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Miro Teixeira (Rede-RJ) perdeu a eleição para o Senado do Rio de Janeiro. Ele estava no Congresso como deputado desde 1971 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Miro Teixeira (Rede-RJ) perdeu a eleição para o Senado do Rio de Janeiro. Ele estava no Congresso como deputado desde 1971| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Miro Teixeira (Rede-RJ) perdeu em outubro a eleição para o Senado do Rio de Janeiro e ficará sem mandato em 2019. Será a primeira vez em mais de 30 anos que ele não terá uma vaga no Congresso Nacional: foi deputado federal de maneira consecutiva desde 1971, com exceção do período entre 1983 e 1987.

Ao longo dos mais de 40 anos de Câmara, Miro viveu alguns dos momentos mais importantes da história do Legislativo brasileiro, como a Assembleia que levou à criação da Constituição de 1988, os impeachments de Dilma Rousseff (PT) e Fernando Collor (PTC) e CPIs ,como as dos anões do orçamento e do mensalão. Foi também ministro das Comunicações no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de líder do PDT e do PT, por onde teve uma breve passagem.

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Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o deputado conta que “congelou” a atividade política e que pretende se dedicar à advocacia. Ele também disse acreditar que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o governador de seu estado, Wilson Witzel (PSC), têm condições de fazer boas gestões. O parlamentar considera ainda que o excesso de transmissões ao vivo via celular transformou o Plenário da Câmara dos Deputados em um “ambiente cenográfico”.

Leia abaixo a entrevista completa:

Gazeta do Povo - O mandato do senhor se encerra no dia 1º de fevereiro. O que o senhor vai fazer logo após a posse do novo Congresso?

Miro Teixeira - A partir do dia 1º estarei livre dos impedimentos da advocacia - atualmente eu advogo, mas com impedimentos constitucionais e estatutários. Então, a primeira coisa é pedir à Ordem dos Advogados que retire a observação dos impedimentos. A partir desse momento, estarei livre para atuar em todas as áreas, inclusive as que eu estava impedido. Vou me voltar, plenamente, à carreira de advogado.

GP - Como o senhor está enxergando o país que nasceu após a eleição de outubro e os primeiros dias do governo Bolsonaro?

MT - Sou otimista. A possibilidade de o Brasil crescer é muito grande. Creio que o discurso de posse do Paulo Guedes [ministro da Economia] foi muito indicativo do preparo dele. Ele já era conhecido pelo currículo, mas de viva voz, falando de improviso... Você pode concordar ou não concordar com um aspecto ou outro, mas vê que está diante de uma pessoa preparada. E uma pessoa preparada está sempre de cabeça aberta para ouvir opiniões divergentes - e também para polemizar, se for o caso. Isso faz parte da democracia e é bom que aconteça. Mas é bom debater com gente inteligente.

“Vejo com tristeza tudo o que se passou no Brasil porque percebo que os órgãos de controle falharam. Não acredito que os fatos de corrupção]tenham começado com o Lula”

Não houve tempo, ainda, para se dizer que o governo precisava ter agido em uma direção ou outra, porque estamos vivendo um momento intermediário. No dia 1º de fevereiro será a posse de um novo Congresso. Então esse é um momento em que o governo faz reflexões sobre diversos posicionamentos. Como ficará a liderança do governo? Como ficará a presidência da Câmara, do Senado? Não que o governo vá influenciar na presidência da Câmara ou do Senado, mas a tendência ou a escolha já consumada de um ou outro político sugere qual é a linha majoritária de pensamento nas duas casas do Congresso Nacional, o que é muito relevante para o governo. Creio que esse é um momento em que o governo fica muito na observação dos fatos.

GP  - O senhor conviveu com o presidente Bolsonaro por muito tempo na Câmara. Como foi a sua relação com ele? Imaginava que ele poderia, um dia, chegar à Presidência da República?

MT - Não imaginava que ele viesse a ser candidato a presidente. Eu me dava bem com ele. Sem intimidades, mas tínhamos um relacionamento cordial. E nunca tivemos atritos. Nunca nos confrontamos ao longo de sete mandatos.

GP - O senhor esteve no Congresso durante os impeachments dos ex-presidentes Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016). Que comparação faz entre os dois processos?

MT - Há uma grande diferença. O impeachment do Collor nasceu de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ou seja: as provas eram recolhidas pelo próprio parlamento. No caso do impeachment da Dilma, o que provocou comoção na opinião pública veio de fora do parlamento. Veio das investigações de irregularidades, veio da reação popular nas ruas, e finalmente na própria voz de Dilma colocando o Lula numa fria, no meu ponto de vista [referência ao diálogo entre Lula e Dilma interceptado pela Justiça, em que a então presidente disse ao petista que ele poderia “usar o papel” para se tornar ministro e, assim, adquirir foro privilegiado]. Ele pareceu surpreso naquela gravação, quando ela diz que o “Bessias” estava levando o papel pra ele. Aquilo foi um detonador da indignação da opinião pública.

[Nota: Miro Teixeira votou “sim” tanto para o impeachment de Collor quanto para o de Dilma.]

GP - Essas diferenças que o senhor menciona deixam algum dos impeachments mais legítimo do que o outro?

MT - Não, porque o processo tem a mesma base constitucional. Há uma diferença fática, e ninguém pode contestar: um veio de CPI, e o outro caso foi do conjunto de investigações que já vinham acontecendo, o que escandalizou o país e levou a população às ruas. São origens diferentes, mas os procedimentos processuais e constitucionais têm o mesmo rito: tem o juízo de admissibilidade na Câmara, tem o requerimento de impeachment que pode ser feito por qualquer cidadão, tem o exame na Câmara dos Deputados, que é um juízo de admissibilidade. Admitida a tramitação do processo de impeachment, é como se fosse um inquérito. Aí vai para o Senado, e o Senado que faz o processo do impeachment - presidido pelo presidente da Suprema Corte. O processo é absolutamente igual, porque é o que a Constituição determina.

GP - Então nenhum dos dois impeachments foi golpe, como dizem os aliados dos ex-presidentes?

MT - Não, de jeito nenhum. Se você me perguntar se no meio do processo tinha golpistas, aí pode ser. Mas tivemos multidões nas ruas. Eu sou do Rio de Janeiro, e vi multidões nas ruas. Eu vou achar que aquela multidão, em todos os momentos, era de golpistas? Isso fere o bom senso.

GP - E quanto ao escândalo do mensalão, o senhor acredita que foi um golpe?

MT - Acho que nem o PT mais fala que o mensalão foi golpe. O mensalão foi um processo. Houve uma ação penal, no Supremo Tribunal Federal, com uma composição de juízes nomeados por governos petistas, em sua maioria. E que não agradeceram com a toga.

GP - Como o senhor, que foi ministro de Lula, vê o fato de ele estar preso?

MT - Eu vejo com tristeza tudo o que se passou no Brasil porque percebo que os órgãos de controle falharam. Não acredito que os fatos [de corrupção] tenham começado com o Lula. É difícil de imaginar que este grau de corrupção nasceu e cresceu em tão pouco tempo. E a própria Lava Jato já começa a demonstrar isso, pegando fatos anteriores, políticos estranhos ao PT. Não é uma situação que possa nos orgulhar, claro, porque houve dinheiro do povo desviado, mas é uma demonstração de que as instituições começaram a aprofundar as investigações nos casos de crimes contra a administração pública.

GP - Há uma frase atribuída a Ulysses Guimarães [presidente da Câmara na década de 1980] que diz: “Se essa legislatura é ruim, espere a próxima”. O senhor concorda?

MT - Eu estava na sala quando o Doutor Ulysses disse isso. Ele não falou como um “oráculo”. Ele tinha um espírito fino, um humor delicado, era uma pessoa muito culta. E ele sabia muito bem que um mandato é sempre diferente do outro - isso eu posso afirmar. Por exemplo: quem poderia imaginar que naquele mandato que começou em 1991 haveria o impeachment de um presidente em 1992? Uma CPI que prendeu e tirou mandatos de deputados e senadores, em 1993 [a CPI dos anões do orçamento]? Depois tem o Plano Real - que começa com o Itamar Franco, mas a implantação verdadeira se dá com o Fernando Henrique Cardoso. Veio a estabilidade monetária e o começo da reforma patrimonial do estado brasileiro. Isso era absolutamente inédito. Depois tem a aprovação da reeleição, e ele [FHC] é reeleito. E vêm as privatizações mais pesadas.

“O impeachment do Collor nasceu de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ou seja: as provas eram recolhidas pelo próprio parlamento. No caso do impeachment da Dilma, o que provocou comoção na opinião pública veio de fora do parlamento. “

Então, como se pode dizer que um mandato é melhor ou pior do que o outro? O que posso garantir, repito, é que não existe mandato igual ao outro. No último mandato teve o Eduardo Cunha preso, teve o impeachment da Dilma, o Eduardo Cunha presidente da Câmara… foi tudo muito diferente. O surgimento mais visível da Lava Jato, influenciando as composições e articulações dentro do Congresso… No próximo mandato, veremos momentos em que parece que tudo vai mal, e momentos em que parece que tudo é brilhante. Porque é assim mesmo. Mas é assim em todos os lugares do mundo. E acontece que o parlamento, especialmente a Câmara dos Deputados, é a expressão do pensamento do povo brasileiro. Então, é preciso respeitar isso.

GP - Ficou alguma lacuna na trajetória do senhor na Câmara, como a de não ter sido presidente da Casa?

MT - Não. Normalmente, os presidentes da Câmara são de partidos governistas ou aliados. Eu nunca tive essa aptidão em fazer composições porque tenho divergências sobre a maneira como se organiza a mesa diretora, por exemplo. Não acho que deveria haver secretarias com serviços burocráticos executados por deputados. Isso deveria ser entregue à administração da casa. Hoje, uma quarta secretaria cuida de apartamentos funcionais… se quebrou a banheira do apartamento, tem que ligar para o deputado. E eu acho que a mesa deveria ser um birô político porque a Câmara é um colegiado, e esse birô político devia propor políticas públicas para debates no colegiado.

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O gerenciamento da atividade parlamentar deveria ser feito pela mesa diretora, sem retirar, claro, o poder de iniciativa solitária dos parlamentares. Deveríamos avançar nessa direção, fiz algumas tentativas, apresentei projetos de resolução. Porém, isso não avança porque fere os interesses de grupos que querem dominar as respectivas áreas. Eu fui líder muitos anos e fazia mais a minha atuação em plenário, e apresentando meus projetos. Por exemplo, hoje temos a colaboração premiada. Isso é um legado que eu deixo. Eu criei a subcomissão da Comissão de Justiça dizendo que era para fazer esse projeto em cujo texto trabalharam juristas formidáveis, como a falecida Ada Pellegrini, de São Paulo. Isso já existia nos EUA, na Europa, na Itália. E eu trouxe para o Brasil a colaboração premiada. Não a criei, ela já existia e eu trouxe para o Brasil. Isso é um legado que permitiu que o Brasil pudesse conhecer tantos males, que corrigimos.

GP - Ao longo desses mais de 40 anos de Congresso, o que mudou? O senhor acredita que os avanços na tecnologia e a presença cada vez maior dos celulares e da internet mudaram a atividade parlamentar?

MT - De repente, o Plenário virou um ambiente cenográfico. Tem não só o celular, mas também a TV Câmara. Tem “lives” feitas do plenário por parlamentares, e eu acho isso muito equivocado para a política em si. Mas por outro lado, isso permite que o cidadão, lá na base, acompanhe o que o deputado dele está fazendo. Então tudo bem, desde que não atrapalhe a atividade parlamentar.

“Hoje temos a colaboração premiada. Isso é um legado que eu deixo”

Tudo bem, faça a sua live, converse com os seus eleitores. Há muito tempo atrás havia um deputado que fazia, pelo celular, um programa de rádio, de dentro do Plenário. Ele se sentava recuado, com fone de ouvido, e fazia uma participação grande, de meia hora, num programa de rádio. Isso antes da era das lives. Antes disso, você tinha as cartas e telegramas. Ou seja, a tecnologia mudou, a comunicação mudou, mas a tentativa de se exibir positivamente sempre existiu, com as ferramentas de cada época. Os tempos vão mudando e não adianta imaginar que isso vai voltar atrás. Porque, graças a Deus, isso é uma evolução. Nós estamos evoluindo, tudo fica mais transparente. Assim como um faz a live se auto elogiando, o outro faz a live falando mal de quem se elogiou. E o povo que tire sua conclusão.

GP - A Assembleia Constituinte é a melhor lembrança do senhor, ao longo dos anos de Congresso?

MT - É a mais positiva. Porque era um encerramento do ciclo ditatorial. Nós fizemos a Assembleia Nacional Constituinte sob a vigência da emenda constitucional número 1, que foi o auge do endurecimento do ciclo ditatorial. E quando se instala a Assembleia Constituinte, nós tivemos a sensação de que, naquele momento, estava se iniciando o caminho democrático no Brasil. E houve tentativas de interromper os trabalhos da Constituinte.

GP - Por parte de quem?

MT - Já em 1988, lá pelo meio de abril, maio, o centrão [grupo de deputados simpáticos ao governo de José Sarney] tentou impedir a continuidade. Melar. E o Doutor Ulysses Guimarães disse: “Se eles têm maioria para encerrar os trabalhos da Constituinte, têm maioria para fazer um projeto de Constituição e apresentá-lo e aprová-lo. Eu não presido um hospício! Eu presido a Assembleia Constituinte do Brasil” (risos).

A partir de agora, Miro Teixeira irá focar em carreira de advogado.Hugo Harada/Gazeta do Povo

GP - O senhor ficou apenas em sétimo lugar na eleição para o Senado em outubro. A que atribui a baixa votação?

MT - A gente ganha eleição quando é o mais votado, e perde quando não é o mais votado. Então é muito simples a análise: eu não tive votos para me eleger. Mas fiz 430.983 votos, o que é muito voto. Só quem não sabe o que é voto não sabe que isso é muito voto. E são votos de opinião. Aos quais eu agradeci comovido num texto que publiquei no meu site. Saí com a alma muito leve de uma campanha feita, como sempre fiz, de maneira transparente e sabendo que o meu eleitor é um democrata, que está procurando alguém que represente seus pensamentos, suas ideias. E cada eleitor meu sabe disso, porque não teve nenhuma promessa, nenhum ganho, não teve nada - votou porque quis votar. Isso me deixa muito feliz.

GP - Quais as perspectivas do senhor para o governador Witzel, no Rio de Janeiro?

MT - Eu sempre torço para que dê certo. Eu acho que qualquer tipo de sentimento negativo reflete na vida dos cidadãos de um modo em geral, e de maneira maléfica. Então, eu desejo tanto a ele quanto ao Bolsonaro muito êxito, assim como ao governador do Rio Grande do Sul [Eduardo Leite, do PSDB]. Temos que pensar em desenvolvimento, em melhorias para a qualidade de vida. E não ficar torcendo para dar errado.

GP - Haverá eleição municipal ano que vem. O senhor pode se candidatar?

MT - Eu vou me dedicar à advocacia. Eu fiz uma pausa na política. Ponto. Agora, o que será o amanhã, só Deus sabe...

GP - O senhor cumpriu 11 mandatos como deputado federal. Faltava só um para igualar o recorde nacional [de Manoel Novaes, com 12 mandatos entre 1933 e 1982]. Ainda quer buscar essa primeira posição?

MT - Nunca pensei em bater recordes. Eu poderia ter sido candidato, agora, à Câmara. Toda eleição é difícil, mas eu teria uma probabilidade forte de vencer. Mas a questão não é buscar mais um mandato, é entender uma realidade, e ver de que maneira você pode ser mais útil à população.

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