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| Foto: Nelson Almeida / AFP

“Pai Ciro tira seu nome do SPC em três dias”. Foi esse o tom das piadas que circularam na internet no dia seguinte ao debate com os presidenciáveis na Band, realizado na quinta-feira (9). O candidato do PDT à Presidência da República Ciro Gomes tentou lançar uma cartada populista ao prometer limpar o nome de brasileiros que têm dívidas. Mas não explicou como faria isso. Especialista em finanças alerta que, ao tentar resolver um assunto que não pertence ao governo, Ciro pode chegar a um resultado contrário do desejado: crédito mais caro e juros mais altos. 

A proposta do pedetista tem apelo para uma grande fatia da população. Segundo dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 63,4 milhões de brasileiros estão com restrição no CPF, o chamado “nome sujo”. É uma massa importante de pessoas, que representa 41% da população adulta do país, que continua crescendo como reflexo da resistente crise econômica.

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Ciro não deu detalhes de sua proposta durante o debate, mas citou os juros como vilões e disse que tais “abusos” bancários poderiam ser renegociados. Mas a ideia é polêmica e pode ser vista como uma intervenção do governo no papel das instituições financeiras. 

Nesta sexta-feira (10), em evento promovido pelo movimento Todos pela Educação em parceria com a Folha de S.Paulo, Ciro deu alguns detalhes a mais de sua proposta, que passaria por um refinanciamento das dívidas pelos bancos públicos e privados. Para que isso ocorresse, haveria uma “mediação poderosa de um governo que sabe o que está fazendo”. Ele classificou os juros como “desaforos” e criticou o pagamento de juros sobre juros, correção monetária, multas”, que seriam renegociadas pelo governo em nome dos cidadãos.

Reprodução/Facebook

"Você acha que não tem condições de o Banco do Brasil, a Caixa Econômica ou mesmo a rede privada, se eu afrouxar um pouco os compulsórios, de refinanciar R$ 1.400 para você limpar o seu nome do SPC?", afirmou.

No debate da Band, por causa dessa proposta, Ciro chegou a ser ironizado até por seu oponente Jair Bolsonaro (PSL). “Estou curioso. Quero saber. Que você nos diga como tirar esse pessoal do SPC. Acho que não vai ser rodando dinheiro e nem dando uma canetada, até por que não teríamos poder para isso. Estou ansioso”, disse. “Se o Ciro conseguir fazer isso aí, você vai ser um santo”, ironizou.

SPC é vilão ou tem algum papel positivo?

As dívidas que colocam os brasileiros no cadastro negativo do SPC têm todo tipo de origem. Vão desde contas de serviços básicos, como água e luz, até cartões de crédito e crediários em lojas. O cadastro de maus pagadores é apenas uma ferramenta que pode ter um lado positivo: o de ajudar a reduzir o risco dos bancos, o que barateia o custo do crédito para todos que tomam empréstimos ou financiamentos. 

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Marília Fontes, analista da Nord Research, explica que mais da metade do custo das operações bancárias (o spread) é composto pela inadimplência e pelos impostos. Ao mexer com o cadastro do SPC, Ciro estaria tirando essa informação do sistema bancário, que teria de elevar juros para se proteger dos calotes. 

“Com essa informação, o sistema bancário pode dar juros mais baixos para o bom pagador. Se você é um mau pagador, a instituição financeira deve sim ter mecanismos de avisar todo mundo que você é uma pessoa que não paga. As pessoas ficam encarando o banco como se fosse um malvado, e na verdade ele só repassa um serviço, se ele não tiver lucro com isso, ele não vai fazer”, avalia a especialista em investimentos. 

Discurso sedutor aos ouvidos

Em seu discurso na Band, Ciro lançou mão de uma fala próxima ao eleitor, com forte apelo. Ao citar os 63,4 milhões de brasileiros com o nome sujo, culpou os bancos. “Não estou muito preocupado com o responsável por essa tragédia. A dívida é grande de fato. Mas a [dívida] média é de R$ 1.400 por pessoa. Você acha que não dá para gente pegar um conjunto de providências e ajudar essas pessoas, financiando em outros prazos, negociando com os titulares desses créditos que botaram aí juros, correção monetária, ‘abuso’? Eu sei fazer, vou permitir que todos possam duvidar, mas vou dar os detalhes. Fique tranquilo que eu vou tirar seu nome do SPC”, disse, olhando diretamente para a câmera. 

O discurso é sedutor, e se aproxima de outros momentos de intervenção do governo na atividade privada. Como exemplo, Marília cita a forçada redução das tarifas de eletricidade pela presidente Dilma Rousseff em 2013, que acabou causando mais à frente aumentos na conta de luz. 

"É uma visão completamente distorcida de como o sistema financeiro funciona. Mas é um discurso muito atrativo, muito sedutor”, afirmou. “Vimos pelo governo Dilma que quanto mais o governo se mete na vida da gente, mais caro fica pra gente. A Dilma quebrou as empresas elétricas ao baixar a conta e depois pagamos uma conta altíssima”, explica Marília. 

Além de prometer algo mágico, com a renegociação de dívidas, Ciro não prometeu atacar as causas do problema. Sem medidas que resolvam a crise econômica, fatalmente os devedores voltariam a constar no cadastro em um futuro próximo. O problema não é o nome no SPC, mas o que levou o consumidor a perder controle de suas finanças e a não arcar com seus compromissos. 

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Essa não é a primeira vez que Ciro e sua equipe acenam com medidas intervencionistas para tentar resolver problemas. O economista que trabalha com o pedetista, Mauro Benevides, afirmou que está em estudo reduzir o teto da aposentadoria e pensões pelo INSS, dos atuais R$ 5,6 mil para algo em torno de R$ 4,3 mil. Ciro também já acenou com a possibilidade de redução do preço da gasolina. 

Tema é importante para grande parte da população jovem 

A estratégia de Ciro em prometer resolver esse problema não é sem justificativa. Segundo o SPC Brasil, a inadimplência ainda segue subindo e cresceu 1,47% entre julho de 2017 e julho de 2018. Os brasileiros estão com dificuldade de arcar com as contas mais básicas.

O levantamento aponta que o crescimento mais expressivo foi o das contas de serviços básicos, como água e luz, com alta de 7,66% na comparação anual. Em seguida aparece o número de dívidas bancárias, incluindo cartão de crédito, cheque especial, empréstimos, financiamentos e seguros, que subiu 6,9%. 

A maior parte das pessoas que está com o nome sujo tem entre 30 a 49 anos. Mais da metade do total de devedores (51%) está nessa faixa. São cerca de 32 milhões de pessoas. O presidente do SPC Brasil, Roque Pellizzaro, avalia que o desequilíbrio das finanças afeta bastante pessoas nessa faixa etária por ser um momento de construção da vida pessoal e profissional.

“É nessa fase que muitos formam família ou constituem novas uniões, além de buscarem a consolidação do patrimônio. Isso implica em assumir diversos compromissos financeiros e, com as dificuldades que a crise ainda gera, a conta nem sempre fecha no final mês, levando à inadimplência”, analisa, segundo divulgação do SPC Brasil. 

Com o discurso, Ciro também atinge uma grande fatia de eleitores no Sudeste. O SPC calcula que a maior fatia de nomes sujos está nessa região. São 27 milhões de consumidores.

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