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| Foto: Nelson Almeida/AFP

O Comitê de Direitos Humanos da ONU emitiu um comunicado nesta sexta-feira (17) solicitando ao Estado Brasileiro que tome “todas as medidas necessárias” para permitir que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado na Operação Lava Jato, “desfrute e exercite seus direitos políticos como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido politico”.

O colegiado das Nações Unidas pede ainda ao Estado para “não impedir” que Lula concorra nas eleições “até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final”.

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O comitê concluiu que os fatos relatados pela defesa na petição apresentada no dia 27 de julho de 2018 “indicam a existência de possível dano irreparável aos direitos do autor [Lula]” previstos no artigo 25 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. O formulador do pedido foi o defensor do petista na ONU, Geoffrey Robertson.

A declaração não entra no mérito da culpa ou não do ex-presidente nos processos em que foi condenado, já que o caso será julgado apenas em 2019. Pede apenas que os direitos políticos dele sejam mantidos até que o processo tenha se encerrado. Mas deu munição para reforçar o discurso do PT de que Lula é vítima de perseguição política com a finalidade de tirá-lo do jogo eleitoral.

Liminar ou recomendação?

A defesa de Lula trata a decisão da ONU como uma “liminar”, que deve ser imediatamente cumprida, mas o Itamaraty, em nota, se manifestou de outra forma, afirmando que a decisão é apenas uma “recomendação”. Para a diplomacia brasileira, a deliberação do comitê “tem caráter de recomendação e não possui efeito juridicamente vinculante.” Ou seja, o Brasil não é obrigado a adotá-las.

O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, no Twitter, defendeu a atuação das instituições brasileiras nas eleições e disse que a delegação do Brasil em Genebra tomou conhecimento, “sem qualquer aviso ou pedido de informação prévios”, da deliberação do comitê. Segundo informa, o grupo da ONU é composto “não por países, mas por peritos que exercem a função em sua capacidade pessoal”.

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Mas disse que as recomendações do comitê serão encaminhadas ao Poder Judiciário brasileiro. “O Brasil é fiel cumpridor do Pacto de Direitos Civis e Políticos. Os princípios nele inscritos de igualdade diante da lei, de respeito ao devido processo legal e de direito à ampla defesa e ao contraditório são também princípios constitucionais brasileiros, implementados com zelo e absoluta independência pelo Poder Judiciário”, conclui.

Comandante do Ministério das Relações Exteriores durante nove anos e meio nos governos petistas, o ex-chanceler Celso Amorim classificou como lamentável a nota do Itamaraty. Segundo ele, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos assinado pelo Brasil tem força normativa. “A liminar tem que ser cumprida. O pacto assinado pelo Brasil foi internalizado. Faz parte da lei brasileira.”

“O Brasil tem duas opções: cumprir a decisão ou se tornar um pária internacional, um país que está a margem da lei internacional”, declarou. Amorim diz que a tramitação do pacto revela a força de lei. “O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU que o Brasil assinou é um pacto geral. Existe um protocolo adicional, que o país não era obrigado a assinar, em que o país aceita a jurisdição do comitê. O Brasil aceitou essa jurisdição”, diz Amorim, que participou da entrevista coletiva convocada pelos advogados de Lula para comentar a decisão do Comitê da ONU.

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Membros da entidade entendem que o Brasil, como signatário das convenções, têm "obrigação em seguir as orientações do órgão". "Se isso não ocorrer, os membros do Comitê devem incluir esse comportamento em seu relatório final, que será publicado em 2019. Peritos indicaram que a resposta do governo pode pesar nas considerações finais" acrescenta reportagem. 

O ex-secretário de Estado de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro, também se juntou aos advogados de Lula e disse que, se os órgãos brasileiros não cumprirem a solicitação do comitê, o país passará por um “vexame total”. “Não desqualifiquem essa liminar porque será um ato de total estupidez de entendimento de um tratado internacional”, reforçou Pinheiro. Ele classificou a nota do Itamaraty como “absolutamente constrangedora”.

Pinheiro, que atualmente preside a comissão da ONU de investigação sobre a Síria, cita que o país seguidamente reconheceu a autoridade do Comitê de Direitos Humanos do órgão. Ele afirma que o órgão é formado por 18 experts, eleitos pela Assembleia Geral da ONU.

O comitê ainda deve discutir o mérito das alegações da defesa de Lula, que recorreram ao órgão internacional afirmando que o processo que levou o ex-presidente à condenação e à prisão é ilegal e tem “violações grosseiras” contra direitos do petista. “Espero que fiquem comprovadas as violações grosseiras que vêm sendo cometidas”, disse a advogada Valeska Martins.

Os advogados de Lula dizem ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) já se manifestou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em outra ocasião, sobre a “obrigatoriedade” das decisões emitidas por um órgão internacional.

Para a banca de defensores, não é necessária nenhuma ação judicial para pedir o cumprimento da solicitação das Nações Unidas. Os advogados reforçaram apenas que cabe ao Itamaraty encaminhar o assunto a todos os órgãos responsáveis por processos relacionados ao ex-presidente Lula.

O que dizem os especialistas

Site especializado em notícias jurídicas, o Jota foi por um outro caminho. Especialistas ouvidos falam em "reprovação moral junto à comunidade internacional". 

"O caso do Lula está sub júdice no STJ e no TSE. Está havendo uma usurpação do Comitê em relação à jurisdição nacional. O Brasil é que agora poderá denunciar o Comitê junto à Assembleia Geral da ONU pelo abuso dessa decisão”, afirmou ao Jota o juiz federal Alexandre Vidigal, que é doutor em Direito-Estudos Avançados de Direitos Fundamentais. Para Vidigal, trata-se muito mais uma repercussão política que de qualquer outra natureza. 

Ainda no Jota, o professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Rodrigo Brandão avaliou que "deve prevalecer é um diálogo entre os tribunais nacionais e os tribunais internacionais. Para ele, não é correto dizer que um ou outro deva ter a última palavra". 

O UOL destacou esse mesmo entendimento. O portal de notícias informou que ouviu especialista no ano passado, quando do processo da defesa de Lula contra o juiz Sérgio Moro na ONU, e a conclusão foi "de que o efeito prático de uma decisão do comitê seria político". "O efeito prático seria político, um subsídio para ele usar nos processos no Brasil", disse o advogado e mestre em direito internacional José Nantala Bádue Freire na ocasião. 

Entenda o pacto

O pacto para os Direitos Civis e Políticos com o comitê entrou em vigor em 1992. Mais tarde, em 2009, o Senado, presidido por José Sarney (MDB), ratificou protocolo opcional sobre o assunto. 

O texto do documento diz que "Estados Partes do Pacto que se tornem partes do presente Protocolo reconhecem que o Comitê tem competência para receber e examinar comunicações provenientes de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de uma violação, por esses Estados Partes, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto". 

A decisão liminar afirma que o comitê "determinou ao Estado brasileiro que tome todas as medidas necessárias para permitir que o autor [Lula] desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo o acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido político". 

A Vara de Execuções Penais de Curitiba, à qual Lula está subordinado, tem negado pedidos de entrevista com o petista e o Ministério Público Federal do Paraná questionou a indicação de políticos como Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann como advogados do ex-presidente alegando que ele tem usado a prisão como espaço para articulações eleitorais. 

Segundo a defesa de Lula, "por meio do Decreto nº 6.949/2009 o Brasil incorporou ao ordenamento jurídico pátrio o Protocolo Facultativo que reconhece a jurisdição do Comitê de Direitos Humanos da ONU e a obrigatoriedade de suas decisões". 

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No comunicado emitido nesta sexta-feira em Genebra o órgão solicita que esse direito "inclua o acesso apropriado à imprensa e membros de seu partido político".  "O Comitê também solicita ao Brasil que não o impeça de concorrer às eleições para presidente em 2018, até que seus recursos diante das cortes tenham sido completados em processos jurídicos justos", declarou a ONU no comunicado. 

De acordo com a nota, o pedido se refere a medidas provisórias, concedidas ao candidato. Seu processo na ONU, porém, apenas será tratado em 2019, de acordo com a entidade. "Essa solicitação não significa que o Comitê concluiu ainda que existiam violações - trata-se de medidas urgentes para preservar os direitos de Lula, enquanto o mérito do caso continua em consideração", explicou. "Isso ocorreria no ano que vem", disse. 

Em maio, a ONU havia rejeitado um outro pedido dos advogados de Lula. O Comitê de Direitos Humanos negou sua solicitação para que sua prisão fosse evitada, como parte de medidas cautelares. "O Comitê de Direitos Humanos não concederá medidas cautelares no caso de Lula da Silva", declarou a porta-voz de Direitos Humanos da ONU, Julia Gronnevet, em maio de 2018. 

"Baseada na informação que recebeu, o Comitê não pode concluir que existe um risco de um dano irreparável nesse momento", declarou a ONU em um comunicado naquele momento, que insiste que não avaliou a substância ainda da queixa original da defesa de Lula.

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