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| Foto: IVONALDO ALEXANDRE /Ga

Tem dinheiro do crime e da corrupção na cueca, na calcinha, no bunker do ex-ministro Geddel Vieira Lima e circulando livremente pelas ruas, sem fiscalização, em carros-fortes. Falta controle sobre o papel-moeda que circula no país, o que cria um prato cheio para alimentar o crime organizado e propinodutos. Especialista avalia que há risco de uso de dinheiro nas transportadoras ser até “emprestado” durante a noite para atividades ilícitas, um problema que já chegou ao radar do governo federal. 

Dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Ministério da Fazenda, apontam que vem crescendo a tentativa de uso das empresas de transporte e guarda de valores no descaminho de recursos em espécie para a economia do crime. Em 2017 (até agosto), foram feitas 78.209 comunicações de operações suspeitas em dinheiro ao órgão pelas empresas de transportes de valores. Em todo o ano de 2016, essas comunicações chegaram a 82 mil. 

Tanto dinheiro em circulação – e com menor transparência do que nas transações eletrônicas – chama atenção dos criminosos. O presidente em exercício do Sindicato dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Daro Piffer, observa que hoje não há fiscalização sobre os valores manejados pelas transportadoras. Além disso, grandes montantes pernoitam nas bases dessas transportadoras, o que pode oferecer mais oportunidades para os criminosos. 

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“Não vejo tanta necessidade de as bases de valores dormirem com tanto dinheiro. Além de riscos de assaltos e roubos, pode ocorrer das transportadoras fazerem fluxo com esse dinheiro, o que não estou dizendo que de fato ocorra. Estou dizendo que há a possibilidade de que seja feito. Quando vimos todo esse dinheiro que aparece na mão de corruptos e corruptores, nos perguntamos de onde ele vem. E uma das suspeitas são as transportadoras de valores, pois hoje não há nenhum controle sobre elas”, afirmou Piffer. 

O Ministério da Fazenda e o Coaf avaliam que há “um enorme volume de recursos em espécie circulando na economia que não passa necessariamente nos bancos e pode ser obtido em outros setores que lidam com grandes volumes de recursos em espécie ou em atividades ilícitas”, como por exemplo os roubos a carros-fortes e bases de valores. 

“Muitos criminosos têm evitado ingressar com esses recursos nos bancos, dando preferência a transportá-los e acumulá-los em espécie, exatamente para que não sejam rastreados. A movimentação de grandes volumes de recursos em espécie tem merecido atenção de diversos países, inclusive no Brasil”, afirmou o Ministério da Fazenda, em nota, à Gazeta do Povo.  

A Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores (ABTV), que representa as maiores empresas de logística de valores do país, calcula que seus associados movimentam R$ 20 bilhões por dia, para abastecer mais de 160 mil caixas eletrônicos e bancos. A entidade vê com atenção os assaltos às bases de valores. “Os associados à ABTV investiram nos últimos anos mais de R$ 400 milhões em tecnologia para tornar ainda mais eficiente a segurança de todos os seus processos, visando reduzir riscos de roubos e ataques. As bases e os veículos especiais das empresas no Brasil passam por rígida fiscalização da Polícia Federal e têm tecnologia e procedimentos do mais alto nível comparado aos outros países. Porém, ainda assim não é totalmente possível impedir ataques estruturados deste tipo”, afirmou a entidade, também em nota. 

Segundo a entidade, os processos de seus associados são fiscalizados pela Polícia Federal (que vistoria bases e veículos e autoriza seu uso); pelo Coaf e pela Receita Federal (com identificação de todo o numerário transportado pelas empresas sendo sempre a origem ou destino uma instituição financeira e com contato das empresas ao Coaf sobre qualquer irregularidade); e com auditorias da FEBRABAN e verificações internas. 

Governo quer lupa sobre saques bancários e reduz limite de comunicação a R$ 50 mil 

 As diversas medidas adotadas pelo governo para evitar e reduzir a lavagem de dinheiro não conseguem dar conta do problema e o governo está estudando formas de dificultar que o crime lave dinheiro pelo sistema financeiro via operações nos bancos e nas bases de valores. O Banco Central emitiu norma no mês passado fechando o cerco sobre as operações em dinheiro. A partir de janeiro de 2018, os bancos e entidades que lidam com valores em dinheiro terão de informar ao governo todos os saques e depósitos com valor a partir de R$ 50 mil. Atualmente, somente são informadas as transações em espécie a partir de R$ 100 mil. 

 Neste ano, o COAF já recebeu 989 mil comunicações de operações de saques e depósitos acima de R$ 100 mil e outras operações suspeitas. Desse total, 221 mil são atividades suspeitas. Quando o COAF encontra indícios de crime, informa às autoridades competentes para investigação. “Todas as informações disponíveis no COAF relativas a todos os alvos das operações da Polícia Federal e do Ministério Público são fornecidas a eles”, afirmou o Ministério da Fazenda à Gazeta do Povo

Segundo o Ministério da Fazenda, os bancos também estão ajudando a reduzir as facilidades para quem tenta lavar dinheiro vivo no sistema bancário. “Diversos bancos não têm aceitado realizar TEDs ou DOCs contra pagamento em espécie e estão estudando a mesma restrição para boletos bancários de maior valor”, informou o órgão. 

 Para mitigar e evitar crimes com dinheiro em posse das transportadoras e bases de valores, a entidade que representa os técnicos do Banco Central avalia que seria preciso criar lei para definir como pode ser feita a fiscalização a essas empresas, e esse papel caberia ao Banco Central, para fiscalizar os dados de forma ativa (ao contrário do Coaf que depende do envio de dados e só pode operar com o que é declarado pelos bancos). 

 Piffer explica que, no passado, o BC tinha maior controle sobre o meio circulante, pois recebia semanalmente esses valores e os devolviam após limpeza e troca de cédulas danificadas aos bancos. Para economizar, o BC delegou a função ao Banco do Brasil, abrindo mão de uma de suas atribuições previstas em lei.

Uso de carros-fortes em esquemas de propinas

O uso de carros-fortes e bases de valor das empresas de logística de valores para transportar propinas foi apontado pela operação Ponto Final, da Polícia Federal do Rio de Janeiro. A coluna Radar, da Revista Veja, noticiou que o ex-governador do Rio Sérgio Cabral recebeu R$ 122 milhões em propinas que foram entregues por empresários do setor de ônibus e levado em carros-fortes das empresas Prosegur e da Trans Expert. A coluna aponta que a denúncia que desencadeou a operação afirmou que as empresas de ônibus possuíam ‘contas’ nas transportadoras de valores para custódia dos recursos arrecadados com passagens. 

O esquema de propinas do grupo JBS também teria utilizado carros-fortes para escoar valores de propina. A coluna Expresso, da Revista Época, afirmou que parte do dinheiro vivo que era recebido pela JBS pelo fornecimento de carne a supermercados de todo o Brasil era escoado para propinas. No Nordeste, segundo a reportagem, o dono da empresa Joesley Batista chegou a autorizar a contratação de carro-forte para levar propinas a políticos. 

Não se sabe ainda a origem dos recursos de Geddel, que ocupou o cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa entre 2011 e 2013, no governo Dilma Rousseff. No pedido de prisão preventiva de Geddel, em 8 de setembro, o juiz cita que a PF informou que "o dinheiro apreendido tem, certamente, origem ilícita, decorrente das atividades criminosas praticadas por Geddel Quadros Vieira Lima no comando da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal e, possivelmente, de outras que porventura podem vir a ser descobertas". 

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