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Dilma Rousseff e Hugo Chávez, que morreu em 2013. | Pedro Ladeira/AFP
Dilma Rousseff e Hugo Chávez, que morreu em 2013.| Foto: Pedro Ladeira/AFP

O caos econômico e social por que passa a Venezuela reabriu o debate sobre a capacidade real de o país de Nicolás Maduro cumprir as dívidas que tem com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Hoje, o saldo devedor da Venezuela com o BNDES é de US$ 710 milhões (R$ 2,662 bilhões, pelo câmbio desta terça-feira, dia 27). Desta quantia, US$ 126 milhões (R$ 472 milhões) correspondem a parcelas que já estão em atraso.

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O risco de calote é reconhecido pelo BNDES. O banco pode recorrer, em caso de prejuízo comprovado, ao Fundo de Garantia à Exportação (FGE), gerenciado pelo Ministério da Fazenda e que funciona como um seguro.

O débito corresponde a quatro projetos: obras para uma linha no metrô de Caracas, para uma linha no metrô de Los Teques, cidade a 30 quilômetros da capital venezuelana, e as construções de uma usina siderúrgica e de um estaleiro. Os dois primeiros empreendimentos estão a cargo da Odebrecht, e os restantes, da Andrade Gutierrez – ambas as empresas estão envolvidas na operação Lava Jato. Todos os empréstimos foram efetuados pelo BNDES quando o Brasil estava sob o comando do PT: a operação da siderúrgica foi fechada durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, e as demais, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff.

A saída do PT da Presidência, com o impeachment de Dilma em 2016, correspondeu também a uma alteração na política do BNDES para os empréstimos a países estrangeiros. Saiu a visão mais “expansionista” das gestões petistas, que tinha como meta um fortalecimento das empresas brasileiras no exterior, e entrou no lugar uma postura mais cautelosa.

Em setembro de 2016, o então presidente do banco, Dyogo Oliveira, disse que os empréstimos a Venezuela - e a Cuba, que também tem problemas com os empréstimos - “provavelmente não deveriam ter sido feitos, mas agora temos que ir atrás do dinheiro”.

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Também em 2016, na gestão de Michel Temer, o BNDES anunciou novas regras para as operações internacionais. Segundo o banco, as diretrizes implantadas passariam a considerar aspectos como a “análise do projeto como um todo, efetividade e economicidade” e “a conformidade com as práticas internacionais de contratação” - em relação a este último aspecto, o banco menciona explicitamente o objetivo de “coibir financiamentos”. Desde maio daquele ano, os repasses para projetos na Venezuela estão suspensos.

Crítico frequente das relações das gestões petistas com Venezuela e Cuba, o presidente Jair Bolsonaro apresentou, em seu programa de governo na campanha do ano passado, a meta de fazer com que o BNDES se posicione principalmente como um agente nos processos de privatização. “O BNDES deverá retornar à centralidade em um processo de desestatização mais ágil e robusto, atuando como um “Banco de Investimentos” da União e garantindo que alcancemos o máximo de valor pelos ativos públicos”, aponta o plano de Bolsonaro. O texto também diz, no campo sobre política externa, que “não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais”.

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Na posse do presidente atual do banco, Joaquim Levy, o ministro Paulo Guedes (Economia) também criticou a atuação do BNDES sob as gestões anteriores. Segundo Guedes, o banco fez “projetos econômicos estranhos do ponto de vista de retorno de capital, estranhos do ponto de vista político, estranhos do ponto de vista de quem é o beneficiário”. “Achamos que isso distorce a economia, derruba a taxa de crescimento, transfere renda perversamente”, falou Guedes, em 7 de janeiro. Levy foi ministro da Fazenda em 2015, no início do segundo mandato de Dilma Rousseff.

O que são as operações internacionais do BNDES?

Além da Venezuela, o BNDES tem operações recentes atualmente em outros 13 países: Costa Rica, Cuba, Argentina, República Dominicana, Honduras, México, Paraguai, Peru, Guatemala e Equador, na América, e Gana, Angola, e Moçambique, na África.

Nos projetos internacionais, o banco não “dá dinheiro” e nem chega a emprestar diretamente as verbas a outros países. As operações obedecem a seguinte rotina: empresas brasileiras que querem prestar serviços no exterior procuram o banco e apresentam os projetos em que desejam participar. O BNDES então repassa o recurso à companhia nacional, para que ela preste os serviços, e o pagamento do empréstimo é feito pelo governo do país estrangeiro. É nesta etapa em que estão ocorrendo os calotes e atrasos atuais.

O objetivo do BNDES ao efetuar os empréstimos é fortalecer as empresas nacionais, o que, segundo o banco, faz “gerar emprego e renda no Brasil”. “Quando financia as exportações de uma empresa brasileira de engenharia para obras no exterior, o BNDES exige que todos os bens e serviços apoiados sejam de origem brasileira”, aponta texto no site do banco.

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Embora tenham sido impulsionados nas gestões petistas, os projetos internacionais já existiam durante governos anteriores. Em 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, uma operação que garantiu recursos para o metrô de Caracas foi fechada, na casa de US$ 107,5 mi.

Disputa política

Ao longo dos últimos anos, o BNDES se tornou um dos principais campos de batalha na política nacional. Do lado dos defensores dos governos de Lula e Dilma, os argumentos a favor da atuação do banco se baseavam na renda e nos empregos que as empresas contempladas pelos empréstimos gerariam em território nacional. Já os opositores ao PT criticavam o BNDES basicamente por dois argumentos: o favorecimento a empresas brasileiras específicas, sem critérios claros de seleção, e a concessão de empréstimos a países com denúncias de violação de direitos humanos e ideologicamente alinhados à esquerda, como a Venezuela.

Ainda em setembro do ano passado, durante o período eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro escreveu que os “venezuelanos morrem de fome devido à tirania de um governo que anda de mãos dadas com a ditadura cubana” e que “via BNDES e outras fontes de seu dinheiro o Brasil é um dos maiores patrocinadores do socialismo que massacra milhões no mundo”. Já eleito, Bolsonaro destacou uma página que o BNDES divulgou em seu site com a lista de projetos internacionais que contam com verba do banco. “BNDES divulga interessante link identificando os países que usaram os recursos financeiros do Brasil e os motivos dos empréstimos. Tire suas conclusões”, escreveu, numa referência velada às ações em Venezuela e Cuba.

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O banco foi tema de CPIs na Câmara e no Senado e pode ser alvo de outra comissão parlamentar de inquérito. No início de fevereiro, o deputado federal Vanderlei Macris (PSDB-SP) apresentou uma requisição para criação de nova CPI do BNDES, sob a alegação de que as anteriores “não abriram a caixa-preta do banco”.

“Sem a ciência dos brasileiros, os governos do Lula e da Dilma autorizaram o BNDES a realizar financiamentos para obras no exterior. Por sinal, uma decisão tomada no governo Lula, abrindo a possibilidade de o BNDES financiar essas grandes obras. E por mais de uma década, nós tivemos uma dilapidação nefasta de recursos da sociedade brasileira, fundos que foram aplicados fora de nossas fronteiras e que ainda muito pouco sabemos em relação a isso”, relata o requerimento elaborado pelo tucano.

A “decisão tomada no governo Lula” aí mencionada é o decreto 6.322, de 2007, que permitiu ao banco financiar a aquisição de ativos por empresas de capital nacional no exterior. Essa decisão foi o que possibilitou, por exemplo, que o frigorífico JBS adquirisse empresas em outros países e se tornasse o maior do mundo no setor. O pedido de CPI será analisado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Como o início do mandato dos deputados foi marcado por um excesso na solicitação de CPIs, a nova investigação sobre o BNDES não figura em um cenário muito provável.

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“Isso nos inquieta ainda mais quando nos lembramos que os últimos governos brasileiros, alinhados ideologicamente, emprestaram, por meio do BNDES, algo em torno de R$ 11 bilhões ao governo venezuelano”, afirmou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que conseguiu aprovar nesta terça-feira (26) um requerimento sobre o assunto na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor.

Ele propôs a realização de uma audiência pública para esclarecer os empréstimos feitos pelo Brasil à Venezuela entre 2003 e 2016, com as presenças do ministro José Mucio Monteiro, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), e de Joaquim Levy, presidente do BNDES.

Operações válidas

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que foi ministro nos governos Lula e Dilma, disse que as operações internacionais do BNDES foram válidas por terem garantido, à época, recursos às empresas brasileiras.

O petista também minimizou a responsabilidade dos antigos gestores do banco diante do possível calote dos outros países: “quem autorizou os empréstimos não tem culpa se o cenário no outro país se modificou. Quando os empréstimos foram feitos, a economia sugeria que as operações seriam positivas para o Brasil”. Padilha também descartou a ideia de que os empréstimos foram feitos por afinidade ideológica: “se fosse assim, não teriam ocorrido no governo Fernando Henrique”.

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