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 | Gabriela Korossy/Agência Câmara
| Foto: Gabriela Korossy/Agência Câmara

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) usa verba da Câmara dos Deputados para empregar uma vizinha dele que vende açaí em um distrito a 50 km do centro de Angra Dos Reis (RJ). A servidora tem um comércio na mesma rua onde fica a casa de veraneio do deputado, na pequena Vila Histórica de Mambucaba.

Segundo moradores da região, Wal, como é conhecida, também presta serviços particulares na casa de Bolsonaro, mas tem como principal atividade um comércio, chamado “Wal Açaí”. Walderice Santos da Conceição, 49 anos, figura desde 2003 como uma dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília, recebendo atualmente salário bruto de R$ 1.351,46. Segundo moradores da região, o marido dela, Edenilson, presta serviços de caseiro para Bolsonaro.

O deputado federal mora na Barra Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, e tem desde o final dos anos 90 uma casa de veraneio em Mambucaba. A Folha de S. Paulo falou com moradores da vila, que tem cerca de 1.200 habitantes, segundo a Prefeitura de Angra.

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Foram colhidos quatro relatos gravados de moradores confirmando que o marido de Walderice é o caseiro do imóvel de veraneio de Bolsonaro. As portas do estabelecimento “Wal Açaí”, na mesma rua, foram fechadas às pressas nesta quinta-feira (11) assim que se espalhou a presença de repórteres na região.

Mudança de cargos

Os registros oficiais da Câmara dos Deputados mostram que a secretária parlamentar de Bolsonaro passou nesses 15 anos por uma intensa mudança de cargos no gabinete, foram mais de 30. Em 2011 e 2012 ela alcançou alguns dos melhores cargos – são 25 gradações –, chegando ao topo, SP-25, no segundo semestre de 2012. A função, com salário que pode chegar a R$ 14,3 mil, é normalmente reservada a chefes de gabinete.

A reportagem da Folha esteve em Mambucaba na manhã desta quinta-feira para procurar a funcionária de Bolsonaro. No caminho para a casa de Walderice, a reportagem a viu saindo da casa do deputado, foi chamada, mas pediu “um minutinho” e entrou de volta no local.

Logo depois, um outro vizinho de Bolsonaro abriu a porta convidando a Folha para entrar. “Venham conhecer o homem”. O presidenciável apareceu em seguida, com um outro auxiliar, que estava com o celular gravando a situação.

Quem estava com as chaves era justamente o marido de Wal. “Tem jabuticaba aí, Edenilson?”, perguntou o presidenciável. De acordo com depoimentos colhidos pela Folha, o marido da funcionária de Bolsonaro pintou a casa de veraneio recentemente.

Outro lado

O deputado nega que tenha utilizado dinheiro da Câmara para pagamentos de serviços da casa e que Walderice seja uma funcionária fantasma. Perguntado sobre qual seria o trabalho desempenhado por ela, Bolsonaro respondeu: “Ela reporta a mim ou ao meu chefe de gabinete qualquer problema na região”. “Não tem uma vida constante nisso. É o tempo todo na rua? Não. Ela lê jornais, acompanha o que acontece”.

A reportagem pediu ao presidenciável algum exemplo de serviços parlamentares prestados pela funcionária. “Peraí, ela fala com o chefe de gabinete”, se limitou a dizer. “Como é que eu vou saber? Se eu mantiver um contato diário com meus 15 funcionários, eu não trabalho”.

Bolsonaro foi questionado sobre as diversas movimentações salariais que fez para Walderice ao longo dos quase 15 anos de trabalho prestado. “O que de vez em quando acontece: um funcionário é demitido. Aquela verba que “sobra” então a gente destina para um [outro] funcionário, por pouquíssimo tempo. Tem uma verba fixa para pagar funcionários. Ganha tão pouco, por que não posso dar uma ajuda por dois, três meses?. Em vez de pagar R$ 1.300, paga R$ 1.500 ou R$ 2.000”.

Sobre o marido, Bolsonaro negou que ele seja caseiro da casa, mas afirmou que Edenilson o ajuda na casa, inclusive dando comida para os cachorros. “Não vai querer mover uma ação trabalhista porque ele vem duas ou três vezes por semana aqui.”

Bolsonaro infla em R$ 800 mil economia que diz ter feito na Câmara

A denúncia da funcionária fantasma de Bolsonaro vem à tona na mesma semana em que o deputado divulgou nas redes sociais um número inflado da economia que teria feito aos cofres públicos nos últimos oito anos. O presidenciável publicou na terça-feira (9) uma tabela anual com o total de seus gastos do “cotão”, a verba mensal que cada deputado tem para custeio de atividades relacionadas às suas atividades legislativas.

Com a inscrição “aguardando divulgação por parte da Folha de S.Paulo e demais órgãos de imprensa” e a sua foto de braços cruzados, Bolsonaro afirmou na publicação que teria devolvido aos cofres públicos R$ 1,3 milhão do “cotão”, de 2010 até 2017.

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A Folha checou valores com base em dados oficiais e públicos da Câmara. Na verdade, segundo as informações da Casa, o deputado gastou muito mais do que publicou na tabela. Pelos números da Câmara, o parlamentar consumiu nos oito anos R$ 2,5 milhões do “cotão”, não R$ 1,7 milhão, como publicou nas redes sociais. Com isso, ele deixou de utilizar, na verdade, R$ 486 mil, e não R$ 1,3 milhão como afirmava em sua publicação. A média de “economia” ficou em R$ 61 mil por ano.

Bolsonaro também não “devolveu” nem esse dinheiro, como indicou em sua publicação, já que a Câmara não “credita” valores para que os deputados gastem. Ela, na verdade, reembolsa eventuais custos, mediante apresentação de comprovantes. As despesas referentes a 2017 podem aumentar porque o gabinete tem até este mês de janeiro para prestar contas de dezembro passado.

A cota de exercício da atividade parlamentar é oferecida pela Câmara para custeio de gastos como passagem aérea, alimentação, combustível, aluguel e material de escritório, entre outros, tudo relacionado à atividade parlamentar. No caso de parlamentares do Rio, o cotão é de R$ 35.759.

Outras denúncias

No domingo (7), a Folha publicou que o presidenciável e seus três filhos parlamentares multiplicaram o patrimônio na política, reunindo atualmente 13 imóveis em áreas valorizadas do Rio e de Brasília, com preço de mercado de cerca de R$ 15 milhões.

Na segunda-feira (8), a Folha mostrou que Jair e seu filho Eduardo, também deputado federal, receberam R$ 730 mil de auxílio-moradia da Câmara desde 1995 (Eduardo desde 2015) mesmo tendo apartamento próprio em Brasília.

O auxílio-moradia é pago a deputados que não ocupam apartamentos funcionais no DF. Como há mais deputados do que vagas em imóveis destinados a eles, a Câmara desembolsa para cada um desses, por mês, R$ 4.253.

Há duas formas de pagamento: 1) por meio de reembolso, para quem apresenta recibo de aluguel ou de gasto com hotel em Brasília, 2) ou em espécie, sem necessidade de apresentação de qualquer recibo, mas nesse caso com desconto de 27,5% relativo a Imposto de Renda.

Jair e Eduardo Bolsonaro utilizam essa segunda opção, o que rende mensalmente, para cada um, R$ 3.083. O salário de um deputado federal é de R$ 33,7 mil. O auxílio-moradia pode ser recusado pelos congressistas. Em novembro, 27 dos 513 deputados abriram mão do benefício.

Outro lado

Procurada pela reportagem, a assessoria do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) informou que estava “apurando a falha”. A reportagem perguntou se o parlamentar gostaria de se manifestar sobre as diferenças de valores em relação aos números da Câmara, mas não houve resposta.

Na noite desta terça (9), a equipe do deputado divulgou uma versão reduzida da tabela, com correções.

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