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| Foto: Mauro Pimentel/AFP

Luiz Inácio Lula da Silva rendeu-se à Operação Lava Jato quase 50 horas após decretada sua prisão, para início de cumprimento da pena de 12 anos e 1 mês, em regime fechado, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso triplex do Guarujá (SP).

Com o mandado expedido às 17h50 da quinta-feira, 5 de abril, pelo juiz federal Sergio Fernando Moro – dos processos originários da Lava Jato –, a Polícia Federal buscou o petista no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP).

Eram 18h46 quando o petista deixou o prédio onde ficou aquartelado desde que soube da ordem judicial. Caminhando seguiu para uma gráfica onde entrou em uma viatura preta descaracterizada. Homens do Comando de Operações Táticas (COT), o batalhão de elite da PF que é acionado em situações excepcionais, aguardava para seguir em comboio, em forte esquema de segurança, digno de chefe de Estado, ao seu compromisso com a Justiça.

Eram 20h46 quando Lula seguiu em um avião do aeroporto de Congonhas, com destino a Curitiba, berço da Lava Jato, onde uma sala reservada na Superintendência da PF para seu encarceramento, espécie de sala de Estado-maior, segundo Moro, o esperava. Carregando a própria mala onde levou as roupas que usará como detento, embarcou em uma aeronave de pequeno porte.

O roteiro da mais emblemática prisão das 227 decretadas por Moro nos quatro anos de Lava Jato foi o ponto final do processo do triplex: em que o ex-presidente foi condenado por ter recebido R$ 3,2 milhões em propinas da OAS em reformas e equipamentos no imóvel, que seria propriedade do petista oculta em nome da empresa.

Condenado no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, a segunda instância da Lava Jato, em dia 24 de janeiro, a corte determinou a execução provisória da pena, assim que esgotados os recursos na Corte – o que ocorreu em 26 de março. O cumprimento da ordem, no entanto, ficou suspenso até o último dia 5, por força de habeas corpus movido pela defesa do ex-presidente no Supremo Tribunal Federal (STF). Com sua rejeição, foi dado o “cumpra-se” para a PF.

Negociação foi difícil e problemática

Por força da “dignidade do cargo que ocupou”, o juiz da Lava Jatou deu 24 horas para o ex-presidente se entregar voluntariamente em Curitiba. Vencido o prazo, às 17h01 da sexta-feira (6), a PF tinha em mãos a ordem para cumprir o decreto no momento que entendesse oportuno, caso o petista não honrasse o acordado nas tratativas abertas na véspera da rendição. Não o fez.

Por intermédio do superintendente da PF em São Paulo, Disney Rossetti, os emissários de Lula – o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o deputado Wadih Damous e o ex-deputado Sigmaringa Seixas – iniciaram tratativas com o comando da polícia do Paraná para a rendição. Um contato feito no meio da tarde de sexta, quando o prazo se esgotava, sob uma perspectiva distinta da estipulada no despacho da Justiça de 24 horas para uma apresentação voluntária.

O que era para ser os acertos finais de operacionalização da chegada do ex-presidente, para espontaneamente se entregar à Justiça, virou uma negociação por condições da rendição e a forma de tratamento dispensada a ele. Aos 72 anos Lula busca – ou buscava – um terceiro mandato, encabeça um movimento de fortes ataques à Lava Jato e seus artífices e é alvo ainda de outros processos e investigações.

Por isso, nas decisões de Lula pesaram de um lado a questão política, de outro, a jurídica. O ex-presidente não queria passar a imagem de que foi subjugado pelo juiz Sergio Moro, preocupado com as repercussões eleitorais e históricas, mas foi alertado por advogados que “o jogo não acaba agora”.

Direito a um último discurso

Do segundo andar da PF em Curitiba, o superintendente do Paraná, Maurício Valeixo, e o chefe da Lava Jato, Igor Romário de Paula, discutiram os termos da rendição, seguindo tratativas até pelo menos as 21 horas da quinta. O dia terminou com a definição de que o condenado se entregaria, sob condições que terminariam de ser “ajustadas” na manhã de sábado.

A principal delas, aceita pela polícia: que participasse de uma celebração religiosa em memória da ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu em fevereiro de 2017, marcada para as 9h30, na sede do sindicato, e o direito de fazer seu último discurso, transformado em comício – em que atacou Moro, o Ministério Público Federal, a PF e a imprensa.

A exposição de sua imagem durante a prisão foi outra exigência colocada nas tratativas dos emissários de Lula com a PF, nessa histórica rendição do mais importante presidente do Brasil, desde a redemocratização.

Lula exigiu que a polícia não fizesse exposição de sua imagem à imprensa, no ato da rendição e na transferência. Pediu ainda carros descaracterizados para fazer sua escolta do sindicato até à superintendência da PF, em São Paulo, de onde foi de helicóptero para Congonhas, e que não houvesse policiais fortemente armados o conduzindo.

No mês em que completa 38 anos que foi preso pela primeira vez – a primeira foi em 19 de abril de 1980 – pelo regime militar como líder sindical, Lula tentou resistir à prisão até onde pôde.

No último comício antes de voltar para a cadeia, dessa vez alvo de um processo legal, acusado de corrupção e lavagem, o petista atacou o suposto “sonho” da Lava Jato e de órgãos da imprensa de ver a “foto de Lula preso”. Segundo ele, “tanto o TRF-4, quanto o Moro, a Lava Jato e a Globo” têm como “sonho de consumo” que “Lula não possa ser candidato a presidente da República em 2018” e “a fotografia do Lula preso”.

Foi quando declarou oficialmente aos apoiadores que cercavam o sindicato desde a quinta-feira, em um cordão de isolamento humano montado para evitar a prisão do petista, que se entregaria.

Preocupação anterior

Mais importante réu da Lava Jato, a preocupação com a exposição da imagem de Lula, no entanto, antecedeu os pedidos dos emissários do ex-presidente. O tema era tratado desde a escolha pela PF como local onde o petista deveria se apresentar, assim que fosse executada a sentença do TRF-4. O uso de algemas, por exemplo, foi impedido por ordem de Moro no despacho.

A escolha da sala para encarcerar o petista também envolveu a preocupação com a imagem do condenado. Durante os meses de fevereiro e março, equipes da PF avaliaram a possibilidade de uso de uma sala no andar da Custódia – o segundo piso do prédio – onde ficam os presos, afastado, que poderia ser usado como sala de Estado Maior. A exigência era ter banheiro, sem grades de cela, ou outro equipamento ostensivo de contensão. O local deixou de ser opção exatamente por ser de maior acesso público e ter risco de exposição da imagem.

A alternativa encontrada, no quarto andar, antigo alojamento de policiais, foi considerada pelo comando do grupo que discutia o assunto como ideal, entre outras coisas, por ser isolado do prédio e ter menor risco de exposição da imagem de Lula.

O ex-presidente chegou pelo heliponto e entrou direto ao cárcere. Não teve que passar por guaritas, corredores, nem se expor ao público. Foi a primeira vez nos quatro anos de Lava Jato que o deslocamento do aeroporto para o prédio no bairro Santa Cândida foi feito via aérea.

A sala em que Lula está é bem diferente de uma cela. É um dormitório simples, com banheiro próprio, pia, privada, uma cama com colchão e um armário embutido. Tem cerca de 15 metros quadrados. É um ambiente espartano, não há distrações, mas também, bem diferente do frio e do cinza empoeirado da carceragem, onde dormem dois ex-companheiros de partido e governo: o ex-ministro Antonio Palocci e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.

Promessa de noites frias

Num ponto elevado de Curitiba, as noites são frias no Santa Cândida, onde está a PF. Pela manhã deste domingo (8), Lula, o mais novo preso da Lava Jato, tomará o primeiro desjejum dos presos: café com leite e pão com manteiga. Se dormirá, não se pode dizer ainda. A região é silenciosa em dias normais e, de onde ficará, internamente é impossível se ouvir o ronco e os sons noturnos dos demais presos – os comuns.

“Quase todos os presos falam durante a noite e deliram”, diz Alieksandr Pietróvitch, personagem – e assassino confesso da própria mulher – que o escritor russo Fiódor Dostoiévski em Memórias da Casa dos Mortos para narrar um dos períodos mais sombrios de sua vida: os quatro anos de prisão na Sibéria, depois de ter sido condenado ao fuzilamento por suas ideias “revolucionarias” e escapar da morte faltando minutos de execução da pena – convertida em trabalho forçado na prisão.

Para Lula, é certo que o barulho de curiosos que cercam a PF, à espreita de seu encarceramento, as quase 50 horas de resistência e os minutos finais da rendição, são sons que ecoaram ainda por algumas noites na sala especial reservado ao petista, que aos 72 anos, passou sua primeira noite na prisão da Lava Jato.

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