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| Foto: Vanderelei Aimeida/AFP

“Vamos privatizar as estatais.” Esse tem sido o mantra de muitos candidatos à Presidência da República de direita e centro-direita. Basta começar o período eleitoral para que o tema das privatizações volte ao debate. A alegada pouca eficiência das empresas públicas e a pecha de servirem como antros de corrupção fazem delas parte da estratégia de conquista de votos. Mas nem é bem assim. Mesmo os nomes mais liberais reconhecem que certas estatais – em geral, as maiores – não vão ser vendidas se eles se elegerem.

E, dentre boa parte dos candidatos da esquerda e centro-esquerda que costumam criticar as privatizações, essa posição na verdade também não é tão radical. Tanto que o PT, quando esteve no governo, promoveu privatizações. E hoje admite promover concessões de serviços públicos e firmar parcerias público-privadas - que são criticadas por setores da esquerda por serem, no entendimento deles, uma forma de privatização.

Envolvida em gigantesco esquema de corrupção, Petrobras raramente é citada como empresa a ser privatizada

Centro do maior escândalo de corrupção da história do Brasil, desvendado pela Operação Lava Jato, a Petrobras raramente é citada pelos candidatos entre as empresas públicas que deveriam ser vendidas à iniciativa privada. Geraldo Alckmin (PSDB) disse, em fevereiro deste ano, que poderia privatizá-la. Depois voltou atrás e afirmou que poderia privatizar partes da empresa, não seu núcleo central.

Do mesmo modo, Jair Bolsonaro (PSL) afirma que pretende criar no país uma economia genuinamente liberal e que é a favor de privatizar estatais. Mas ele contemporiza quando o assunto é se desfazer da Petrobras, embora seu guru da economia, o economista Paulo Guedes, se declare a favor da venda da petrolífera.

Assim como o candidato tucano, Bolsonaro declarou, logo depois de ter sua candidatura homologada na convenção do partido, em 22 de julho, que poderá vender “partes” da Petrobras, mas não “o miolo”. Mas a posição do candidato do PSL é confusa. Durante entrevista à Globo News, dias depois, Bolsonaro admitiu que pode, sim, vender a Petrobras à iniciativa privada, embora diga que não gostaria de privatizá-la. “Entendo que a Petrobras é estratégica, por isso não gostaria de privatizar, esse é o sentimento meu. Agora, se não tiver solução, não tiver um acordo, não vai ter outro caminho.”

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Alvaro Dias (Podemos) afirma ser favorável a vender quase todas as estatais. Mas marcou posição contra a ideia de vender a Petrobras à iniciativa privada, bem como a Eletrobras. Até agora, o único candidato de direita que defendeu abertamente a venda de todas as estatais brasileiras foi João Amoêdo, do Partido Novo. “Nós [do Novo] achamos que o Estado não tem de ter nenhuma empresa. Somos favoráveis à privatização do Banco do Brasil, da Caixa, da Petrobras. (...) Não teríamos nenhum problema com a privatização dessas empresas consideradas ícones”, disse à Gazeta do Povo em novembro de 2017.

Dentre os candidatos de partidos grandes, Henrique Meirelles (MDB) é um dos mais favoráveis às privatizações. Ele foi ministro da Fazenda do governo Temer - que tem um plano de privatizações que inclui, por exemplo, a venda da Eletrobras. Meirelles também já declarou ser favorável à “pulverização” da participação do governo federal na Petrobras, no Banco do Brasil e na Caixa. Mas fez ressalvas à privatização dos bancos públicos, pois acredita que há risco de o comprador ser outro banco brasileiro, o que reduziria a concorrência.

Candidatos de esquerda discursam contra as privatizações. Mas o PT pretende usar PPPs e concessões públicas

Marina Silva (Rede), candidata mais à centro-esquerda, afirma não ter “dogma contra privatizações”. Mas diz ser especificamente contra privatizar a Petrobras.

Lula (PT) diz ser contrário à venda das empresas públicas do Brasil – embora os governos do PT tenham promovido privatizações, caso dos aeroportos e de estradas ( que nesse caso, tecnicamente, são concessões). Em junho deste ano ele usou sua conta no Twitter para afirmar que vai “acabar com a farra das privatizações e da entrega do patrimônio nacional”. “Com a força do povo, vamos reverter tudo que estão fazendo contra nossa gente, contra os trabalhadores e contra o país. O Brasil vai voltar a ser dos brasileiros”, disse.

Fernando Haddad (PT), apontado como o possível substituto de Lula no pleito de outubro e que está coordenando o plano de governo do partido, também vem atacando a agenda de privatizações. Contudo, em 2015 ele havia afirmado ser a favor de privatizações, desde que elas tragam benefícios para a população.

Enquanto foi prefeito de São Paulo, Haddad usou concessões de serviços públicos para empresas particulares e parcerias público-privadas (PPP) em algumas áreas de atuação do governo municipal. Ele também declarou recentemente que o PT, caso volte à Presidência, pretende lançar um plano de concessões de serviços públicos à iniciativa privada e de PPPs –mecanismos criticados por setores da esquerda, que entendem que são privatizações disfarçadas.

Candidato de centro-esquerda pelo PDT, Ciro Gomes disse em maio, quando foi sabatinado pelo UOL, que é contra a privatização de empresas como a Petrobras e a Eletrobras.

O candidato de esquerda mais radicalmente contra as privatizações é Guilherme Boulos (PSol). Além disso, ela fala inclusive em reestatizar alguns setores e serviços que foram privatizados, caso da transmissão de energia elétrica.

O lado bom e o lado ruim das privatizações

Defender as privatizações como solução para as estatais é uma agenda antiga que, vira e mexe, volta à baila. A chamada “Era das Privatizações” teve seu auge durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1995 e 2002. Algumas delas foram bem-sucedidas ao democratizar o acesso de bens e serviços à população e ao melhorar a qualidade. Foi o caso da privatização das telecomunicações, que facilitou o acesso dos consumidores a uma linha telefônica. E das concessões de rodovias, que melhorou as estradas.

Mas o assunto não deixa de ser polêmico. Muitos dos serviços privatizados são considerados caros demais pelos consumidores. Nem sempre os padrões de qualidade de atendimento do cidadão pelas empresas é o ideal. E pairam sobre vários processos de privatização suspeitas de corrupção. Isso já rendeu até livro, “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., lançado em 2011, que traz uma série de denúncias de corrupção envolvendo a política de privatizações do governo de FHC. Já a Lava Jato, por exemplo, levantou suspeitas em privatizações de aeroportos nas gestões do PT na Presidência.

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Interesses políticos e econômicos explicam por que governantes não querem privatizar tudo

Para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, o grande número de estatais mantidas pela União pode ser sinal de interesse político. Isso porque, em boa parte das 144 estatais federais, as diretorias são compostas por nomes indicados diretamente pelo presidente. Ele diz que é preciso avaliar “até que ponto as estatais são cabides políticos, ou criadas para ampliar os elos com políticos e autoridades”. “É preciso mapear as que têm uma finalidade.”

Manter grandes estatais – como a Caixa Econômica, a Petrobras e o Banco do Brasil – também serve a objetivos econômicos, segundo o cientista político e professor do grupo Uninter Doacir Quadros. “Toda a estabilidade de um governo no aspecto político depende da estabilidade econômica do país. E essas instituições são centrais no processo de manter a estabilidade econômica.”

Doacir Quadros afirma que, em alguns setores, a privatização contribui para a redução dos gastos e o aumento da eficiência da máquina pública. Mas, para ele, quando se trata de áreas centrais da economia, privatizar não é interessante. “O governo perde o controle sobre essas instituições e fica à mercê de interesses privados.”

Mas o cientista político reconhece que essas empresas também servem para que o governo mantenha apoio político, indicando nomes estratégicos para seus cargos mais importantes. “Esses postos de importância nas estatais têm sido utilizados a partir de acordos firmados para manter a coalização no governo.” No entanto, o cientista político lembra do caso da ex-presidente Dilma Roussef. “Se observarmos, o afastamento da Dilma se deu sobretudo num contexto em que o desempenho econômico estava paralisado. Isso cria uma fragilidade do governo.”

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Corrupção é uma dos motivos que embasam o argumento em favor das privatizações

Uma das razões alegadas para que se queira vender as estatais à iniciativa privada é para acabar com a corrupção. Ao longo dos anos as empresas públicas vêm se envolvendo em casos graves de corrupção. Aconteceu com os Correios, com o Banco do Brasil e, claro, com a Petrobras, só para citar algumas. A sensação é de que, quando as operações ilícitas se dão em uma estatal, elas são muito mais estruturadas.

“Os fatos mostram que a corrupção é maior nas estatais do que na administração direta [governo federal]. A meu ver isso aconteceu porque as estatais movimentam atualmente praticamente R$ 1 trilhão”, diz Gil Castello Branco.

Na avaliação do economista, a grande quantidade de dinheiro e a dificuldade de fiscalizar as operações dessas empresas atraem pessoas mal intencionadas. Isso acontece, para ele, mesmo quando as estatais são preservadas de indicações políticas. “A meu ver, [os políticos e os corruptores do setor privado] passaram a cooptar funcionários que já ocupavam cargos de direção, que conheciam a estrutura da empresa e que teriam mais facilidade que alguém que acabou de entrar. No caso dos escândalos recentes, quase todos os envolvidos eram funcionários de carreira.”

Doacir Quadros lembra, porém, que recentemente houve grandes empresas privadas que também estiveram envolvidas em corrupção. “É o que acompanhamos nos escândalos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, por exemplo. No caso da Odebrecht, é uma estrutura de corrupção que vem caminhando desde o governo Fernando Henrique Cardoso e que também se mostrou muito bem estruturada.”

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