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| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em julgamento encerrado nesta quinta-feira (14), que casos de crimes comuns, como lavagem de dinheiro e corrupção, associados a crimes eleitorais, como caixa 2, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. O placar final da votação foi apertado, como tem sido comum toda vez que temas polêmicos são apreciados pela Suprema Corte.

O voto de minerva, que desempatou o julgamento (6 a 5), foi do ministro Dias Toffoli, presidente do STF. Além dele, votaram neste sentido os ministros Marco Aurélio, relator do caso, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

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O resultado do julgamento representa uma dura derrota para a operação Lava Jato.Procuradores fizeram uma intensa campanha nas redes sociais por um resultado contrário. Os procuradores defendiam que as investigações deveriam ser desmembradas: crimes comuns na Justiça Federal e crimes eleitorais nos tribunais eleitorais.

O argumento, endossado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, era de que a Justiça Eleitoral não tem estrutura para julgar casos complexos, além de ser formada por membros temporários e sofrer forte pressão política. Votaram a favor dessa tese no julgamento desta quinta os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Como foi o julgamento

O julgamento do caso foi aberto na quarta-feira (13) com a explanação de advogados e da Procuradoria-Geral da República. Antes de ser interrompido, o relator e mais dois ministros proferiram seus votos. Marco Aurélio afirmou a favor do envio desses casos para a Justiça Eleitoral, em respeito ao que está descrito na lei atual, que é “inviável a competência da Justiça comum, que é residual quando há Justiça especializada (no caso, a eleitoral)”.

Ele foi acompanhado pelo colega Alexandre de Moraes. “Ninguém tem dúvida da recepção [pela Constituição] do artigo 35 [do Código Eleitoral], de que os crimes conexos aos crimes eleitorais são de competência da Justiça Eleitoral”, disse Moraes. O único a votar na quarta para que os casos fossem desmembrados foi Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. O julgamento foi então interrompido e retomado nesta quinta-feira. 

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O ministro Luís Roberto Barroso reabriu o julgamento votando contra o relator e empatando o julgamento. Em seguida, a ministra Rosa Weber abriu maioria pela separação dos processos, votando junto com Fachin e Barroso. Luiz Fux também se juntou ao grupo divergente, assim como a ministra Carmen Lúcia, abrindo 5 a 2 no placar.

Mas a ala garantista do Supremo – Lewandowski, Gilmar, Celso de Mello e Toffoli – começou a votar na sequência e virou o placar da votação para 6 a 5. O coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, repercutiu assim o resultado do julgamento nas redes sociais: “hoje começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato”.

Tese vencedora 

A lei diz que quando há crimes eleitorais cometidos com outros crimes, a Justiça Eleitoral atrai a competência para julgar tudo. Para o diretor do Instituto dos Advogados do Paraná e professor da Faculdade de Direito da UFPR, Guilherme Brenner Lucchesi, a legislação é clara ao definir a competência da Justiça Eleitoral para julgar qualquer caso que envolva repercussão eleitoral. 

“A competência da Justiça Federal sempre vai prevalecer sobre a competência da Justiça Estadual. O mesmo acontece com relação à Justiça Eleitoral. Se eu tiver diversos crimes que sejam praticados e dentre esses crimes houver um crime eleitoral, segundo a nossa legislação vigente hoje – isso não é uma questão de interpretação judicial, é o que a lei diz – a competência da Justiça Eleitoral prevalece, defendeu Lucchesi em entrevista recente à Gazeta do Povo. 

Esse foi o entendimento da maioria dos ministros no plenário do Supremo. 

Julgamento foi permeado por críticas à Lava Jato

O julgamento foi marcado por uma reação dos ministros à pressão feita nas redes sociais e na imprensa por membros da Lava Jato em Curitiba. Em entrevista à Gazeta do Povo antes do resultado final, o procurador Diogo Castor de Mattos classificou o julgamento como “ataque covarde à Lava Jato”. Ele também foi autor de artigos publicados na imprensa em que defende que os crimes comuns fiquem com a Justiça Federal, não com a Justiça Eleitoral. 

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Depois de serem duramente criticados no plenário já na quarta-feira (13), os procuradores se fecharam e suspenderam todas as entrevistas à imprensa que estavam agendadas em ocasião dos cinco anos da Lava Jato – inclusive uma conversa pré-agendada que seria concedida à Gazeta do Povo. 

O presidente do STF, Dias Toffoli, anunciou que vai entrar com uma representação contra Mattos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e na Corregedoria do Ministério Público Federal por causa dos artigos assinados por ele. No início da sessão desta quinta-feira (14), o presidente da Corte também anunciou a abertura de um inquérito criminal no STF para investigar ataques a Corte

“Considerando a existência de notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimos caluniante, difamante e injuriante, que atingem a honorabilidade e segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, resolve, como resolvido já está, nos termos do artigo 43 e seguintes do regimento interno, instaurar inquérito criminal para apuração dos fatos e infrações correspondentes em toda a sua dimensão”, disse o presidente do STF.

O ministro Gilmar Mendes também fez várias críticas aos procuradores em Curitiba. “Estamos vivendo tempos bastante interessantes”, disse o ministro. “É mentirosa a afirmação de que essa questão se tornou relevante porque a Segunda Turma assim decidiu”, rebateu o ministro. 

Em entrevista à Gazeta do Povo na semana passada, Mattos disse o julgamento no STF “é mais um ataque covarde à Lava Jato, promovido pelos mesmos ministros da Segunda Turma do Supremo que sempre decidem contra a Lava Jato e realmente, se esses casos forem para a Justiça Eleitoral é praticamente o fim da Lava Jato”. 

“O que é inusitado? Esses ataques feitos por membros do Ministério Público a julgadores, como se estivessem participando de uma corrida do ouro”, rebateu Gilmar Mendes. “E até se descobriu que, de fato, estavam participando de uma corrida do ouro com a fundação criada em Curitiba. De fato, o combate à corrupção começou a dar lucro”, criticou o ministro, fazendo referência à tentativa da força-tarefa de criar e participar da gestão de uma fundação bilionária com dinheiro da Petrobras. 

"O que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol [coordenador da Lava Jato] foi criar um fundo eleitoral. Imagine quanto se teria à disposição. Esta gente faria tudo no Brasil, faria chover com esse dinheiro. É projeto de poder, é disso que nós estamos falando", disse Gilmar.

O ministro Celso de Melo também criticou a pressão da Lava Jato e classificou as afirmações dos procuradores como uma “panfletagem insultuosa e atrevida de setores inconformados com a jurisprudência dessa Corte”.  O decano da Corte começou o voto dizendo que os juízes não podem se expor a “panfletagens atrevidas”. 

PGR defendeu separação dos casos 

A procuradora geral da República, Raquel Dodge, defendeu na quarta-feira (13) que os crimes fossem separados. Para ela, a Constituição estabelece a competência da Justiça Federal para processar e julgar crimes comuns federais, como a lavagem de dinheiro. Quando esse tipo de crime é cometido junto com crimes eleitorais, a solução defendida por Dodge é a Justiça Eleitoral fique apenas com casos eleitorais. 

Dodge ainda ressaltou que a Justiça Eleitoral se renova a cada dois anos. “Além disso é estruturada para lidar com razões relativas ao desenrolar do processo eleitoral e não para lidar propriamente com complexos crimes federais”, defendeu. 

Advogado disse que pano de fundo do julgamento era ideológico 

Na quarta-feira, o advogado Ricardo Pieri Nunes sustentou que a Justiça Eleitoral atrai a competência para julgar todos os casos envolvendo crimes eleitorais. “O que está em jogo aqui não é uma questão jurídica, é uma questão de natureza ideológica que implica em um ataque ao próprio Poder Judiciário”, defendeu o advogado. 

Ele criticou a pressão feita pela força-tarefa da Lava Jato sobre o STF em relação ao julgamento. Nunes citou um artigo publicado pelo procurador Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, publicado no site O Antagonista. 

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“Um procurador da República, e não uma criança inocente, às vésperas de um julgamento no plenário do STF, vai a imprensa para se pronunciar sobre o julgamento e dizer que ministros da Corte estão articulando um golpe”, disse o advogado.“Na expectativa de que Vossas Excelências se sujeitarão a esse tipo de ofensa e atenderão ao desejo da assim chamada Lava Jato”, completou o advogado. 

Entenda o caso 

O caso julgado chegou ao plenário da Corte depois de um desentendimento entre a Primeira e a Segunda Turma do tribunal. O primeiro colegiado, formado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, vinha adotando o entendimento de que todos os crimes devem ser julgados pela Justiça Federal. 

Já a Segunda Turma, formada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Edson Fachin vinham decidindo que, quando outros crimes ocorrem junto com crimes eleitorais, os casos devem ser remetidos para a Justiça Eleitoral. 

O plenário do STF se debruçou sobre um recurso relacionado ao inquérito que investiga o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o deputado federal Pedro Paulo Carvalho Teixeira (DEM-RJ) pelo suposto recebimento de R$ 18 milhões da Odebrecht para campanhas eleitorais. 

Segundo as investigações, Paes teria recebido R$ 15 milhões em doações ilegais no pleito de 2012. Em 2010, Pedro Paulo teria recebido R$ 3 milhões para campanha e mais R$ 300 mil na campanha à reeleição, em 2014.

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