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| Foto: Fernando Souza/AFP

A ditadura militar se encerrou em 1985, mas os efeitos dela ainda permanecem na política brasileira atual. Vide os milhares de processos em trâmite na Comissão de Anistia, que visam conceder compensações financeiras a perseguidos pelo regime. São casos como o da ex-presidente Dilma Rousseff, que pede indenização pela prisão e torturas sofridas na década de 1970.

Membros do governo Jair Bolsonaro e do PSL, o partido do presidente, que é defensor do regime militar, têm anunciado o interesse em fiscalizar ou mesmo restringir as compensações financeiras pagas com dinheiro público a vítimas da ditadura. Entre 1995 e 2017, um total de R$ 13,4 bilhões foi repassado a anistiados políticos.

O pedido de Dilma é pelo pagamento de R$ 10,7 mil mensais. A requisição está na mesa da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, a quem a Comissão de Anistia agora está subordinada. Entrevistada pela revista Época, a ministra sinalizou que deve negar o pleito da petista.

Para Damares, o fato de Dilma já ter sido indenizada por três estados em que sofreu tortura (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) indica que a reparação financeira que cabia à ex-presidente já foi dada. A ministra pretende tornar públicos os valores das indenizações pagas a todas as pessoas anistiadas pelo governo.

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Ainda que Damares negue que sua futura decisão sobre o caso tenha motivação política, as declarações da ministra indicam um novo tempo na compensação do poder público às pessoas afetadas pelo regime militar.

Outra demonstração disso veio de uma negativa ao pedido da ex-deputada estadual Inês Pandeló (PT-RJ), que também requeria anistia por eventos ocorridos durante o regime militar. O pedido foi negado na última sexta-feira (1º) e a rejeição tornou-se pública após divulgação da decisão do Diário Oficial na terça-feira (5).

O governo Bolsonaro também decidiu acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) para evitar o pagamento de indenizações concedidas pela Comissão de Anistia a ex-militares da Força Aérea Brasileira (FAB), que somam R$ 7,4 bilhões. É a primeira medida concreta do governo para acabar com o que considera ser uma farra na concessão da ‘bolsa-anistia’.

Pedidos de CPI e por mais fiscalização

No Congresso, correligionários de Bolsonaro apresentaram dois projetos que enfocam, entre outros temas, as indenizações pagas a anistiados políticos.

A proposta da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) é pela criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que vigorou entre 2011 e 2014, durante o primeiro mandato da ex-presidente Dilma. O grupo tinha como objetivo apurar violações aos direitos humanos cometidos por agentes de estado no período entre 1946 e 1988, mas seu foco principal esteve na época da ditadura militar, iniciada em 1964 e concluída em 1985.

O requerimento para a criação da CPI apresentado pela deputada alega que “o Relatório da CNV não teve credibilidade, pois investigou apenas um dos lados do violento conflito onde ambos cometeram violações aos DH [Direitos Humanos]. Ao não esclarecer quase nada além do que já constava em dezenas de livros, particularmente da esquerda socialista, fez um relatório faccioso, responsabilizando autoridades desde os mais altos escalões, a fim de se auto promover e tentar justificar dois anos de grandes despesas ao tesouro”.

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Já uma proposta apresentada pelo deputado Márcio Labre (PSL-RJ) pretende determinar que o Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalize as indenizações que são pagas atualmente aos anistiados, para a detecção de eventuais fraudes. Benefícios irregulares, pela proposta do parlamentar, serão suspensos ou mesmo extintos.

“Estamos num processo, hoje, de reforma do Estado e de revisão de uma série de despesas e desembolsos que estão contribuindo para um déficit fiscal perigoso e problemático. O custo com essas pensões é de R$ 1,5 bilhão por ano. E estamos com sérios indícios de que boa parte desses benefícios foram concedidos sob critérios extremamente subjetivos. Critérios em que não se consegue identificar de que maneira foi precificado o valor estabelecido, o porquê que pessoas A, B ou C recebem R$ 12 mil ou 15 mil. Por isso queremos que o Tribunal de Contas faça esse levantamento, para verificar o que é de fato uma pensão justa e o que é, de fato, um processo fraudulento ou de amigos ligados à Comissão da Verdade ou aos partidos que estavam no poder”, afirmou o parlamentar.

Pode ser

Tanto Zambelli quanto Labre enfatizam que não são, a priori, contra o pagamento de pensões a pessoas que tiveram os direitos humanos violados por agentes do Estado.

“Onde o Estado, de fato, violou os direitos humanos, o Estado tem que arcar com isso, tem que garantir que a pessoa seja ressarcida”, afirmou o deputado do Rio de Janeiro. Segundo o parlamentar, pagamentos de indenizações a pessoas vítimas de violência policial ou presas injustamente são feitos com frequência no país, mas com cifras inferiores aos compensados pela ditadura. “Não há um critério claro para precificar que tipo de indenização deve ser paga, e em qual valor”, declarou.

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Zambelli levanta uma questão frequentemente destacada por integrantes da direita, a de que as indenizações pagas a vítimas de crimes políticos não contemplam quem estava “do outro lado” à época dos conflitos no regime militar.

“As indenizações podem ser pertinentes em alguns casos, sim. Assim como é pertinente o pagamento de indenizações a militares que quase foram mortos pela Dilma e outros terroristas da esquerda”, declarou a deputada paulista.

“Absurdo”

A ideia de revisão de benefícios pagos a vítimas da ditadura é fortemente contestada pela psicóloga Cecília Coimbra, integrante do movimento Tortura Nunca Mais, fundado em 1985 para debater violações de direitos humanos e relembrar os efeitos do regime implantado em 1964.

“Isso é um absurdo, um abuso. Não só em memória dos que não estão mais vivos, e que morreram em função das torturas, mas também para os que estão vivos e que se tornaram ‘zumbis’. Eu fui presa e torturada. Quem esteve nos porões da ditadura sabe o inferno que foi aquilo ali. E eu acho que ninguém em sã consciência diria que foi torturado se aquilo realmente não tivesse acontecido”, declarou.

A psicóloga afirma existir um “mito” de que todas as pessoas vitimadas pela ditadura receberam compensações financeiras. “Há que se desfazer essa balela de que todo mundo foi anistiado. Não foi. Muita gente não foi anistiada. E todos aqueles que foram anistiados o foram em função de crimes vis que foram cometidos contra eles”, disse.

Dilma se manifesta

Em nota divulgada na terça-feira (5), a ex-presidente Dilma Rousseff disse que a reação de integrantes do governo a pedidos de indenização mostra “grande vilania e desprezo pelos fatos”.

“Tais figuras não concordam é com o ato político de indenizar as vítimas porque isso significaria reconhecer o profundo e explícito repúdio à iníqua e covarde violência praticada pelo poder ditatorial contra uma pessoa indefesa”, aponta também o texto.

A petista ainda destacou na nota que o seu processo na Comissão de Anistia ficou paralisado a seu pedido durante o período que em esteve vinculada ao governo, entre 2003 e 2016 – primeiro como ministra do governo Lula, depois como presidente da República. Ela também declarou que o dinheiro resultante das indenizações pagas pelos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro foi doado ao Tortura Nunca Mais. “O que é meu por direito não poderá ser negado pela história e pela Justiça”, afirmou na nota.

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