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 | Marcelo Elias/Arquivo/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Elias/Arquivo/Gazeta do Povo

Com o objetivo de reduzir o déficit fiscal e garantir o pagamento das aposentadorias no futuro, parte dos pré-candidatos à Presidência da República começa a apresentar ideias de reforma da Previdência. Uma proposta que vem sendo citada por pelo menos três presidenciáveis é a mudança do regime atual, de repartição, para a capitalização, modelo adotado pelos fundos de pensão. A ideia, já implementada no Chile, traz uma série de desafios sobre como ser executada, já que tem um alto custo de transição – e alguém vai precisar pagar essa conta.

O sistema atual de Previdência Social funciona sob o modelo de repartição, ou seja, as aposentadorias são pagas pelos trabalhadores da ativa. Isso quer dizer que o dinheiro que é recolhido dos trabalhadores é usado imediatamente para pagar a aposentadoria de quem já tem direito a receber o benefício. A lógica é a do pacto solidário entre as gerações: hoje, eu financio o pagamento da aposentadoria de quem já aposentou; amanhã, será a vez de uma nova geração bancar a minha aposentadoria.

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O problema é que essa conta não fecha mais. O dinheiro que é recolhido pela Previdência não cobre os gastos, ou seja, o total de dinheiro que é pago aos aposentados. Isso resulta no chamado déficit da Previdência. Então, o governo acaba bancando essa diferença para garantir o pagamento da aposentadoria a todos, o que aumenta o déficit fiscal e piora as contas públicas.

E a conta da Previdência não fecha mais por causa de alguns motivos. Em linha geral, o número de aposentados está crescendo e a expectativa de vida também. Já o número de pessoas que trabalham formalmente e recolhem para a Previdência não está conseguindo acompanhar essa tendência de envelhecimento e longevidade da população. Por isso, diz-se que em longo prazo o atual sistema é insustentável, precisando de um reforma para garantir o pagamento das aposentadorias.

Como funciona o sistema de capitalização

Os pré-candidatos Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) defendem a adoção total ou parcial do sistema de capitalização. No regime de capitalização, não há mais o pacto de gerações. O dinheiro que o contribuinte recolhe (e a empresa também) é aplicado em uma conta (fundo) individual para aquela pessoa. O montante também é aplicado ao longo dos anos pelo administrador do fundo para que gere juros, evitando assim a corrosão pela inflação.

Depois, quando é atingida a idade mínima para aposentadoria, o contribuinte começa a sacar o dinheiro que ele mesmo e sua empresa recolheram, corrigido por juros. A lógica é da poupança: contribuo hoje para sacar o dinheiro que recolhi quando me aposentar.

Entre as vantagens desse sistema, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, estão o incentivo à poupança e o fato de o governo não precisar mais ficar cobrindo possíveis déficits do sistema. “Uma vez que você consiga fazer a migração, você nunca mais vai precisar fazer a reforma da Previdência. E, em tese, ele estimula as pessoas a contribuírem”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre.

Nos países em que foi adotado, caso do Chile, o sistema também conta com renda mínima para quem não conseguiu contribuir ao longo do tempo, o que garante a manutenção do caráter social da aposentadoria.

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A principal desvantagem é a necessidade de recolher uma alíquota elevada se o trabalhador quiser retirar um valor alto lá na frente. “No regime de repartição simples, existe o benefício definido, ou seja, o governo vai pagar o que a lei manda no fim da aposentadoria. Se não tiver recurso suficiente, governo precisa complementar. Já na capitalização, o valor é recolhido para um fundo pessoal. O governo não tem a obrigação de complementar se o valor da aposentadoria ficou muito baixo”, explica o economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas e previdência.

Santo acrescenta outro ponto negativo: “É um sistema muito dependente da taxa de juros, já que o dinheiro do fundo vai ser aplicado ao longo dos anos. Se [a taxa de juros] está baixa, o rendimento passa a ser baixo”.

O desafio da transição

Apesar de ter algumas vantagens e isentar o governo de ficar cobrindo possíveis déficits, implantar um sistema de capitalização da Previdência não é tarefa simples. Há um sistema atual em vigor, o de repartição, com milhões de aposentados e de pessoas que já começaram a contribuir pelas regras atuais. Por isso, se quem vencer as eleições defender uma reforma estrutural na Previdência, será preciso fazer a transição do sistema atual para o novo. E para isso há um custo.

A principal questão é como pagar quem já se aposentou. Pelo sistema atual, as contribuições feitas pelos trabalhadores da ativa mais os aportes do Tesouro pagam os aposentados. Se todo mundo que hoje trabalha formalmente migrar para a capitalização (ou seja, recolher para si mesmo), sobraria para o Tesouro pagar a aposentadoria dos mais velhos, algo que custaria até 2,5 vezes o Produto Interno Bruto (PIB), nos cálculos do economista Darcy Santos.

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Uma das soluções, nesse caso, é fazer uma segregação das massas. Ou seja, definir quem fica no regime antigo e ajuda a pagar aposentadoria dos mais velhos e quem vai para o novo. Ainda assim, a União teria de fazer aportes para bancar as aposentadorias do sistema antigo enquantos os aposentados estiverem vivos.

Há, ainda, o problema de quem já começou a contribuir para o sistema atual. Será necessário definir uma linha de corte para ver quem fica no sistema atual, de repartição, e quem vai para o novo, de capitalização. E, no caso daqueles que forem para o novo, como compensar essas pessoas em razão do que elas já contribuíram.

Para bancar transição, governo precisaria arrumar dinheiro

Com isso, se o novo presidente quiser mesmo fazer a transição de regime, vai precisar arrumar mais dinheiro. Há, para isso, segundo os economistas consultados pela reportagem, duas formas: aumentar imposto ou emitir títulos da dívida pública. Se o governo decidir aumentar impostos, a conta será paga pela atual geração. Se emitir títulos, vai onerar as gerações futuras.

“Temos um sistema de repartição que funciona há muito tempo. Se você partir para o regime de capitalização, tem o problema de financiar o longo período de transição. Serão pelo menos duas décadas de despesas crescentes, porque você vai ter uma receita que vai diminuir [pessoas vão contribuir para si mesmas, e não mais para bancar quem já se aposentou], mas você vai precisar continuar pagando os aposentados [aqueles que já se aposentaram ou vierem a se aposentar pelo regime antigo]. Para financiar isso, teria que fazer um imposto crescente nos próximos 15, 20 anos cuja magnitude é mais ou menos a de criar uma nova CPMF a cada ano”, diz o economista e especialista em previdência Paulo Tafner.

Ele acrescenta outros desafios à transição: a administração do fundo de capitalização e o risco de captura. “O sistema vai ser centralizado no governo? Ou ele vai abrir para o setor privado operar”, questiona Tafner. “O governo estará montando um fundo com um caminhão de dinheiro. Claro que há um risco de captura lá na frente por parte de um governo populista. Isso é poupança de um trabalhador de uma vida inteira.”

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