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Favreto e Moro: decisões criticadas. | Fotos: Divulgação/TRF-4 e Marcelo Camargo/Agência Brasil
Favreto e Moro: decisões criticadas.| Foto: Fotos: Divulgação/TRF-4 e Marcelo Camargo/Agência Brasil

A queda de braço de juízes no pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que terminou com o petista preso – fere a credibilidade do Poder Judiciário, traz insegurança jurídica e desestabiliza a democracia, dizem especialistas em Direito ouvidos pela reportagem.

Eles criticaram a forma como o processo foi conduzido pelos magistrados e afirmam que o embate fragiliza a instituição. A avaliação, no entanto, não é unânime. Há quem veja que o juiz federal Sergio Moro agiu corretamente ao ignorar a decisão do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que mandou soltar Lula.

“Quem errou mais não sei, mas quem perdeu foi a estabilidade necessária para a democracia”, diz Joaquim Falcão, professor da FGV Direito Rio e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Estou preocupado com os efeitos desestabilizadores para a economia a partir dessa instabilidade judicial”, afirma.

Apesar de o desembargador plantonista poder julgar um pedido de habeas corpus em fim de semana, um fato novo deveria fundamentar a urgência da concessão de liberdade. O fato novo alegado pelo magistrado foi a pré-candidatura de Lula – que, no entanto, foi lançada há mais de cinco meses, em 25 de janeiro, durante reunião da Comissão Executiva Nacional do partido, em São Paulo, um dia depois de ele ser condenado pelo TRF-4.

Os deputados federais Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, todos do PT, alegaram ao plantonista que Lula está impedido de participar de pré-campanha para a Presidência. O argumento foi acatado por Favreto.

Para Falcão, “é a primeira vez em nossa história em que o Judiciário interfere não pelas normas em julgamentos eleitorais, mas pelas suas ações no cotidiano”. Isso acontece, segundo ele, porque a corrupção é um fator decisivo de voto para uma parcela grande da população, “e quem é gestor da corrupção é o Judiciário”.

De acordo com o professor de direito da USP Luciano Anderson de Souza, o argumento dos deputados é questionável. “Não me parece um fato novo que justifique [a concessão de] habeas corpus”, diz. Segundo ele, já era sabido que Lula tem a intenção de disputar a eleição presidencial deste ano, mesmo condenado em segunda instância pela caso do tríplex de Guarujá (SP) e preso em Curitiba.

Embora considere os argumentos fracos, Souza afirma que não compete ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal da capital paranaense, descumprir a sentença. “[A decisão de Moro, de não cumprir a soltura] traz insegurança. Prejudica a imagem do Judiciário e não gera comprometimento com a sentença. Fica perante a sociedade uma imagem de desconfiança”, afirma.

O fato novo – a participação de Lula em sabatinas e entrevistas – defendido pelos autores do habeas corpus também é rebatido por Luiz Guilherme Conci, professor de direito da PUC-SP. “Não é uma fundamentação usual.”

Para o professor, porém, a decisão deveria ser contestada nas instâncias superiores, e não por Moro e João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4. “O Judiciário está em uma situação delicada e, com essas decisões, ela só é aprofundada”, diz. “É uma espécie de anarquia.”

A professora de direito da USP Maristela Basso diz que, na teoria, Favreto tem responsabilidade para julgar um habeas corpus. “Contudo, o caso já foi decidido por outro juiz”, afirma. A decisão do juiz plantonista, nesse sentido, segundo ela, afronta o princípio da boa-fé processual e também do devido processo legal.

“Ele tem competência [jurisdicional], mas não tem legitimidade. Isso compromete a instituição porque revela um Judiciário acéfalo”, diz Basso ao se referir ao limbo jurídico criado pela sequência de decisões. “É uma desordem no Judiciário, e o pior é o bate-boca entre os colegas”, afirma a professora. Para Basso, Favreto pode ser acusado do crime de usurpação de função pública.

Questionado sobre a decisão monocrática e o ativismo judicial, Falcão critica a militância do juiz plantonista. “A questão não é o ativismo do Judiciário, mas a militância do magistrado. E a militância é um subproduto da fragmentação e da individualização da Justiça, cujo exemplo básico vem de cima, do Supremo Tribunal Federal”, afirma Falcão.

O teor político da decisão, para Basso, justifica mudanças na forma de indicação do quinto constitucional nos tribunais de segunda instância – as vagas destinadas a profissionais oriundos da advocacia. “Precisa acabar com esta politicagem [de indicação]. O melhor caminho é submeter o advogado a concurso”, afirma a professora.

Especialista em Processo Penal diz que Moro acertou porque ‘ninguém é obrigado a cumprir decisão ilegal’

Especialista em Processo Penal, o desembargador Guilherme de Souza Nucci, do Tribunal de Justiça de São Paulo, disse que o juiz Sérgio Moro agiu corretamente ao negar o alvará de soltura de Lula. Leia a entrevista:

Um desembargador de plantão pode decidir um habeas corpus apesar de não pertencer à Turma preventa (responsável por um processo, no caso, a 8ª Turma do TRF-4). Quem seria o magistrado competente para se manifestar durante um plantão?

Esse caso só virou essa novela porque, no Brasil, todo mundo acha que manda. O plantão judiciário – de primeiro ou segundo grau – serve apenas e tão somente para questões urgentes, decorrentes de fatos novos. Exemplo: o juiz de primeiro grau acabou de decretar preventiva ou temporária. Assim, para não esperar o próximo dia útil, o defensor vai ao plantão. Havendo Câmara preventa, a regra é que o plantonista não se meta. Até por cortesia profissional e ética.

Um habeas corpus não deve ser dado só quando há urgência e flagrante ilegalidade?

Excepcionalmente, havendo fato novo, o advogado impetra novo habeas corpus. O plantonista, com muita cautela, analisa. Em caráter excepcional pode tomar providência, como a soltura. Nada disso aconteceu no caso Lula.

Ao se negar a expedir o alvará, Moro agiu segundo o princípio de que não é obrigado a obedecer ordem manifestamente ilegal?

Correto. Como regra, ninguém é obrigado a cumprir decisão ilegal de qualquer autoridade. Logo, Moro agiu corretamente ao dizer que o plantonista não é competente para o caso. Aliás, devia ter dito que nem ele é. Essa decisão foi uma “barbaridade jurídica”, que empobrece a imagem do Judiciário.

Se quem mandou prender Lula foi a 8ª Turma do TRF-4, o juízo competente para o habeas corpus seria o Superior Tribunal de Justiça em vez do plantonista?

A decisão de prisão partiu da Turma do TRF-4. Então, questionamentos devem seguir para o STJ e, depois, para o STF. Plantonista não pode mudar decisão de colegiado. Jamais.

Cabe abertura de processo administrativo para apurar a conduta do desembargador Rogério Favreto, que quis soltar Lula?

Eu abriria. Mas...

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