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 | Ciete Silvério
| Foto: Ciete Silvério

Em uma estratégia para angariar votos de eleitores mais pobres, o candidato a presidente Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu criar um subsídio ao gás de cozinha. Parece simples, mas a proposta tem implicações bastante sérias. Ao instituir um “vale gás”, o governo terá de abrir mão de alguns bilhões de reais ao ano;  criar uma grande estrutura de cadastro, distribuição, pagamento e fiscalização do vale; e ainda correr o risco de ver o surgimento de um mercado paralelo de vales ou de botijões comprados com preço menor. 

Com o vale gás, Alckmin segue os passos de Ciro Gomes (PDT), que promete resolver a dívida dos 63 milhões de brasileiros que têm nome sujo no SPC; e de Fernando Haddad (PT), que mirou nos 22 milhões que ganham até cinco salários mínimos e ficariam isentos do Imposto de Renda.

A proposta do tucano pode alcançar até 8,7 milhões de pessoas que já têm desconto na conta de luz, por meio da tarifa social, política que beneficia quem comprova baixa renda e é fiscalizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

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Segundo o ex-governador de São Paulo, que anunciou o vale gás segunda-feira (3), a ideia é que o governo federal pague metade do valor do botijão para famílias de baixa renda, que já recebem o benefício do desconto na conta de luz. Ele explicou a proposta não como uma forma de colocar mais dinheiro no bolso do consumidor, mas relacionou a política pública com alimentação, ao dizer que 17% da população não tem acesso a gás de cozinha.

Para especialistas, a proposta tem problemas e dificilmente vale a pena ser levada a cabo. Mais fácil seria a injeção de mais valores no Bolsa Família, que teve como um de seus trunfos e que garantiram o sucesso do programa o fato de o beneficiário poder usar o dinheiro como quisesse.

Veja abaixo alguns problemas da proposta e o que faltou ser explicado por Alckmin: 

1) De onde virão os R$ 2,5 bilhões para o programa?

O primeiro erro do candidato foi não especificar de onde vai tirar dinheiro para bancar o novo programa, que pode custar R$ 2,5 bilhões anuais. Ele apenas afirmou que há muito espaço para cortar gastos e que “governar é escolher”. Mas, na verdade, entre os gastos que podem ser eliminados, o governo tem pouquíssimo espaço para fazer novos cortes. 

A pesquisa semanal do preço do GLP, o gás de botijão, feita pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), aponta que em média o valor de cada botijão de 13 quilos foi de R$ 68,65 nos últimos três meses. O setor de GLP calcula que um botijão dura em média 43 dias por família, ou seja, seriam custeados ao mínimo oito botijões ao ano. Se o universo de beneficiários pelo programa for o mesmo que as famílias da Tarifa Social, seriam gastos ao ano R$ 2,5 bilhões com o programa, para atingir 8,7 milhões de famílias. 

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Carlos Kawall, economista-chefe do banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, avalia ser preocupante que qualquer candidato divulgue em sua campanha propostas de subsídios, que significam que o governo precisaria aumentar impostos para compensar tais gastos. 

“Estamos num momento contrário ao de expansão de gastos, em um quadro de crise fiscal. Temos uma nova realidade de teto de gastos. Acho que isso vai contra a nossa realidade de situação fiscal delicada. Hoje a opção não seria subir imposto, mas sim reduzir gastos. Temos de ter propostas (dos candidatos, em geral) que sejam aderentes ao discurso de que precisamos cortar gastos. Qualquer proposta que vise expansão de gastos de tem de dizer de onde vem o dinheiro”, avalia. 

Para Kawall, esse tipo de política já foi adotada no passado e não se mostrou eficiente. “Já tivemos no passado (programa similar) e não me parece que são políticas que a médio e longo prazo são vencedoras de aumento de qualidade de vida da população. Precisamos melhorar a situação das contas públicas e isso trará resultados, e não começar a fazer subsídios”, disse.

2) O programa já existiu no passado e foi incorporado ao Bolsa Família

O uso de serviços de vale ou vouchers é utilizado em diversos países, com pontos positivos e negativos. No Brasil, o governo Fernando Henrique Cardoso tinha uma política parecida, que acabou transformada no Bolsa Família pelo governo do PT.

Em 2001, o governo federal pagava R$ 15 a cada dois meses para as famílias que ganhavam até meio salário mínimo para comprar gás. O programa estava atrelado ao Bolsa Escola e ao Bolsa Alimentação. Em 2003, no governo Lula, os três programas foram unificados e incorporados ao Bolsa Família com melhorias, sendo a principal delas a liberdade para gastar o dinheiro como quisesse. 

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Especialistas apontam que a adoção de políticas que carimbam o dinheiro de auxílios, para que o beneficiário somente possa usar o dinheiro para um fim específico, têm menor eficiência. Isso porque tais políticas podem levar a aumento de preços dos produtos subsidiados e aumentam as chances de induzirem à criação de um mercado paralelo de vales ou mesmo de botijões, comprados com o benefício, mas vendidos em um mercado paralelo com deságio perante o mercado formal por beneficiários que preferem ficar com o dinheiro do que com o produto subsidiado. 

3) Aumento do Bolsa Família teria efeito parecido, maior segurança e menores custos de administração

Mesmo que o governo utilize o cadastro da Tarifa Social de Energia Elétrica para fornecer o vale gás, teria de ser criada uma estrutura que permita a distribuição dos vales, fiscalização dos beneficiários e da aplicação do dinheiro de forma correta, e criação da sistemática de pagamento do repasse da metade do valor do botijão que o vendedor não recebeu.

O vale poderia ser até virtual ou por meio de um cartão, mas ainda seria necessário definir a rede de postos de venda que aceitariam tais cartões. Por fim, mesmo com esse longo e complicado processo, que gera custos para o governo, ainda seria impossível garantir que o próprio botijão não fosse vendido em um mercado paralelo. 

Ainda há outros riscos, associados aos revendedores do botijão. A logística complexa de fiscalização implicaria em riscos de glosas nos pagamentos, aumentando o risco de adesão ao programa pelos revendedores e estimulando aumentos de preços para compensar o risco.

Um aumento no benefício do Bolsa Família poderia ter efeito parecido com o que Alckmin pretendeu fazer ao anunciar o vale gás, com menores custos e uma estrutura que já está consolidada. Mas politicamente, o candidato tucano teria problemas em admitir o sucesso de um programa criado durante o governo de seus opositores do PT. 

4) Preço do gás pode subir

O benefício pode ter o efeito indesejado de aumentar o preço do gás. Se parte da população hoje utiliza lenha ou outros meios para aquecer e cozinhar alimentos (segundo Alckmin, 17% da população não tem acesso a gás de cozinha), um aumento rápido da demanda por botijões e com recursos garantidos pelo governo levaria a uma escalada dos preços.

5) Temer tentou subsidiar o gás de botijão, mas projeto não prosperou

No começo de 2018, o governo Michel Temer tentou fazer uma medida parecida e solicitou estudos sobre impactos e custos da medida aos técnicos do Ministério de Minas e Energia e outras pastas da área econômica. A proposta, que também estava em estudo no programa Combustível Brasil (criado com o objetivo de ouvir o setor de combustíveis para pensar em novas regras que permitissem aumento da oferta dos derivados do petróleo), acabou sendo esquecida pelo governo. 

Na época, técnicos estudavam se poderia ser incluído um benefício para compra de botijão dentro do Bolsa Família, que permitiria que o governo eliminasse a prática de preços diferenciados para o GLP, que ocorre ainda hoje. Uma resolução que ainda está vigente determina que o gás de cozinha em botijão de 13 quilos seja mais barato que o mesmo produto a granel, vendido para indústria e comércio. 

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Segundo o relatório final da proposta Combustível Brasil, preparada por técnicos do governo com informações e opiniões dos setores privados e das estatais, caso o governo entenda que vale conceder um subsídio ao gás de cozinha por se tratar de uma política social, isso deveria ser feito “diretamente pelo Estado brasileiro”, com orçamento previsto.

Ou seja, os técnicos avaliavam que não caberia a concessão de um subsídio ao setor ou uma desoneração, por exemplo, que traduzisse isso em menores preços do produto. Para os técnicos, a forma ideal seria prever o valor no Orçamento e consequente repasse para as políticas sociais, como ao Bolsa Família. Ou seja: o mercado manteria seus preços iguais e flutuantes, cabendo ao governo implementar a medida, sem afetar esse mercado. 

Abertura de mercado seria mais eficiente, dizem revendedores

Mesmo os representantes dos revendedores de gás de botijão, que a princípio ganham com a concessão de um dinheiro carimbado pelo governo para que o cidadão compre seus produtos, avaliam que é urgente uma mudança nas regras.

Para eles, seria salutar a criação de um subsídio. Porém, mesmo esses comerciantes questionam se há espaço nos cofres públicos para esse tipo de política e como ela deveria ser feita, para que realmente beneficiasse o consumidor final de baixa renda.

“Até estranhei fazer uma proposta dessa sem saber de onde virão os recursos. Não estamos falando de um pequeno investimento. Estamos vendo muitos aumentos no preço do gás, como o mais recente de R$ 3 a R$ 4 por botijão. Questiono ao governo federal se tem de rever a sua política de preço para o setor, principalmente para o GLP”, disse Alexandre Borjaili. Presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (ASMIRG-BR). 

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Para Borjaili, a abertura de mercado seria a mais importante alteração nas regras atuais do setor de GLP. Com isso, os revendedores poderiam comprar gás de mais distribuidores, e até de outros países. Atualmente, apenas cinco empresas atuam neste segmento no Brasil. Sem uma abertura de mercado, Borjaili teme que qualquer subsídio, caso seja concedido ao longo da cadeia como via redução tributária, seja perdido e não chegue até os revendedores. 

“Se o governo hoje criar qualquer tipo de subsidio, está sujeito a não chegar para o setor. As distribuidoras podem botar no bolso. Se governo não entender onde está o ralo, não adianta”, disse o representante dos varejistas, que argumenta que as distribuidoras tem uma margem de cerca de R$ 15 a cada botijão, quando deveria ser de R$ 5. 

“Teria de ter abertura de mercado, ou o governo tabelar o preço na cadeia toda”, defende. “Mas entendo que abertura de mercado é mais inteligente. Vai trazer produto de mais qualidade e até gerar empregos”, avalia Borjaili. 

Segundo o presidente da associação, os revendedores de gás já defenderam e apresentaram ao governo a criação de um cartão para compra de gás, que não poderia ser usado em outros produtos, que teria crédito. “Gás é um produto de utilidade pública. O governo tem de tomar programas paralelo ao social, mas tem de conter esses abusos”, disse. 

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