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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Desde 2014, quando a Operação Lava Jato começou a ganhar as ruas e colocar atrás das grades empresários, funcionários públicos e políticos por causa de atos de corrupção, milhares de brasileiros passaram a defender as investigações com afinco. É comum, ao dar um passeio pela rua, encontrar carros com adesivos de apoio à Lava Jato. Mas os escândalos de corrupção muito provavelmente não serão determinantes na decisão de voto dos proprietários desses veículos – nem de uma parcela muito significativa dos brasileiros. 

Estudos mostram que a ideologia do eleitor pesa mais na hora do voto do que a preocupação com a corrupção possivelmente praticada pelo candidato. Uma série de fatores explica esse comportamento, desde o aumento no número de denúncias (que faz com que o eleitor se sinta perdido e com a impressão de que todos os políticos são iguais) até a alteração da percepção em relação aos escândalos desvendados, de acordo com o direcionamento político de quem interpreta as acusações. 

Pesquisas mostram que o brasileiro acredita que a corrupção é um dos piores problema do país...

A corrupção é apontada atualmente como o maior problema no país em diversos estudos. O Latinobarômetro, pesquisa regional que analisa 20 mil entrevistas realizadas em 18 países da América Latina, traz a corrupção como principal problema do Brasil para 31% dos entrevistados no país. Apenas dois países na América Latina elegeram a corrupção como a principal mazela: Brasil e Colômbia (para 20% dos colombianos). 

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Institutos de pesquisa brasileiros têm chegado a conclusões muito parecidas. Uma pesquisa do Ibope realizada em dezembro de 2017 e divulgada em janeiro deste ano mostra que, entre os principais problemas do país, aparecem o desemprego, para 56% dos brasileiros, seguido pela corrupção (55%) e saúde (47%). Em junho, o Datafolha divulgou um levantamento mostrando a corrupção e a saúde empatadas como principais problemas do país, segundo 18% dos entrevistados. O desemprego ocupa a terceira posição, com 14%, seguido pela violência, com 9%. 

... Mas estudos e a realidade indicam que a corrupção não é motivo para o eleitor excluir alguém de sua lista de preferências

Apesar de o brasileiro reprovar moralmente comportamentos de políticos corruptos, estudos – e a prática – mostram que o envolvimento com corrupção não exclui o candidato da lista de preferências do eleitor. A história está repleta de exemplos práticos que reforçam essa conclusão. 

O ex-presidente Lula (PT) se reelegeu em 2006 apesar do mensalão, escândalo de compra de apoio político no Congresso que estourou um ano antes. Neste ano, até ter tido sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral, Lula também liderava as pesquisas de intenção de voto a presidente, mesmo estando preso por uma condenação na Lava Jato por corrupção. A última pesquisa em que ele apareceu, o levantamento XP/Ipespe divulgado em 7 de setembro, Lula era o primeiro, com 33% contra 22% de Jair Bolsonaro (PSL).

A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) se reelegeu em 2014 apesar da Lava Jato, que começou naquele ano, ter desvendado um gigantesco esquema de corrupção na Petrobras durante seu governo e na gestão de Lula. Além disso, ela só sofreu o impeachment em 2016 porque perdeu o apoio do Congresso. Pesquisa Datafolha com eleitores de Minas Gerais, divulgada em 20 de setembro, mostra que Dilma está em primeiro na disputa pelo Senado, com 29% das intenções de voto. 

Esses são exemplos de ocupantes da Presidência; o Congresso está repleto de outros casos. 

Ciência política tenta explicar relação entre voto e corrupção

O cientista político Lúcio Rennó, professor Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), produziu um artigo analisando a influência da corrupção nas eleições de 2006 – ano em que Lula foi reeleito sob a sombra do mensalão. No estudo, ele chegou à conclusão de que a corrupção alterou o voto de uma parcela pequena do eleitorado no primeiro turno, mas não teve qualquer efeito no segundo turno. No artigo ele afirma, inclusive, que “eleitores que viam a corrupção como problema passaram a apoiar Lula” no segundo turno. 

Em entrevista à Gazeta do Povo, Rennó afirma que o PT, de fato, perdeu uma parte do eleitorado em 2006, mas não uma parcela significativa. “A gente está falando, naquelas eleições, de 4% a 5% dos votos”, afirma o professor. 

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Rennó, porém, faz uma ponderação. Para ele, ainda é cedo para afirmar categoricamente que essa parcela, mesmo pequena, não seja suficiente para punir nas urnas candidatos com suspeitas de corrupção. “Nossas eleições têm sido muito concorridas. As diferenças de primeiro e segundo colocado no segundo turno nunca são muito grandes. Esse eleitorado pequeno, provavelmente pode ter crescido por conta da visibilidade da corrupção nesses últimos anos com a Lava Jato”, explica. 

Corrupção é tão generalizada que eleitor não consegue separar o joio do trigo

Para o cientista político Carlos Pereira, que também estuda a relação entre a corrupção e o voto, a percepção de que a corrupção é generalizada diminui o impacto que a denúncia tem sobre o comportamento de voto. “A corrupção é relevante no cenário porque hoje a intolerância a ela é muito alta no Brasil e o eleitor identifica a corrupção como um dos temas mais importantes. Mas a dificuldade de diferenciar quem é e quem não é [corrupto] faz com que o tópico da corrupção não seja decisivo para o voto do eleitor”, diz o pesquisador. 

Para Rennó, o alto número de escândalos de corrupção dos últimos anos pode fazer com que o tema deixe de ser decisivo na hora de escolher um candidato, uma vez que na visão do eleitor todos os políticos estão envolvidos em irregularidades. “De certa forma, essa disseminação de uma visão negativa da classe política como um todo, que cresceu muito nos últimos anos, curiosamente pode servir para atenuar o impacto da corrupção no voto. Porque o eleitor pode pensar que todos são iguais e que isso não é mais um diferencial”, explica. 

Ideologia tende a ser mais importante na hora do voto do que corrupção

Para os especialistas, outros fatores influenciam mais no voto do que o repúdio à corrupção, e o eleitor tende a ser mais complacente com candidatos que pensam como ele. “A gente lê os fatos novos – e os escândalos de corrupção são um fato novo – a partir daquilo que já orienta nosso comportamento.E a postura ideológica é um filtro que afeta como o eleitor interpreta [as denúncias de corrupção]”, explica Rennó. 

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Em uma dissertação de mestrado orientada por Rennó, o cientista político Igor Calvet analisou os determinantes do voto, a corrupção e o impacto eleitoral nas eleições presidenciais de 2002 a 2010. Calvet chegou à conclusão que os eleitores “reprovam o comportamento corrupto do candidato ou do partido, mas, por outro lado, mantêm suas posições ideológicas”. 

Ao analisar a eleição de 2006, Rennó levantou outro ponto mais determinante para o voto do que a corrupção: o pragmatismo do eleitor. “O desempenho do governo Lula em outras áreas e sentimentos quanto ao PT foram mais importantes e serviram de escudos para protegê-lo das acusações de corrupção”, concluiu o cientista político. 

Saiba quais fatores psicológicos explicam a tolerância à corrupção

Pelo menos dois fatores psicológicos explicam a tolerância do eleitor com a corrupção, diz o cientista político Carlos Pereira. O primeiro é o famoso ditado “rouba, mas faz”, atribuído a políticos como Paulo Maluf (PP-SP), que enfrenta escândalos de corrupção desde a década de 1980 e, apesar disso, seguiu sendo reeleito para a Câmara dos Deputados. “O rouba, mas faz’ é um dos mecanismos psicológicos que ajudam o eleitor a lidar com a dor de votar no político corrupto”, explica Pereira.

Outro mecanismo, segundo o especialista, é a alteração na percepção do eleitor. “Quando a identidade ideológica é muito grande entre o político corrupto e o eleitor, o eleitor tende a minorar o malfeito e o efeito do malfeito. O eleitor minora o malfeito como forma de lidar com a dor. Ou seja, tem muitos outros corruptos mais fortes que o meu corrupto. Logo, o meu corrupto é menos ‘grave’ do que o corrupto dos outros”, diz o cientista político.

Para o eleitor, condenação por corrupção pesa mais que denúncias 

Em seu artigo sobre a eleição de 2006, o cientista político Lúcio Rennó destaca que Lula foi reeleito apesar do mensalão, mas faz uma ressalva que pode ser importante para entender como a corrupção pode ou não ser determinante na eleição deste ano. “Como tudo se colocou no condicional, houve margem ao acusado para alegações de inocência e de perseguição”, concluiu o cientista político. 

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Neste ano, o ex-presidente Lula está preso por uma condenação na Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro. “Minhas pesquisas indicam que, quando ocorre condenação judicial, a percentagem de eleitores, mesmo ideologicamente congruentes com o político corrupto, tendem a abandoná-lo. Uma pequena parcela é que permanece”, analisa Pereira. 

Porém, as pesquisas de intenção de voto destas eleições mostraram Lula na liderança até a candidatura dele ser cassada. O motivo, segundo Rennó, pode ser a construção do PT da narrativa de perseguição política ao ex-presidente. “Há uma certa controvérsia, por parte significativa do eleitorado, de que Lula foi preso injustamente”, diz. 

Já a força-tarefa da Lava Jato aposta que 2018 será um ponto de virada na política brasileira e acredita que os eleitores serão capazes de fazer “uma limpa” e punir candidatos envolvidos em escândalos de corrupção. Procuradores do Ministério Público, inclusive, endossam uma campanha encabeçada pela Fundação Getúlio Vargas contra a corrupção, que propõe que candidatos se comprometam com uma lista de medidas contra a corrupção a serem defendidas no Congresso na próxima legislatura. Para apoiar a campanha, há critérios de ficha limpa, candidatos que tenham um histórico de integridade, um passado limpo e compromisso democrático e com os direitos fundamentais. 

Combate à corrupção não é prioridade – nem para o eleitor

Os mesmos institutos de pesquisa brasileiros que mostram a corrupção como um dos principais problemas do país também revelam que o combate aos desvios de dinheiro público não é uma prioridade para o eleitor. A pesquisa Ibope que apontou a corrupção como o mais grave problema para 55% dos brasileiros mostra, por exemplo, que o enfrentamento desse tipo de crime está longe de ser defendido como prioridade. O combate à corrupção aparece em 7.º lugar na lista de prioridades do brasileiro, atrás de melhoria dos serviços de saúde, de aumentar o salário mínimo, controlar a inflação, reduzir impostos e promover a geração de empregos e de melhorar a qualidade da educação. 

A pesquisa Datafolha de junho, que mostrou que a corrupção é o maior problema do país junto com saúde (para 18% dos brasileiros), também revelou que o combate a esse tipo de crime só deve ser prioridade do próximo presidente para 2% dos eleitores. A lista de prioridades é encabeçada por saúde (41%), seguida por educação (20%), desemprego (8%), violência (7%) e economia (5%). 

Metodologia das pesquisas citadas na reportagem

A pesquisa Ibope divulgada em janeiro deste ano, que apontou a corrupção como um dos piores problemas do Brasil, entrevistou 2 mil brasileiros em 127 municípios do país entre 7 e 10 de dezembro de 2017. 

O levantamento do Datafolha divulgado em junho, que mediu os principais problemas do país, foi realizado entre os dias 6 e 7 de junho de 2018, com 2.824 entrevistados em 174 municípios. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, considerando um nível de confiança de 95%. O registro no TSE é BR 05110/2018. 

A última pesquisa em que Lula apareceu como candidato, realizada pelo XP/Ipespe de 3 a 5 de setembro de 2018, ouviu 2.000 entrevistados em todo o Brasil, por telefone. O levantamento foi contratato pela XP Investimento. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, com grau de confiança de 95%. O registro no TSE e BR-00339/2018.

A pesquisa sobre a eleição para o Senado em Minas Gerais foi realizada pelo Datafolha de 18 a 19 de setembro de 2018 com 1.302 entrevistados no estado. Foi contratada pela Rede Globo e Folha de S.Paulo. A margem de erro é de 3 pontos percentuais e o grau de confiança, de 95%. Registro no TSE: MG-04289/2018. 

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