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| Foto: Pilar Pedreira/Agência Senado

No Brasil, enganar o Fisco vale a pena, ao menos para a parcela mais privilegiada dos contribuintes. Disso muita gente já desconfiava ou se aproveitava, mas um estudo contábil comprovou as vantagens econômicas de não pagar impostos em dia ou encontrar brechas na legislação que aliviem a carga tributária. As benesses incluídas no mais novo programa de renegociação de dívidas com a União (Refis), que o Congresso pode votar nesta semana, só reforçam essa constatação.

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O Núcleo de Estudos em Controladoria e Contabilidade Tributária (NECCT) da FEA/USP de Ribeirão Preto analisou as demonstrações financeiras de 114 companhias de capital aberto entre 2008 e 2015. Fez as contas e constatou que, em boa parte dos casos, o custo do litígio tributário compensa, mesmo quando a empresa é autuada e tem de bancar juros, multas e honorários advocatícios que variam de 50% a 150% do valor dos tributos.

Funciona mais ou menos da seguinte forma. A empresa que deixa de pagar os impostos, ou paga menos que o normal graças à chamada “elisão fiscal”, economiza dinheiro num primeiro momento. E aplica o que poupou no mercado financeiro, ou então usa essa sobra para tocar o dia a dia ou investir em ampliações e novos produtos, por exemplo. Lá na frente, o dinheiro que a companhia vai desembolsar para limpar o nome com o Fisco provavelmente será menor que o valor que gastaria recolhendo seus tributos no prazo e pagando juros ao banco. Ou será coberto com ajuda do que ganhou na aplicação financeira.

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Isso para não falar da vantagem que a empresa tem sobre as concorrentes que pagam as obrigações em dia. Afinal, se tem custos menores, ela pode vender produtos e oferecer serviços a preços mais baixos, tirando espaço dos atuais competidores e inibindo a entrada de outras companhias no mercado.

Essa espécie de “planejamento tributário” compensa por razões como a demora dos processos administrativos e judiciais, que podem levar mais de uma década para serem julgados, a forma de correção monetária dos tributos e os seguidos programas de renegociação, que facilitam a regularização de dívidas.

“Isso é má educação fiscal. Não há equidade, não há sociedade isonômica se a grande massa paga os impostos e os grandes contribuintes não pagam porque têm estrutura para lidar com a questão jurídica”, diz Amaury José Rezende, coordenador do NECCT.

Um outro estudo do núcleo revela que o planejamento tributário é feito principalmente pelas empresas menos endividadas, que o usam como forma de financiamento de suas operações.

Benesses

Segundo o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita), nos últimos 16 anos foram criados cerca de 30 programas de parcelamento especiais, “todos com expressivas reduções nos valores das multas, dos juros e dos encargos legais e prazos extremamente longos para o pagamento”. Essas benesses, observa o sindicato, tornam mais vantajoso para o contribuinte deixar de pagar os tributos e aplicar no mercado financeiro.

“Caso opte por aplicar os recursos em títulos públicos, que são remunerados pelo governo federal pela taxa Selic (os mesmos juros cobrados sobre os débitos em atraso), essa opção será muito vantajosa para o contribuinte, pois ele poderá, num futuro próximo, resgatar esses títulos públicos e pagar à vista seus débitos, obtendo grande ganho devido aos descontos”, diz o Sindireceita em comunicado.

O sindicato afirma que, além de serem pouco eficazes para recuperar créditos tributários, os chamados Refis prejudicam a arrecadação corrente de impostos. Na certeza de que haverá um novo parcelamento adiante, cada vez mais contribuintes deixam de pagar os tributos em dia.

“Já executamos na Procuradoria grandes devedores que dizem que ficam inadimplentes para capitalizar a empresa. Aí esperam o próximo Refis e aderem. Para eles é melhor se capitalizar com o dinheiro do povo do que pegando no mercado financeiro”, desabafa o procurador da Fazenda Achilles Frias, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).

Esse é um dos fatores que explicam por que a arrecadação de impostos não reage à sutil recuperação ensaiada pela atividade econômica. No primeiro semestre do ano, as receitas administradas pela Receita federal recuaram 0,2%, em termos reais, na comparação com o mesmo período de 2016.

Novo “Refis” beneficia políticos e financiadores de campanha

Criado pela medida provisória 783, o novo “Refis” vai beneficiar milhares de devedores, entre eles financiadores de campanhas eleitorais (quase 3,5 mil deles têm pendências com a União), empresas pertencentes a parlamentares e os próprios parlamentares que analisam a MP. A “bancada do calote” é formada por 114 deputados e 25 senadores que, juntos, devem quase R$ 1 bilhão ao governo.

O governo queria levantar cerca de R$ 13 bilhões com o parcelamento, mas o relator da medida provisória, Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), ele próprio um grande devedor, inclui na medida provisória o perdão de 99% de juros, multas e encargos, o que reduziria a arrecadação potencial do Refis a menos de R$ 500 milhões.

Para evitar tamanha perda, o governo preparou um texto alternativo, que deve gerar uma arrecadação estimada em R$ 10 bilhões. Não aceitou o desconto nas multas e juros proposto pelo relator, mas admitiu reduzir o tamanho da entrada, originalmente de 20% da dívida. E ameaça que, se não houver acordo para votação dessa proposta, vai desistir da medida provisória.

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