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| Foto: Lineu Filho/Gazeta do Povo

Os parlamentares vão insistir em aprovar o perdão de dívidas e multas para produtores rurais e a redução da alíquota recolhida para a Previdência por empresas do agronegócio. Na terça-feira (28), data que a medida provisória (MP) que tratava do assunto perdeu a validade, deputados reapresentaram como projeto de lei as propostas trazendo ainda mais benefícios aos produtores rurais, como o perdão de até 100% das multas e descontos de 75% a 95% da dívida total para operações de crédito rural com recursos de bancos de fomento e fundos constitucionais. 

O novo projeto também reduz a alíquota que deve ser recolhida pelas empresas do setor para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que compõe o orçamento da Seguridade Social, passando de 2,5% para 1,7%, em um movimento que vai na direção oposta da reforma da Previdência, que eleva a alíquota previdenciária do setor público. 

A proposta mostrou ter bastante apoio entre os deputados. No dia seguinte da apresentação do projeto, os parlamentares aprovaram regime de urgência para a tramitação, por 325 a favor e apenas 29 contra, em sessão do plenário da Câmara. 

Uma tabela com os valores de desconto foi incluída no projeto novo, prevendo redução de até 95% da dívida consolidada e um abatimento fixo, que inclui o valor principal concedido como empréstimo por bancos de fomento com recursos de fundos constitucionais aos produtores rurais. Os percentuais de desconto e o valor fixo concedidos são escalonados entre R$ 35 mil e R$ 1 milhão. Para dívidas acima desse valor, o desconto da dívida consolidada é de 75%, com abatimento de R$ 76.750. 

“As coisas não estão sendo pensadas em prol do interesse público”, avalia especialista

A definição pelos parlamentares de descontos sobre a dívida consolidada foi criticada por especialista tributário. Para Mauro José Silva, diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), ao conceder descontos sobre a dívida contraída com recursos de fundos constitucionais (oriundos do Tesouro Nacional), os deputados deixam de tratar de questões tributárias no projeto de renegociação de dívidas. 

“A tabela mostra a definição sem critério desses descontos. Acima de R$ 1 milhão, vem tudo. Também não se definiu no projeto um limite entre produtores rurais com dificuldades de pagamento ou não. Não se critica se o produtor teve lucro ou não. Já chama atenção que as coisas não estão sendo pensadas em prol do interesse público. O mínimo que se faz ao criar um projeto como este é entender quem tem problemas, quem não tem, e colocar limites. Está faltando para esse projeto fixar um objetivo, em quem está precisando, e não um benefício para todo o setor, principalmente os grandes produtores”, avalia Silva. 

O especialista também criticou a concessão de descontos em cima de valores consolidados, que incluem o principal da dívida e não apenas os juros. “Pedimos à Receita que nos apresente o impacto financeiro dessas mudanças. Precisamos saber quanto tudo isso custa para o contribuinte para termos um debate. Ao incluir o perdão de dívida com bancos se faz algo que não existe nem em empréstimos de pai para filho, com esse tipo de perdão”, disse Silva. 

A MP 793, que tratava sobre a renegociação de dívidas rurais, foi apresentada pela equipe econômica do governo Michel Temer em 1º de agosto, na véspera da votação na Câmara da primeira denúncia criminal contra o presidente Michel Temer. Em sua origem, a medida que criava o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) permitia renegociação ou perdão de dívidas dos produtores rurais com o governo, com abatimento de 25% das multas. A previsão de renúncia de arrecadação com a medida chegava a R$ 1,87 bilhão em 2018, R$ 1,81 bilhão em 2019 e 1,76 bilhão em 2020. Porém, no Congresso, os deputados aumentaram os benefícios aos fazendeiros. O texto recebeu mais de 700 emendas. 

O projeto dos deputados Zé Silva (SD-MG) e Nilson Leitão (PSDB-MT) aproveita grande parte do texto do relatório da deputada Tereza Cristina (sem partido-MS) sobre a MP. O relatório avançou na concessão de benefícios aos produtores rurais em comparação ao projeto do governo. Por exemplo, o texto da MP previa pagamento de ao menos 4% da dívida consolidada em quatro parcelas mensais, e o restante em até 176 meses. No relatório de Tereza Cristina, a entrada foi reduzida a 1% do total da dívida. 

Contribuição para seguridade social ainda menor, inclusive para agroindústrias 

Os deputados também aumentaram o benefício aos grandes produtores rurais no pagamento da alíquota previdenciária recolhida para compor o INSS para esse segmento, dentro do Funrural. A alíquota de contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial caia de 2% para 1,2% na MP. A relatora estendeu o benefício para o empregador rural pessoa jurídica, reduzindo a alíquota de 2,5% para 1,2%. Essa proposta foi mantida no projeto novo, e ainda foi concedida mais uma novidade: a previsão de redução dos 2,5% para 1,7% dessa alíquota para a agroindústria. 

O governo prometia dar aos produtores rurais uma nova regra sobre os recolhimentos do fundo desde março deste ano, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu ser constitucional a cobrança de 2% da receita bruta proveniente da comercialização da produção para compor esse fundo. Depois da decisão, milhares de processos tiveram decisões que aumentavam as dívidas dos produtores que contratam pessoas físicas ou empresas, ou que compram a produção de outros produtores rurais pessoa física. 

O especialista em tributação também criticou as alterações. “Em plena crise da Previdência, conforme alegado pelo governo federal, o governo concede benefícios para o segmento rural, onde o desequilíbrio é ainda maior. Isso é espantoso, pois não foi feito para beneficiar o pequeno produtor. Ele também é beneficiado, mas as mudanças atingem os grandes produtores. A alíquota passa de 2% para 1,2% e o setor já está de fora da reforma da Previdência. Houve algum estudo para se definir isso? Não. É uma simples redução, sem contrapartida”, afirma Silva. 

Mecanização é justificativa

A justificativa do projeto de lei aponta que essa mudança na alíquota recolhida é justificada pela maior mecanização no agronegócio, que aumenta as receitas totais e recolhimentos de impostos do setor. “Tais medidas se justificam em razão da crescente mecanização da produção rural, o que redunda na redução do número de empregados e da folha salarial para parte considerável dos produtores rurais e torna o custo original dessa contribuição sobre a comercialização deveras excessivo”, afirmam no projeto. 

“Não é justo que o setor permaneça com uma alíquota elevada em face dos sucessivos ganhos de produtividade. Por outro lado, uma parte dos agricultores não dispõe da mesma produtividade que os trabalhadores urbanos, o que justifica a adoção de condições que facilitem a quitação do passivo, como a redução de alíquotas. Nesse sentido, o Brasil alinha-se a tantos outros países que reconheceram a natureza especial dos produtores rurais”, afirmam os deputados. 

Por outro lado, o projeto incluiu mais pontos que beneficiam a agricultura familiar. A ausência desses pontos no projeto que saiu da comissão especial dificultava o acordo para votação. No novo projeto, está prevista a repactuação de dívidas dos empreendimentos familiares rurais, agroindústrias familiares e cooperativas de produção agropecuária, além de autorizar a renegociação de dívidas com a Embrapa, entre outros pontos.

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