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Lula no dia em que se entregou à PF. | Suamy Beydou/Estadão Conteúdo
Lula no dia em que se entregou à PF.| Foto: Suamy Beydou/Estadão Conteúdo

O PT e a militância favorável ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistem em argumentar que a prisão dele é política. Mas o que define se um processo de prisão é político ou não? Lula é um preso político ou apenas um político preso?

A declaração de que o ex-presidente é um preso político vem sendo repetida desde que ele foi preso, em 7 de abril, e a militância pró-Lula tenta convencer de que não há motivação jurídica para a prisão. Em um vídeo gravado para apoiar Lula, o compositor e cantor Gilberto Gil repete essa pergunta e afirma acreditar que Lula é as duas coisas ao mesmo tempo.

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Por que Lula seria político preso: porque pode recorrer à Justiça e mantém atuação política

O ex-presidente está sendo processado há quase dois anos no caso do tríplex (o juiz Sergio Moro aceitou a denúncia em setembro de 2016), e até os detalhes de sua prisão foram negociados, para que ele se entregasse no dia 7 de abril. Com uma equipe de advogados de renome, que levou o caso até o Supremo Tribunal Federal (STF) com recursos e questionamentos, fica enfraquecida a tese de prisão por motivos políticos.

Há outros argumentos para dizer que Lula é um político preso. O ex-presidente, enquanto não foi condenado em segunda instância, manteve-se ativo politicamente, participando de caravanas e revestindo seus atos como gestos políticos. Mesmo agora, preso, o seu partido insiste que ele disputará as eleições deste ano. É um político.

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Mas classificar sua prisão como política, como tenta o PT, é uma argumentação que esbarra em fragilidades. Lula está preso após condenação por um crime comum, o que afasta a tese de que sua prisão tem motivos políticos. Ele foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, dois crimes comuns e que não são diretamente relacionados a uma atuação política.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ligado ao PSDB e que apoiou a criação do Partido dos Trabalhadores e o início da vida política de Lula, é categórico: Lula não é preso político. “Ele não está sendo processado pelo que fez politicamente. O PT está dizendo: é um preso político. Não é. É um político preso. A narrativa do PT é de preso político. Se fosse, eu estaria protestando. É preso por outras razões”, afirmou FHC, em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Por que Lula seria preso político: motivações da condenação teriam sido políticas

Não há uma definição exata sobre o que seria um preso político. Algumas características de uma prisão política são, segundo a ONG Anistia Internacional, a falta de um processo em todas as suas fases para apresentar provas, com espaço de defesa e julgamento claro.

Durante o cumprimento da pena, é um direito do condenado ter acesso a visitas e contato com o mundo fora da prisão. A ONG atua em países em conflitos políticos, onde são comuns as prisões por motivação política, contra opositores dos regimes no poder.

Pela atuação política de Lula é que defensores do ex-presidente afirmam que sua prisão também pode ser entendida como uma prisão por motivos políticos. O advogado Patrick Mariano, integrante da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), avalia que para se definir se uma condenação ou prisão é política, é preciso entender quais são as motivações. “Há muitas nulidades no processo contra Lula. Com qual finalidade esse processo transcorreu com essas nulidades e falhas? É algo arbitrário ou um autoritarismo que tem finalidade política?”, questionou.

Para o advogado, o princípio de presunção da inocência e o direito de permanecer livre até o trânsito em julgado (quando se esgotam as possibilidades de apresentar recursos a tribunais superiores) foram os dois maiores erros do processo contra Lula. Ele também aponta que a condenação tem como prova principal o depoimento de um outro réu, em delação premiada, o que seria outra grave falha.

“Para identificar se uma prisão é política ou não é preciso olhar dentro de um processo histórico. A prisão pode ser considerada política porque compõe um enredo de fatos que estão interligados desde o impedimento de Dilma Rouseff, pela disputa do poder no Brasil”, avalia.

Prisão por crime comum e com direito de defesa difere da prisão política nos anos 1980

A legislação brasileira sobre prisões por motivação política é recente e se baseia nas condenações e mortes ocorridas durante a ditadura militar. Com base nessa lei é que foram concedidos os benefícios de anistia política ou aposentadoria para anistiados, como é o caso do ex-presidente Lula, que teve reconhecido o caráter político de sua prisão em 1980.

A Lei 10.559, de 2002, define que se caracteriza uma punição por motivo político, para fins de anistia, aquelas ocorridas entre 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação “exclusivamente política”. Algumas características definem as prisões políticas: foram embasadas nos Atos Institucionais da ditadura; a pena foi cumprida em local diferente de onde o detento exercia sua atividade profissional; houve como punição a perda de emprego; e a condenação se baseou em atos de exceção; entre outros pontos.

Em 1980, encarceramento de Lula foi considerado prisão política

A prisão de Lula em 1980, quando era líder do movimento sindical em São Bernardo do Campo (SP), foi confirmada como sendo motivada por questões políticas, sem embasamento legal ou processo justo. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que não havia mandado de prisão contra o então sindicalista, que passou 31 dias na prisão. Em seu depoimento à comissão, em 2014, Lula relata os momentos que antecederam sua prisão, durante uma greve dos metalúrgicos.

Ele conta que era vigiado devido à sua liderança no movimento sindical. “Mas eles me vigiavam em cinema. A gente notava que eles ‘tavam’ vigiando a gente. Às vezes, eu parava num bar e ia para uma assembleia. a gente (...) notava que eles estavam lá. Sabe? Às vezes, disfarçados iam no bar do sindicato, lá no Bar da Tia, onde a gente bebia. Eles chegavam lá, como se fosse [clientes] e ficavam lá. Eles passaram, na minha casa, por exemplo. Eles paravam a perua lá na porta de casa e passavam a noite na porta de casa, às vezes, pra encher o saco. A Marisa fazia café e mandava levar pra eles. A peãozada queria tocar fogo na perua e eu não deixava tocar”, disse à Comissão Nacional da Verdade.

Em uma operação, diversos militantes de oposição à ditadura foram presos no mesmo dia, entre eles Lula. “É engraçado, porque alguns chegaram de cueca lá, chegaram de calção de dormir, de short. O meu irmão, Frei Chico, não quiseram deixar ele colocar nada... Ele chegou lá com o calção que ele dormia, ou seja, todo mundo. Na casa do Djalma, cortaram até a luz. Na minha casa, ‘tava’ o Geraldo Siqueira e o Frei Beto, aí quando ele bateram na porta, o Frei Beto falou: ‘Oh, a Polícia tá aí.’ Aí eu saí dali, não tinha nem lavado o rosto ainda. Eu falei: ‘Espera que eu vou me trocar.’ Espera, não pode esperar. Eu voltei pra dentro de casa e fui me trocar, eu vou fazer o que”, disse Lula.

Mesmo durante aquele período, no qual foi preso sem mandado, sem condenação judicial – indícios de uma prisão política – Lula conta que teve direito a visitação e contato com o mundo exterior (o que, se não fosse autorizado, são indícios de um processo injusto e possivelmente político, de acordo com a Anistia Internacional). O ex-presidente deixou o cárcere para visitar sua mãe que estava com câncer.

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