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Jungmann se aproximou dos militares enquanto ainda era ministro da reforma agrária de FHC. | Marcelo Camargo/Agência Brasil
Jungmann se aproximou dos militares enquanto ainda era ministro da reforma agrária de FHC.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ele se opôs à ditadura militar. Foi comunista. Tornou-se personagem conhecido da vida pública pelas mãos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sempre acusado pela esquerda de ser neoliberal. Na Presidência tucana, foi o responsável pela reforma agrária e promoveu o assentamento de cerca de 500 mil famílias sem-terra. Desagradou a direita ruralista, compreensivelmente. Mas também a esquerda, apesar dos números expressivos de assentamentos que realizou.

Eleito para o Congresso, mudou seu foco da questão rural para a defesa nacional e segurança pública. O conhecimento dessas duas áreas acabou sendo fundamental para chegar aonde está. E, como foi um dos aliados do presidente Michel Temer em suas horas mais difíceis, contrariando inclusive seu partido, virou o nome natural para ser o “xerifão” do governo e comandar a grande missão do fim da gestão: o combate ao crime. Curiosamente, uma missão na qual tem ao lado os militares aos quais se opôs em sua juventude.

A trajetória política do recém-nomeado ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, é difícil de definir. Ele transitou por campos políticos e áreas de atuação aparentemente incompatíveis. Sempre se manteve independente, inclusive em relação a seu próprio partido, o PPS.

Agora, está se tornando a principal figura do governo Temer. Inclusive porque os poucos nomes de prestígio que restaram – como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles – devem abandonar a Esplanada até abril para poder concorrer nas eleições. Jungmann já disse que fica. E que encerra sua carreira política em 31 de dezembro.

Jungmann começou na política se opondo à ditadura militar

Raul Belens Jungmann Pinto, de 65 anos, nasceu no Recife (PE). A relação com a política vem de berço. Seu pai, Sílvio Jungmann da Silva Pinto, foi jornalista, servidor público e militante de esquerda.

O filho seguiu o mesmo rumo do pai. Na década de 1970, ainda como estudante universitário, Jungmann ingressou no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o único partido oficializado que fazia oposição à ditadura militar (1964-1985) e que viria a se transformar no atual PMDB. Participou do movimento Diretas Já, em 1984.

Após a redemocratização, Jungmann ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCB) – com o qual mantinha boa relação desde os tempos de MDB. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, também caíram as teses marxistas. E ele foi um dos ex-comunistas que ajudou a transformar o PCB em PPS (Partido Popular Socialista), no início dos anos 1990.

Embicando para a direita: Jungmann entra no governo FHC e assume gestão da reforma agrária

Depois de ocupar cargos públicos no governo de Pernambuco e na gestão do ex-presidente Itamar Franco (1992-1994), Jungmann viria a embicar um pouco mais para a direita quando entrou no governo FHC – de quem era próximo. Foi a primeira vez que Jungmann contrariou seu partido. À época, o PPS fazia oposição a Fernando Henrique Cardoso.

Nomeado em 1995 para a presidência do Ibama, Jungmann ficou apenas um ano no cargo. Mas implantou um bem-sucedido programa de combate à grilagem de terras que recuperou para o Estado (e para a preservação ambiental) uma área pouco maior do que Portugal.

O sucesso no trato da questão fundiária levou FHC a convocá-lo em 1996 para um trabalho espinhoso: a reforma agrária. O país acabara de assistir ao massacre de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (PA) – caso que manchou a imagem do país (e do governo).

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Jungmann foi escolhido a dedo para agilizar os assentamentos e, ao mesmo tempo, reduzir a tensão no campo. Era ligado à esquerda (um ex-comunista). Mas também tinha bom trânsito na direita. Assumiu o Ministério da Política Fundiária (posteriormente Ministério do Desenvolvimento Agrário), onde ficou até 2002.

Mesmo transitando entre direita e esquerda, foi um período conturbado para Jungmann – que enfrentou recorrentes casos de mortes e violência no campo. Em vários momentos, teve a oposição feroz da bancada ruralista no Congresso. E também do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).

Ainda assim, as estatísticas são amplamente favoráveis à gestão de Jungmann. Nos anos em que esteve no comando da reforma agrária, o país assentou 479,7 mil famílias sem-terra (a imensa maioria dos 540,7 mil beneficiados na gestão FHC). Em todos os anos anteriores, o Brasil havia assentado apenas 58,3 mil famílias. Portanto, não é equivocado dizer que foi Jungmann quem tirou a reforma agrária do papel – embora sua gestão tenha sido acusada de não ter proporcionado a infraestrutura adequada aos assentados, criando “favelas rurais”.

Os primeiros contatos com a cúpula das Forças Armadas e com a questão da segurança

A passagem pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário também lhe rendeu os contatos com a cúpula das Forças Armadas, com quem fechou alguns convênios. Além disso, o então ministro teria ganhado a simpatia dos militares ao não se alinhar ao MST e a outros movimentos de esquerda.

O relacionamento com a caserna se estreitou enquanto Jungmann foi deputado federal por Pernambuco, entre 2003 e 2010. Ele integrou a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara – que trata dos assuntos de interesse das Forças Armadas.

A segurança pública também entrou no radar dele durante seus dois mandatos como deputado. Em 2005, foi um dos principais líderes políticos que defendeu a proibição da venda de armas no país. Mas o referendo que tratou do assunto liberou o comércio de armas leves. Jungmann também integrou e chegou a presidir a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara.

Jungmann articula o impeachment e ganha a simpatia de Temer

Jungmann não se reelegeu deputado em 2010. Dois anos depois, conquistou uma cadeira de vereador em Recife. Em 2014, ficou na suplência de deputado federal. Mas chegou a ocupar o cargo quando o titular se licenciava.

Nesse período, foi uma das lideranças políticas que mais cedo abraçaram a tese do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) – e a consequente substituição dela por Michel Temer. Nos bastidores, comenta-se que ele foi a ponte entre os generais e o movimento político anti-Dilma.

Assim que Temer tomou posse, em maio de 2016, Jungmann era a escolha óbvia para o Ministério da Defesa – ao qual as Forças Armadas são subordinadas. O ministro ganhou ainda mais a confiança do presidente quando decidiu permanecer na Esplanada mesmo após o desembarque do PPS do governo, em maio de 2017, por causa das denúncias dos donos da JBS contra Temer. Mais uma vez em que ele contrariou o partido.

A crise na segurança pública no Rio de Janeiro e a decisão do Planalto de pôr o Exército nas ruas colocou novamente Jungmann como o nome natural para o trabalho. Afinal, quem poderia ser melhor que alguém bem relacionado com os generais e que entende de questões de violência urbana? Foi assim que ele assumiu, em fevereiro, o recém-criado Ministério da Segurança Pública.

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