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| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo/Arquivo

Sem margem para mais gastos públicos e com a recuperação econômica patinando, o próximo presidente terá pela frente um desafio e tanto. Como não deixar que os avanços sociais do Brasil sumam por causa da crise econômica? De cara, ele precisará lidar com dois problemas. O primeiro é colocar em ordem as próprias contas, a começar pelo engessado orçamento federal, com todos os jabutis colocados pelo Congresso ainda neste ano. O segundo, e mais complexo, é frear o tropeço de milhares de brasileiros, que sem emprego e sem perspectivas, viram sua ascensão social retroceder.

E o país foi de um extremo ao outro no que diz respeito a esse cenário de combate à pobreza. Emprego formal crescendo, salários melhores e programas efetivos de transferência de renda fizeram com que o Brasil conseguisse reduzir a pobreza e a desigualdade de forma consistente na última década e meia, aponta o relatório “Salvaguardas Contra a Reversão dos Ganhos Sociais Durante a Crise Econômica no Brasil”, do Banco Mundial. “Mais de 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014, no entanto, o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo”, pondera o documento.

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E tudo isso apesar de uma crise econômica global que derrubou mercados e arrasou a economia de muitos países entre 2008 e 2009. Se essa “marolinha” não afetou o Brasil naquele período, a onda ganhou força e se tornou a pior recessão econômica da história do país anos depois – de 2014 a 2016, virou um tsunami que tragou empregos, sonhos e a estabilidade. A economia em frangalhos derrubou muita gente (que, sem fonte de renda, viu a ascensão social dar passos para trás), afastou investimentos e evidenciou a incapacidade do governo federal de manter suas contas em ordem.

Para o cientista político Leandro Consentino, do Insper, o grande desafio de qualquer candidato que seja eleito presidente será compatibilizar a situação fiscal das próprias contas e capacidade de atender à população por meio de políticas públicas. “De um lado, temos uma penúria fiscal gigantesca. Não tem dinheiro e isso está claro em todas as esferas doe poder. Por outro, a pressão por política pública continua e está mais exacerbada, porque o brasileiro tente a não ficar mais passivo diante de maus serviços públicos”, avalia.

DESEJOS PARA O BRASIL: Paz social, sem abandono dos necessitados

Crise produziu milhões de “novos” pobres

A profundidade da recessão tem pressionado a rede de proteção social brasileira. Mas, na visão do Banco Mundial, é essa rede que terá papel fundamental para evitar que mais brasileiros caiam na pobreza. Ainda assim, a situação é complicada. Um levantamento de 2017 da Tendências Consultoria Integrada apontou que 4,1 milhões de famílias foram “rebaixadas”: elas deixaram de ser classe C (com renda mensal entre R$ 2,3 mil e R$ 5,5 mil) e voltaram para as classes D/E (com renda mensal de até R$ 2,3 mil). Esse processo, que ocorreu sobretudo entre 2015 e 2016, reverteu toda a mobilidade social ocorrida entre 2006 e 2012.

Em abril deste ano, um levantamento da LCA Consultores, a partir de microdados da Pnad Contínua, do IBGE, mostrou que o número de pessoas em situação de pobreza extrema no Brasil passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões em 2017 – o que significa um aumento de 11%. A consultoria adotou a linha de corte do Banco Mundial, que usa o valor de renda per capita de US$ 1,90 por dia para determinar quem são os miseráveis.

O retrocesso da mobilidade social já aparece nos dados do Bolsa Família. Entre janeiro de 2012 e setembro de 2017, 1,69 milhão de famílias voltaram a receber o benefício do programa, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Esse movimento foi muito mais acentuado a partir de 2015, quando 423,6 mil famílias voltaram para o programa. O ápice foi registrado em 2016: 519,5 mil famílias voltaram a receber ajuda do governo. Em 2017, até setembro, a soma era de 298 mil famílias retornando ao Bolsa Família.

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Recuperação econômica é lenta. E o país não oferece oportunidades aos “novos” pobres

O contingente de “novos” pobres acaba ficando à mercê de um país que não oferece oportunidades. Que a retomada da economia no pós-crise seria complexa não é novidade. Mas poucos esperavam uma recuperação tão lenta e cheia de tropeços, como mostra a retração de quase todos os indicadores de atividade econômica na esteira da paralisação provocada pela greve dos caminhoneiros.

Um desses indicadores são os dados do mercado de trabalho formal, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. Pela primeira vez em 2018, houve mais demissões do que contratações no mercado formal em junho. O desempenho fraco indica que, se continuar nesse ritmo, o país só vai criar 220 mil vagas de trabalho no ano – um quarto da expectativa inicial, que era de criação de 1 milhão de postos de trabalho formal.

“A classe que ascendeu tem uma memória mais fresca de uma situação um pouco melhor. Uma vez que eu estive em um lugar melhor, eu retroceder me traz um trauma muito maior do que nunca ter experimentado esse cenário melhor. E isso pode colocar mais pressão no governo”, aponta Leandro Consentino, cientista político do Insper.

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Cadê a perspectiva? Aumentar gastos sociais será paliativo. Solução é consertar as contas e retomar o crescimento

Sem trabalho, a perspectiva de qualquer fonte de renda é ainda menor. O Banco Mundial alerta que, sem os rendimentos do trabalho desses domicílios mais necessitados, a sustentabilidade dos avanços na redução da pobreza e desigualdade social ficam ameaçadas.

“Aumentos no orçamento da assistência social, e particularmente do Bolsa Família, poderão ser instrumentais para evitar perdas mais severas nos ganhos sociais alcançados na última década. Contudo, o ambiente desafiador da consolidação fiscal prejudica a ampliação do orçamento para a rede de proteção social”, avalia o próprio relatório.

Com as contas públicas do jeito que estão, a possibilidade de mais verbas para os programas de assistência social é remota. A tendência, com o projeto da LOA para 2019, é de reajustes mínimos nessa área. “Programa de transferência de renda é importante? Sim. Mas é paliativo. O que melhora a vida das pessoas é a volta do emprego, a retomada da economia. Se um presidente conseguir melhorar esse cenário econômico, essa pressão diminui”, pondera Consentino. E esse é mais um dos desafios do futuro presidente: receber um orçamento feito por terceiros e executar, o que exigirá ainda mais criatividade para equilibrar essa balança.

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