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Empresas que devem – e não pagam – bilhões de reais à União doaram dinheiro para campanhas eleitorais. E ajudaram a eleger deputados federais e senadores que agora avaliam uma medida provisória que oferece condições vantajosas para a renegociação dessas mesmas dívidas.

Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), 2.118 empresas e pessoas físicas inscritas na Dívida Ativa da União financiaram as campanhas de 1.221 candidatos a deputado federal e senador em 2014.

Esses são apenas os contribuintes que têm débitos em situação irregular. Isto é, cujas dívidas não foram renegociadas e não estão cobertas por garantias nem suspensas por decisão judicial. Juntos, eles devem pouco mais de R$ 7 bilhões aos cofres públicos. E declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) doações de R$ 184 milhões.

A maioria dos que têm débitos em situação irregular são pessoas físicas: 1.364 ao todo. Mas quase 98% da dívida, cerca de R$ 6,9 bilhões, pertence às 754 pessoas jurídicas da lista. Essas empresas – entre elas, vários partidos políticos – doaram R$ 173 milhões a campanhas, ou 94% de todas as doações feitas por devedores da União.

Em grande parte dos casos, o dinheiro usado para financiar candidatos não seria suficiente para quitar as dívidas com a União. Mas há na relação 307 contribuintes que conseguiriam pagar o que devem ao governo com os recursos que doaram legalmente a campanhas eleitorais – 213 pessoas físicas, 77 empresas e 17 partidos políticos estão nessa situação.

Os partidos têm R$ 4,4 milhões em débitos pendentes com a União mas doaram R$ 124 milhões a filiados que se candidataram a deputado ou senador em 2014. Uma das explicações para isso é que nas eleições os partidos repassam aos candidatos doações que receberam. O dinheiro que as siglas doaram, portanto, não estava necessariamente em seu caixa.

Perdão das dívidas

A lista dos financiadores de campanha que devem à União foi publicada pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), que solicitou a relação à PGFN via Lei de Acesso à Informação.

Os dados vêm à tona num momento em que governo e Congresso discutem as bases de mais um programa de regularização de dívidas com abatimento de multas, juros e encargos, conhecido como “novo Refis”. O prazo de adesão à renegociação, aberto em maio pela Medida Provisória 783, foi prorrogado até 29 de setembro. Para que a MP vire lei e continue em vigor na sequência, terá de ser aprovada pelos parlamentares. Aí está a dificuldade: eles querem benesses muito maiores que as concedidas pelo governo.

“Imagine uma empresa que deve dinheiro para o povo. Dinheiro que deveria ser investido em saúde, educação, saneamento básico. E imagine que, além de não pagar essa dívida, essa empresa financia parlamentares para que se elejam. Qual é o interesse? É ter algum benefício em razão dessa doação. E isso fica muito claro nesse Refis”, diz Achilles Frias, presidente do Sinprofaz.

O texto original da MP 783, assinado pelo presidente Michel Temer, previa o perdão de 25% a 90% de multas, juros, encargos legais e honorários advocatícios das dívidas com a União. Mas o relator da medida na comissão mista do Congresso, deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), propôs descontos de 85% a 99%. As mudanças foram aprovadas pela comissão, mas o Ministério da Fazenda bateu o pé.

Embora negociem há semanas, equipe econômica e parlamentares ainda não chegaram a um meio-termo. A proposta original geraria uma arrecadação estimada pela Fazenda em mais de R$ 13 bilhões. Com as mudanças feitas no Congresso, a arrecadação potencial desabaria para R$ 400 milhões. Quase nada, se comparado ao buraco nas contas públicas que o ministro Henrique Meirelles tenta diminuir: a nova meta fiscal é de um déficit de R$ 159 bilhões neste ano.

BANCADA DO CALOTE:Quem são os deputados e senadores que devem R$ 1 bi ao Brasil

Newton Cardoso Júnior havia realizado a mesma manobra no início do ano, quando relatou a MP 766. Essa medida provisória “caducou” – ou seja, chegou ao fim do prazo de validade sem ser convertida em lei – justamente por falta de acordo entre Planalto e Congresso.

O deputado que propõe o perdão de multas e juros das dívidas está entre os grandes devedores da união. É sócio ou diretor de empresas que têm quase R$ 56 milhões em dívidas não regularizadas. Mas não está sozinho.

A “bancada do calote” do Congresso tem ao todo 114 deputados e 25 senadores que devem quase R$ 1 bilhão à União – considerando apenas os débitos em situação irregular – e serão beneficiados pelo Refis que eles mesmos podem vir a aprovar. O parlamentar que mais deve é o senador Fernando Collor, sócio de empresas com pendências de R$ 240 milhões.

Se incluídas na conta as dívidas regularizadas, a bancada de devedores chega a 174 deputados e 39 senadores.

Estímulo à inadimplência

Os sucessivos programas de regularização de dívida acabam sendo um estímulo à inadimplência. Nos últimos 16 anos, houve cerca de 30 iniciativas desse tipo, segundo o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita).

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que em muitos casos há vantagem econômica em não pagar em dia os tributos e esperar pelo próximo Refis. Muitas empresas conseguem financiar seus gastos e investimentos com o dinheiro “poupado” com a inadimplência, e depois regularizam a situação fiscal pagando encargos inferiores aos juros cobrados no mercado financeiro.

VEJA TAMBÉM:Dar o calote no Fisco vale a pena. E o novo Refis é mais uma prova disso

Conforme o trabalho do Núcleo de Estudos em Controladoria e Contabilidade Tributária (NECCT) da FEA/USP de Ribeirão Preto, passar a perna no Fisco – deixando de recolher impostos ou pagando menos graças a brechas na legislação – vale a pena mesmo quando a empresa é autuada e tem de bancar juros, multas e honorários advocatícios que variam de 50% a 150% do valor dos tributos.

Além disso, há contribuintes que aderem a parcelamentos como os Refis, pagam as primeiras prestações para obter a Certidão Negativa de Débitos, o que as permite fechar contratos com o setor público, e depois voltam a ficar inadimplentes.

Esse círculo vicioso é uma das razões apontadas por analistas e pela própria Receita Federal para a lenta reação da arrecadação de tributos em meio à sutil melhora da atividade econômica. Nos sete primeiros meses deste ano, a arrecadação administrada pela Receita encolheu 0,4%, já descontada a inflação.

ATUALIZAÇÃO: A U.S.A. - Usina Santo Ângelo Ltda. aparecia na versão original desta reportagem com R$ 6,5 milhões em dívidas em situação irregular, na 92.ª posição entre as companhias que devem à União e doaram para campanhas. A empresa, no entanto, encaminhou à reportagem três certidões negativas emitidas pela Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – com datas de abril, setembro e outubro de 2017 – que comprovam que seus débitos estão com a exigibilidade suspensa ou são objeto de decisões judiciais que determinam sua desconsideração para fins de regularidade fiscal. Portanto, a companhia não tem débitos em situação irregular e, por isso, foi retirada da lista publicada nesta reportagem.

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