Mesmo que o país supere a recessão neste ano e cresça de 2% a 2,5% nos próximos, conforme esperam economistas de bancos e consultorias, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2011 e 2020 será o pior para uma década desde o início do século passado, pelo menos.
E o resultado do PIB per capita, que relaciona a geração de riquezas com o tamanho da população, será apenas um pouco melhor que o dos anos 1980, que ficaram conhecidos como “década perdida” graças à combinação de crise da dívida externa, moratória, hiperinflação e uma sequência de planos econômicos fracassados.
A mediana das projeções do mercado financeiro compiladas pelo boletim Focus, do Banco Central, aponta para crescimento econômico de apenas 9,4% no acumulado da década. Se consideradas as projeções do FMI para os próximos anos, um pouco mais pessimistas, o avanço acumulado de 2011 a 2020 será de 7,6%. Nos dois casos, uma expansão menor que a registrada entre 1981 e 1990, quando a economia cresceu 16,9%.
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Na década de 1980, no entanto, o baixo crescimento teve impacto mais forte sobre a renda média, por causa do rápido aumento da população. O bolo da economia cresceu, mas na divisão pelo número de habitantes cada fatia encolheu 4,2% ao longo daqueles dez anos. Nesta segunda década do século 21, a tendência é de que o PIB per capita termine mais ou menos no nível em que começou, com aumento ou retração de aproximadamente 1%, a julgar pelas atuais expectativas para o PIB do boletim Focus e do FMI e as projeções do IBGE para a população.
Além dos números ruins, as duas décadas têm outra semelhança: representam uma espécie de ressaca após os excessos cometidos nos tempos de prosperidade que as antecederam. Mas, embora se pareçam em alguns aspectos, as décadas felizes obviamente não são iguais. E as infelizes o são cada uma à sua maneira.
Milagre desfeito
O “milagre econômico” promovido pelos militares nos anos 1970, quando o país investiu pesado em infraestrutura de energia e transportes e umas tantas obras faraônicas, foi financiado por empréstimos tomados no exterior. Havia dinheiro de sobra no mercado financeiro internacional e os juros, flutuantes, estavam baixos. A economia cresceu acima de 10% por quatro anos seguidos e, no acumulado da década, o PIB mais que dobrou. Foi o período de maior crescimento econômico da história da República.
O refluxo apareceu após o segundo choque do petróleo, em 1979. As despesas com importação do combustível mais que dobraram em poucos anos, esgotando boa parte dos dólares que serviriam para pagar os juros dos empréstimos internacionais, que praticamente triplicaram. Em 1983, o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, promoveu uma maxidesvalorização de 30% do câmbio para tentar equilibrar o balanço de pagamentos.
O próprio Delfim havia promovido uma “máxi” do mesmo tamanho no fim de 1979, buscando realimentar um crescimento econômico que já perdia força. Ele tinha a experiência de quem implementou as medidas expansionistas que aceleraram a economia a partir do fim dos anos 1960. Mas não deu certo desta vez. Depois de encolher 4,25% em 1981 e crescer 0,83% no ano seguinte, o PIB caiu mais 2,93% em 1983. A inflação, que já vinha subindo nos anos 1970, ganhou velocidade com uma política mais generosa de reajustes salariais e a disparada dos combustíveis.
Na volta dos civis à presidência, José Sarney emendou congelamentos e outras excentricidades que ajudaram a segurar os preços por semanas ou meses mas fracassaram em seguida. O que era inflação virou hiperinflação. E em 1987 o país avisou que não pagaria mais a dívida externa. Para fechar a década, Fernando Collor confiscou a poupança logo no início de 1990. Não precisava mais nada.
Obsessão e ruína
A recessão da vez é fruto do descontrole dos gastos públicos, cuja semente foi plantada durante o “boom” econômico dos anos 2000. Herdeiro de um modelo econômico construído na gestão de Fernando Henrique Cardoso, o governo Lula começou com austeridade fiscal e depois soube aproveitar os efeitos benéficos do ciclo das commodities para promover crescimento com distribuição de renda e expansão do crédito e do consumo.
Sustentado pelo aumento da arrecadação, o governo ampliou gastos sociais e despesas obrigatórias. A eclosão da crise financeira internacional de 2008/09 estimulou novas aventuras na política fiscal, com a concessão de centenas de bilhões de reais em empréstimos com juros subsidiados pelo Tesouro e reduções de impostos para uma infinidade de setores.
Mesmo cantando vitória sobre a crise, o governo não conteve as benesses. Com Dilma Rousseff, a obsessão pelo crescimento a todo custo chegou a um novo patamar. O governo continuou elevando gastos e abrindo mão de receitas, a ponto de precisar maquiar suas finanças para fingir compromisso com uma trajetória mais ou menos sustentável da dívida pública.
A erosão da confiança arrastou consigo a atividade econômica. A dívida disparou. O governo hoje tenta segurar seus gastos, mas quase só consegue cortar investimentos. E a arrecadação não reage, prolongando os efeitos recessivos do ajuste.
“Em nenhum momento o Brasil parou para montar um quadro institucional jurídico, econômico, administrativo e de governança que lhe permitam ter objetivos de longo prazo. Por isso vivemos de ciclotimias, de décadas ganhas e décadas perdidas. Era preferível crescer 1% ou 2% ao ano de forma mais estável e construir um país do que viver de ganhos monstruosos seguidos de perdas monstruosas”, diz Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) e professor da FGV Management.
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