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Caixa Econômica Federal cobra 1% ao ano para fazer a gestão de recursos do FGTS. | Aniele Nascimento    /    Gazeta do Povo
Caixa Econômica Federal cobra 1% ao ano para fazer a gestão de recursos do FGTS.| Foto: Aniele Nascimento /    Gazeta do Povo

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) quer permitir que cada trabalhador possa escolher onde aplicar sua fatia de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A dúvida é: como fazer isso? Técnicos da equipe do candidato a presidente da República estudam alterações. 

A ideia principal, noticiada pelo “O Globo”, é estimular o trabalhador a deixar seu dinheiro no FGTS e criar mais formas de destinar os recursos para financiamentos de longo prazo nos setores de infraestrutura. 

Ainda não há detalhes da proposta, mas seriam mantidas as regras de saque (como em caso de demissão) e também a contribuição feita mensalmente ao fundo, de 8% sobre a remuneração do trabalhador, compulsória. 

‘Ao gosto do freguês’

A expectativa é que o tipo de investimento seria definido pelo cotista, em uma plataforma similar à do Tesouro Direto (programa que permite às pessoas físicas investirem na dívida pública federal, com diversos tipos de títulos, a depender do tipo de rentabilidade desejada), segundo noticiou o jornal.

Pela proposta em análise pela campanha do PSL, os investimentos seriam isentos de impostos sobre os ganhos, e poderiam ser feitos em títulos para financiar infraestrutura, ou em ações ou ainda em fundos. Não foi detalhada se seria feita mudança na multa do FGTS, hoje de 40%, paga pelo empregador em caso de demissão sem justa causa. 

A reforma do FGTS é um assunto polêmico e vem sendo debatida por alguns candidatos desde antes do início oficial da campanha presidencial. Entre os pontos problemáticos no modelo atual estão a baixa remuneração (que chega a perder para a inflação, sem gerar ganhos reais aos trabalhadores) e as regras para saque, que tiram da mão do trabalhador o poder de decidir sobre o próprio dinheiro. 

Mais prós que contras

Sócio-diretor da Prevue Consultoria, Alexander Souza destaca que modernizar as regras pode permitir que os trabalhadores melhorem a rentabilidade dos recursos depositados no FGTS. Essa abordagem aproxima o modelo de planos de previdência privada. 

“Estamos diante de uma proposta embrionária, ainda no campo das ideias, que, a princípio, se mostra extremamente favorável aos trabalhadores, especialmente, quando comparada à situação atual. Porém, pode ser sofisticada demais para grande parte da população brasileira”, afirmou Souza. 

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Quem administraria as contas também ainda não foi explicado pela campanha de Bolsonaro. O especialista em previdência e investimentos chama atenção para esse ponto. Com a mudança do modelo, o ideal seria que a administração dos recursos bilionários fosse pulverizada entre os gestores de fundos de investimentos do mercado, retirando o atual monopólio da Caixa Econômica Federal, que cobra 1% ao ano para gerir o FGTS.

“Isso daria espaço à competitividade do mercado e consequentemente à redução dos custos de administração, resultando em maior retorno e acúmulo de recursos por parte dos trabalhadores”, avalia Souza. 

Reinserção rápida no mercado

A proposta de criação de contas individuais de FGTS ou de seguro-desemprego (já que ambas têm propósitos similares, o de proteger o trabalhador caso perca o emprego) já existe em outros países, em modelo análogo ao que vem sendo defendido por Bolsonaro para a Previdência Social

O modelo de contas individuais para proteger o desempregado tem como vantagem aumentar o incentivo para que ele busque um novo emprego o mais rápido possível. Essa é uma das conclusões da nota técnica “FGTS e fundos individuais de seguro-desemprego: análise comparativa entre países e efeitos no mercado de trabalho”, publicada em outubro de 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso porque, ao ser demitido, o trabalhador começa a consumir o saldo que ele mesmo depositou, reduzindo seu valor total de poupança. 

Henry Milleo/Gazeta do Povo

Um dos problemas desse tipo de fundo é a redução da proteção aos trabalhadores que ganham menos, destaca o estudo do Ipea:

“A principal crítica que se faz a esses fundos é a de que tais programas não fornecem suficiente proteção aos trabalhadores, em particular para os menos qualificados, que tendem a ter menor densidade de contribuição (e, portanto, menos poupança) e a ter períodos mais frequentes de desemprego (mesmo que sejam mais curtos) em relação aos outros trabalhadores”. 

Redução salarial em outros países

O Ipea analisou como funciona o fundo por contas individuais em outros países. Entre 183 países estudados, a maioria não adota o sistema de contas individuais, prevalecendo o seguro-desemprego (42% dos países analisados) e a multa por demissão para o empregador (77% dos analisados; em alguns os dois regimes são adotados, caso do Brasil). 

O Chile é um dos países que adota a conta individual. Ao ser demitido, caso o trabalhador não tenha saldo suficiente, ele pode ter acesso a um fundo solidário, disponibilizado para os trabalhadores menos qualificados e de menor renda. 

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A pesquisa chama atenção para um ponto: os beneficiários que utilizam somente fundos de contas individuais encontram emprego mais rapidamente do que os que usam o fundo solidário, o que teria um efeito favorável aos empregadores, com redução dos salários. Isso teria ocorrido no Chile, segundo a pesquisa. Ao acelerar a busca por empregos, para evitar consumir grande parte dos seus saldos, os trabalhadores aceitam propostas salariais mais baixas. 

Na Colômbia, a medida também reduziu os salários. “A introdução do sistema dos fundos de contas individuais, em 1990, permitiu que as empresas repassassem de 75% a 87% das contribuições aos trabalhadores via redução de salários. O estudo ainda sugere que o novo sistema gerou aumento no número de demissões e de contratações ao mesmo tempo”, afirma o Ipea, no estudo. 

Baixa remuneração: o maior desafio 

O especialista em investimentos Alexander Souza avalia que para os trabalhadores apenas uma correção da atual forma de remuneração dos recursos depositados no FGTS, com a adoção de uma correção pela inflação mais uma taxa de juros real, já seria eficaz para trazer mais benefícios. 

Essa foi a proposta do candidato Geraldo Alckmin (PSDB) que ficou com 4,76% dos votos. O tucano propôs a correção dos saldos do FGTS pela nova Taxa de Juros de Longo Prazo, a TLP, atualmente em 6,84% ao ano, porcentagem acima da inflação estimada e garantindo ganhos reais. 

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Atualmente, os recursos depositados no FGTS são remunerados em 3% ao ano, mais a variação da Taxa Referencial (TR) dos bancos. Historicamente, o retorno do FGTS sempre ficou abaixo da inflação. Ou seja, o dinheiro fica menor com o passar do tempo depositado no FGTS e o trabalhador teria mais ganhos se tais valores pudessem estar depositados em outros investimentos, até mesmo na caderneta de poupança. Em 2016, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 6,29%, enquanto a remuneração do fundo foi de 5,01%.

O Ministério do Planejamento calcula que entre 2010 e 2015 a perda acumulada no FGTS foi de 18,81%, em valores que os trabalhadores perderam ao deixarem seu dinheiro compulsoriamente preso no fundo. Segundo o ministério, em 2016 o rendimento real do FGTS foi de apenas 0,81%, e isso porque foi feita uma alteração na lei que permitiu a distribuição de metade do lucro do fundo entre os cotistas. Mesmo assim, o trabalhador perdeu 1,2 ponto percentual do que poderia ter ganhado se tivesse deixado os recursos na caderneta de poupança. 

Para onde vai o dinheiro

A proposta da equipe de Bolsonaro teria como fator positivo manter a destinação dos recursos depositados para financiar setores estratégicos da economia, como as obras de infraestrutura. Atualmente, o FGTS é administrado por um conselho curador, composto por entidades sindicais que representam os trabalhadores, confederações que representam os empregadores e representantes do governo federal. 

O conselho define onde serão aplicados os recursos bilionários do fundo, que vão, por exemplo, para financiar projetos como as obras do Minha Casa Minha Vida. A operação do processo é feita pela Caixa Econômica Federal. O especialista em investimentos Alexander Souza alerta para um ponto de cautela que a mudança proposta por Bolsonaro requer: o governo pode perder fontes de recursos:

“Dependendo da forma como os recursos serão disponibilizados para aplicação dos trabalhadores e da escolha dos ativos onde serão alocados, o governo poderá perder uma significativa fonte de financiamento de obras de habitação, saneamento e infraestrutura urbana, com reflexos sobre o setor da construção civil, que tem importância fundamental na geração de emprego e desenvolvimento da economia”. 

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O volume de recursos de todas as contas do FGTS somou, em 2016, R$ 397 bilhões, em 760,1 milhões de contas. Naquele ano, foram depositados R$ 119 bilhões e sacados R$ 108,8 bilhões (62% desse total devido a demissões sem justa causa). 

Segundo o Ministério do Trabalho, em 2017 foram destinados a financiamento de obras de habitação, saneamento e infraestrutura do país R$ 56,3 bilhões do FGTS. Desse total, R$ 53,2 bilhões foram destinados à habitação, principalmente ao programa popular Minha Casa Minha Vida, que ficou com 85,7% de todo o montante destinado a essa área.

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