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| Foto: Chantal Wagner/Gazeta do Povo

A combinação de crise econômica, envelhecimento da população e teto de gastos públicos faz com que os gastos da Previdência Social avancem rapidamente sobre o orçamento de outras áreas.

Aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais pagos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) já consomem quase metade do orçamento federal. Custaram R$ 499 bilhões nos dez primeiros meses deste ano, o equivalente a 48,3% das despesas primárias (não relacionadas à dívida) da União. No mesmo período de 2014, apenas três anos atrás, essa fatia era de 40,8%, segundo dados extraídos de relatórios do Tesouro Nacional.

Esse avanço de 7,4 pontos porcentuais foi compensado por uma retração do mesmo tamanho nas demais despesas do governo. Uma vez que os benefícios previdenciários são obrigatórios e não podem ser reduzidos sem mudança na lei, o governo foi cortando despesas discricionárias, de livre escolha. Os chamados gastos sociais e as obras públicas foram as principais vítimas da tesourada.

Juntas, as despesas discricionárias dos Ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social mais o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representavam 21,1% dos gastos primários da União em 2014, também no período janeiro-outubro. Essa participação encolheu 6,7 pontos porcentuais desde então, para 14,4% do total neste ano.

Em valores atualizados pela inflação, a despesa do RGPS nos dez primeiros meses do ano cresceu R$ 69 bilhões entre 2014 e 2017. No mesmo intervalo, os gastos de Saúde, Educação, Desenvolvimento Social e PAC diminuíram R$ 73 bilhões, em termos reais.

COMPARE:Mais dinheiro para a Previdência, menos para área social e investimentos

Também na comparação entre os dez primeiros meses de 2014 e 2017, a soma de todas as despesas primárias da União baixou R$ 20 bilhões, quase 2%. Quer dizer: o bolo do orçamento encolheu, mas a fatia da Previdência está maior do que era antes. E continuará crescendo, segundo diferentes projeções.

Despesa dispara, arrecadação patina

Os gastos com saúde e educação podem até diminuir, mas, como obedecem a limites mínimos estabelecidos pela Constituição, são relativamente protegidos de cortes mais drásticos. O mesmo não ocorre com uma série de programas sociais, entre eles o Bolsa Família.

Levantamento publicado pela Gazeta do Povo no fim de outubro mostrou que, de 15 ações sociais que eram vitrine das gestões petistas, 13 tiveram o orçamento reduzido após a posse de Michel Temer. A explicação oficial é que, para dar conta da Previdência, ela própria um “gasto social”, o governo precisa conter os demais desembolsos.

O número de aposentados cresce mais de 3% ao ano, e a despesa está avançando além disso. Os gastos do RGPS acumulados até outubro aumentaram cerca de 7% em termos reais, já descontada a inflação, em relação ao mesmo período do ano passado.

A arrecadação do governo não acompanha esse ritmo. Em meio à leve recuperação da atividade econômica após quase três anos de recessão, a receita primária total encolheu 1,5% no acumulado de 2017, também em comparação aos dez primeiros meses de 2016.

O descompasso entre o gasto previdenciário e o dinheiro que entra nos cofres do governo, visível desde a década passada, se agravou com a recessão. Em 2010, a despesa do RGPS com benefícios previdenciários e assistenciais equivalia a 35% da receita líquida da União. Em 2014, passou de 42%. Neste ano, está acima de 55%, segundo cálculos do Tesouro Nacional.

Essa evolução ajuda a explicar o descontrole das contas públicas. O conjunto das despesas obrigatórias, que há apenas três anos consumia cerca de 85% da receita líquida, agora corresponde a 107%. Isto é, mesmo contando só os itens que não pode cortar, o governo está gastando mais do que arrecada – e antes mesmo de pagar os juros da dívida.

Vai faltar bolo para os outros

Além do envelhecimento populacional e da crise na arrecadação, outro complicador é o teto de gastos que busca reequilibrar as contas do governo, deficitárias desde 2014. O limite constitucional, que entrou em vigor neste ano, impede que a maioria das despesas primárias avance além da inflação. Como o desembolso da Previdência não pode ser contido por decisão governamental, é preciso limitar os demais gastos. Sobra menos bolo para as outras áreas.

Em estudo publicado no ano passado, na época da discussão do teto de gastos, a Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados estimou que a fatia do RGPS nas despesas primárias – a mesma que chegou à casa dos 48% neste ano, conforme mencionado no início deste texto – vai beirar 64% em 2025 caso não haja mudança na legislação previdenciária.

Essas fatias são ainda maiores quando se inclui na conta o regime próprio dos servidores públicos da União (RPPS). Segundo cálculo do economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado que realizou uma série de estudos sobre a Previdência, a soma das despesas de RGPS e RPPS já equivale a 56% dos gastos primários. Sem reforma, chegará a 80% daqui a dez anos.

O próprio economista ressalta que a estimativa é um exercício “meramente ilustrativo”. O governo ficaria inviabilizado muito antes de a Previdência abocanhar todo esse dinheiro, pois há outras despesas obrigatórias e que não podem ser cortadas por mera vontade do governo, como a folha de pagamento do funcionalismo, que neste ano responde por pouco mais de 22% do gasto primário total.

A tendência é de que a Previdência e outras áreas sejam reformadas antes de um colapso nas contas públicas. Ou que o teto estoure em algum ponto entre o fim desta década e o início da próxima, o que levaria a uma série de restrições – como o congelamento dos salários do funcionalismo – ou à própria revogação da emenda constitucional que criou esse limite. O que não ocorreria sem um preço: a dívida pública cresceria mais rápido e seus financiadores passariam a cobrar juros ainda mais altos.

E os juros da dívida?

Há quem sugira a redução imediata dos juros da dívida pública, ou mesmo um calote, para enfrentar a calamidade da Previdência e das contas públicas. Neste momento, no entanto, mesmo atitudes extremadas como essas não teriam efeito, porque as contas públicas já estão no vermelho antes mesmo do pagamento das despesas da dívida.

As contas da União têm déficit primário desde 2014, o que significa que de lá para cá o custo da dívida tem sido integralmente coberto com a venda de títulos públicos – ou seja, com mais endividamento.

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