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| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

O Centro de Pesquisas em Energia Elétrica (Cepel), órgão sem fins lucrativos vinculado à Eletrobras, entrou em um leilão para oferecer um serviço para o próprio governo federal. Pediu inicialmente R$ 1 milhão para fornecer um novo sistema computacional, suporte técnico e treinamentos. Durante a disputa, no entanto, o Cepel reduziu sua proposta até chegar a R$ 0,0001 – isto é, um centésimo de centavo.

A manobra, que levou à eliminação do órgão ligado à Eletrobras da disputa e garantiu a uma empresa privada a prestação do serviço por R$ 600 mil, acirrou ânimos dentro do governo federal e levantou algumas perguntas: quanto vale um sistema computacional de planejamento elétrico? Por que uma entidade ligada à Eletrobras e sem fins lucrativos tentou cobrar mais caro pelo serviço do que empresas privadas e que visam o lucro? Por que tentou alterar sua proposta para quase zero no meio do leilão? E ainda: a segurança de questões estratégicas pode estar em risco com uma empresa privada prestando esse serviço para o governo? 

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O Cepel acabou sendo eliminado do leilão, após o pregoeiro considerar a proposta inexequível (impossível de ser colocado em prática). Em sua justificativa, o responsável pelo leilão alegou que seria impossível executar o serviço objeto da licitação, que previa contratação de licenças de softwares, alocação de suporte técnico e treinamento para mais de 40 pessoas, todas ações que obviamente geram custos acima de um centésimo de centavo

Entenda o imbróglio

O imbróglio sobre a licitação 003/2018, realizada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com recursos do Banco Mundial dentro de uma parceria de fomento à pesquisa, causou desconforto entre autoridades do Ministério de Minas e Energia e das empresas públicas envolvidas. Nos bastidores, autoridades falam em favorecimento a agentes privados e falta de transparência e segurança ao designar que uma empresa privada calcule informações do sistema elétrico brasileiro. Do outro lado, fala-se em prática de preço predatório por parte de um agente público e tentativa de causar constrangimento aos contratantes. 

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Publicado em 2 de julho, o edital da licitação previa a contratação de sistema computacional para realizar estudos de demanda elétrica, que servem de base para os planejamentos de construção de usinas e realização de leilões. Inicialmente, técnicos ligados ao governo federal reclamaram que o prazo para execução da licitação era curto demais, o que indicaria, segundo tais técnicos, que seria contratado um produto pronto como forma de limitar a concorrência. Segundo esses especialistas ligados ao Ministério de Minas e Energia, a ferramenta poderia ser apresentada sem custo, pois já teria sido desenvolvida pela Eletrobras – mas seriam necessários 90 dias, e não 45 como previsto no edital, para instalar a ferramenta. 

Outro lado

A EPE, responsável pela contratação, contestou oficialmente essa informação de bastidor. Em nota enviada à Gazeta do Povo, a empresa pública afirma que antes do certame, durante a pesquisa de mercado prévia ao leilão, o Cepel havia orçado o produto em cerca de R$ 680 mil e iniciou o leilão pedindo R$ 1 milhão, valor que foi alterado para menos de um centavo durante o pregão.

“O processo foi público e não houve cerceamento de participação de qualquer empresa. Ressaltamos que no resultado final ocorreu um deságio de cerca de 58%, sendo que a proposta que está sendo avaliada agora foi, inclusive, inferior em cerca de 35% à menor proposta apresentada na etapa de abertura de propostas. Estes elementos evidenciam que o pregão eletrônico foi feito com eficiência e transparência, não havendo qualquer indício de favorecimento a qualquer uma das empresas participantes”, afirmou a EPE, em nota. “O Cepel não teve sua participação cerceada”, reforça.

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Ainda segundo relatos de bastidores, técnicos que defendiam a contratação da empresa ligada à Eletrobras sustentavam que, ao deixar com uma consultoria privada o fornecimento da ferramenta, haveria riscos para o sistema elétrico brasileiro, já que não seria possível auditar a metodologia dos cálculos, premissas e critérios. 

A EPE também afastou tal hipótese e afirmou que as regras quanto à definição do modelo e metodologia de cálculos são as mesmas que já vigoram hoje, em outros sistemas utilizados no setor elétrico.

“O termo de referência da licitação exige que o fornecedor entregue um manual que detalha todas as metodologias e algoritmos utilizados pelo software. De posse desse manual detalhado é perfeitamente possível que a equipe da EPE valide e audite os modelos fornecidos no âmbito do contrato”, afirmou a EPE. “Portanto, a auditoria será feita da mesma forma como já é feita hoje”, destacam.

Procurado pela Gazeta do Povo, o Cepel disse que não se pronunciaria neste momento. 

Publicação do resultado do leilão está pendente

Ainda está pendente a publicação do resultado do leilão, que foi realizado no dia 30 de julho (após prorrogação de prazo por mais dez dias). O sistema foi contratado com recursos internacionais, em programa do Banco Mundial, e portanto não é obrigatória a auditoria pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para conseguir usar os recursos, a implementação do sistema teria de ser feita ainda este ano, o que impossibilitava a concessão de mais prazos para os concorrentes.

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Disputa é anterior à licitação

A disputa sobre a adoção ou não de ferramentas criadas internamente no governo federal para planejamento elétrico é anterior à licitação.

Técnicos reclamam de sobreposições na atuação da EPE – empresa criada em 2004, no governo Lula, que é mantida com recursos do Orçamento Federal por não ter fonte própria de receitas – e da Secretaria de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia. A definição dos tipos de leilão de contratação de energia, por exemplo, está parcialmente nessa área cinzenta e colocou em lados opostos da mesa, por diversas vezes, os responsáveis pela EPE e pela secretaria.

O sistema computacional contratado pela licitação é uma das principais ferramentas para averiguar a demanda elétrica brasileira e definir a necessidade da realização de leilões de compra de energia elétrica, bem como em qual momento, com quais fontes geradoras.

Entre técnicos do setor, há divergências sobre a necessidade de se fazer leilões de reserva ou não. Nesse tipo de compra de energia, quem paga é o governo e não as distribuidoras, como forma de constituir uma “reserva” de energia caso seja necessário (por exemplo, se a economia do país crescer mais que o esperado, demandando mais energia que o planejado). Por outro lado, nesses leilões também é possível comprar fontes mais caras, como as renováveis solar e eólica.

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