem um passado marcado pela falta de transparência

Mas nem sempre se viu no BNDES essa disposição. Até mesmo para os órgãos de controle o BNDES chegou a negar o compartilhamento de dados. Em 2014, quando o TCU iniciou a auditoria sobre o caso JBS, o BNDES entrou com questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), tentando manter em sigilo parte dos dados solicitados. Porém, o STF avaliou que não há sigilo de dados do BNDES perante o TCU, obrigando o banco a disponibilizar os dados ao tribunal, no começo de 2016. 

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Mesmo assim, ainda estão em andamento processos de auditoria sobre as operações do BNDES iniciadas pelo TCU em 2014. O ministro relator dos casos, Augusto Sherman, já se manifestou publicamente criticando autoridades do próprio TCU, que teriam remanejado auditores que trabalhavam nos processos do BNDES, atrasando o encerramento dos trabalhos. Procurado pela Gazeta do Povo, o TCU não respondeu até a publicação desta reportagem. 

O diretor do BNDES afirma que hoje as autoridades do TCU têm relatado que não há mais problemas de apresentação de dados pelo banco. A aproximação do tribunal e da estatal aconteceu no primeiro semestre deste ano e teve como resultado a reformulação do site, feita em parceria pelas duas instituições.

Nova taxa de juros do BNDES também tornou o processo mais transparente

Outra mudança para esvaziar – ou para parar de encher - a caixa-preta do BNDES foi a mudança na taxa de juros. Durante a gestão de Michel Temer, o Congresso aprovou no fim de 2017 uma nova taxa de juros de longo prazo na economia. A nova taxa, chamada de TLP, segue a variação do mercado financeiro e se equipara aos juros dos títulos públicos. Ela substitui a antiga taxa utilizada pelo BNDES em seus empréstimos, a TJLP, que era definida em uma canetada dos ministros da área econômica a cada trimestre e inferior ao custo dos títulos do Tesouro. 

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Ou seja, quando o BNDES emprestava dinheiro, usava taxas abaixo do custo de mercado, concedendo um benefício aos empresários tomadores de crédito com o banco. Hoje, o BNDES tem de competir com outros bancos para atrair clientes que queiram pegar empréstimos. Agora, sem o subsídio, a fila de interessados em empréstimos está vazia. 

Como o BNDES se tornou uma caixa-preta?

O BNDES recebeu em aportes do Tesouro Nacional quase R$ 700 bilhões, de 2009 a 2018. Desse total, R$ 391 bilhões já foram devolvidos desde 2016. Outros R$ 92,4 bilhões compõem a carteira da BNDESPAR. Esse é o braço de participações em investimentos do banco, que compra ações e se torna sócio das empresas, também como forma de fomentar investimentos. 

Com os recursos emprestados pelo Tesouro Nacional ao banco, havia ordem política para a definição da estratégia a ser seguida pelo banco em suas operações. Uma delas, por exemplo, foi o estímulo à internacionalização de empresas brasileiras, caso da JBS, com juros mais baixos que os de mercado.

A política desenvolvimentista empreendida pelos governo do PT tinha como premissa fazer a economia girar com ajuda das empresas públicas, principalmente do BNDES, dando empréstimos a taxas subsidiadas. Por exemplo, se estava nos planos do governo construir uma grande hidrelétrica, o financiamento às empreiteiras que participassem do negócio seria dado pelos bancos públicos, entre eles o BNDES, com juros menores do que os praticados em bancos privados. Se necessário, o BNDES também adquiria ações dessas empresas.

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“O banco funciona, sim, como um braço de operação do Estado. E o Estado representa em cada governo aquelas políticas que o eleitor entendeu que são as mais adequadas para aquele período. Desse ponto de vista, se isso é feito com transparência e com os instrumentos legais adequados, é legítimo”, afirma o diretor do BNDES Marcelo de Siqueira Freitas. 

Questionado se as informações concorrenciais ou de estratégia comercial dos tomadores de crédito do BNDES deveriam ser disponibilizadas à sociedade, por se tratarem de recursos públicos, Siqueira defende que nunca houve tal pedido ao banco.  “Nunca ninguém solicitou isso ao BNDES. O debate nunca chegou a esse ponto. O banco nunca foi demandado. Há total transparência. Dizemos que vamos dar o recurso para construção de uma máquina. A legislação não deixa eu divulgar os dados de propriedade intelectual, por exemplo. Se mudar a lei, o banco divulga”, disse Freitas. 

Ajuda às empreiteiras em países amigos 

O BNDES também foi a ferramenta utilizada pelo governo para ajudar a reduzir os riscos das empreiteiras em obras no exterior. De 2005 a 2014, R$ 50,54 bilhões foram emprestados pelo BNDES em 140 operações para as empreiteiras brasileiras construírem projetos de infraestrutura em 12 países: Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, Moçambique, República Dominicana, Peru e Venezuela, segundo apuração do Tribunal de Contas da União (TCU). 

Nesses contratos, as empreiteiras brasileiras eram financiadas pelo BNDES. De acordo com o TCU, cinco construtoras nacionais receberam 99% dos financiamentos do tipo, sendo 81,8% ao Grupo Odebrecht, Andrade Gutierrez com 9,6%, Queiroz Galvão com 5%, Camargo Correa com 1,6% e OAS com 1%. 

Foram construídos com financiamento do BNDES o Porto de Mariel, em Cuba, e o estaleiro de Astialba, na Venezuela, duas obras questionadas pelo TCU. “Além de se tratar de financiamento de elevado valor, o percentual de itens exportados, em valor, é bastante significativo frente ao valor total da obra informado, o que aponta necessidade de uma análise mais acurada sobre a lista de itens exportados, seus valores, e sua representatividade no conjunto da obra”, afirma o tribunal sobre o porto cubano.

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Nesse período, impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo determinou que fossem mantidos em sigilo as informações das operações de crédito. Estava criada a caixa-preta. 

“No passado, as operações de exportações de serviço não podiam ser publicizadas. E isso não foi opção do BNDES. Em vários desses momentos em que o nível de transparência do banco foi questionado, o banco estava cumprindo uma determinação do ministério supervisor (ao qual o BNDES está vinculado). Não foi decisão autônoma”, afirmou o diretor do BNDES. 

BNDES deixa herança de dívida para o brasileiro pagar

As operações do BNDES com dinheiro do Tesouro causaram um passivo que o Brasil ainda terá de pagar por algum tempo. Para obter os recursos, o Tesouro emitiu títulos e prometeu remunerar os investidores pela taxa básica de juros aos investidores (a Selic, que chegou a 14,25% ao ano em 2015, durante o governo Dilma Rousseff), aumentando a dívida bruta do país.

Segundo a CPI do BNDES, encerrada em 2016, títulos emitidos para financiar as operações do BNDES correspondiam a 1,47% do total da dívida em junho de 2009. Em dezembro de 2014, 25,32% da dívida pública era composta de títulos emitidos para financiar as operações do BNDES. 

Além disso, o Tesouro ainda tinha de complementar a diferença entre a taxa que pagava para quem comprava títulos da dívida pública e a taxa praticada pelo BNDES nos financiamentos subsidiados. Segundo a CPI do BNDES, nessas linhas de crédito, o custo total ao tomador final em média, foi de 5,2% ao ano. A diferença entre o custo do Tesouro para pagar pela captação dos recursos e o retorno dos empréstimos foi coberto pelo dinheiro do contribuinte brasileiro, deixando de ser usado em serviços públicos e investimentos. 

Os funcionários do BNDES afirmam que as operações de crédito ou de compra de ações passavam por análises pormenorizadas, o que não justifica dizer que possa ter algo escondido. “Em relação ao ‘sigilo bancário’, o BNDES cumpre normas previstas em lei”, afirma a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES), em nota. “O BNDES divulga suas operações de forma ampla e transparente, sem paralelo com qualquer outro banco. Estão disponíveis no portal institucional informações sobre cliente, valor da operação, projeto apoiado, taxa de juros, prazos e garantias”, completa.

Os funcionários também afirmam prestar contas aos órgãos de controle e que mesmo em investigações que vem sendo realizadas há quadro anos, como as três CPIs no Congresso Nacional, além da operação Lava Jato e da operação Bullish, “não há nenhuma evidência que comprometa a atuação dos empregados do BNDES em qualquer esquema de corrupção”.

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