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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República marca a ascensão ao poder de uma direita liberal na economia e conservadora nos costumes, num fenômeno que tem potencial para mudar profundamente o rumo político e social do Brasil pelas próximas décadas. Essa foi uma das análises do Podcast Eleições, programa semanal da Gazeta do Povo que, em sua última edição, discutiu as razões que levaram à vitória de Bolsonaro e como será seu governo.

O cientista político Márcio Coimbra, colunista da Gazeta do Povo, afirmou que a eleição de Bolsonaro é a maior ruptura política no país desde o fim da ditadura militar, em 1985. A redemocratização foi marcada pela tentativa de o Brasil criar um Estado de Bem-Estar Social (modelo de Estado “pesado” ou “generoso” defendido pela esquerda e centro-esquerda). Mas, segundo Coimbra, esse desenho institucional não entregou à população aquilo que havia prometido: bons serviços públicos, segurança, igualdade, desenvolvimento.

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Coimbra destacou que a desilusão popular começou a se manifestar nas ruas em junho de 2013 e avançou com as revelações da Operação Lava Jato e com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Essa decepção levou a uma rejeição aos políticos em geral e ao PT em particular que beneficiou Bolsonaro – um insider (integrante do sistema político) que se apresentou como um outsider na campanha eleitoral.

O jornalista Renan Barbosa acrescentou que contribuíram para criar o quadro que levou Bolsonaro ao poder a crise econômica gestada no governo Dilma, a ascensão do conservadorismo evangélico e o progressismo de costumes que a esquerda tentou implantar no país enquanto esteve no poder – contrariando o conservadorismo e a religiosidade da maioria dos brasileiros. 

Barbosa afirmou ainda que, mais ou menos na mesma época em que os brasileiros saíam às ruas em junho de 2013, o discurso liberal-conservador começou a ser sistematizado por pensadores como Olavo de Carvalho. Esse “vocabulário” então passou a ser usado por uma série de movimentos de direita que ganharam corpo e conseguiram introduzir suas ideias na arena pública. Paralelamente, a esquerda (e o PT em particular) não conseguiu dar respostas adequadas à insatisfação popular.

O resultado de todas essas circunstâncias saiu das urnas no segundo turno: a eleição de Bolsonaro para a Presidência. E tampouco o fim do governo do presidente eleito vai mudar o novo cenário brasileiro: a “nova direita” veio para ficar e ela forçará o redesenho do modelo institucional brasileiro – seja com Bolsonaro ou não.

Primeiros gestos de Bolsonaro após a eleição sinalizam linhas do futuro governo

Márcio Coimbra disse ainda que, com sua eleição, Bolsonaro já conseguiu realinhar as forças políticas e que, a partir de agora, ele poderá realinhar as forças sociais. O cientista político acredita um dos pontos centrais do futuro governo será a tentativa de “mover a narrativa” social do campo da esquerda para o da direita – que estava sufocada desde o fim da ditadura militar (1964-1985).

Segundo Coimbra, isso ficou simbolicamente evidente num de seus primeiros pronunciamentos após vencer a eleição: Bolsonaro fez uma live na redes sociais sentado numa mesa onde estavam uma Bíblia (símbolo da religiosidade), um livro de Olavo de Carvalho (o mentor intelectual da nova direita), uma obra de Winston Churchill (conservador britânico que combateu o nazismo, numa reação de Bolsonaro à acusação de que é fascista) e uma Constituição (que ele assegura que irá obedecer, para rebater a acusação de que é autoritário). 

Para Renan Barbosa, essas referências e outros gestos no pós-eleição, como a oração da vitória, mostram que a pauta conservadora nos costumes vai de fato avançar no governo Bolsonaro.

O jornalista Lúcio Vaz, blogueiro da Gazeta do Povo, mostrou preocupação com outra atitude de Bolsonaro em seus primeiros pronunciamentos: a insistência nos ataques à Folha de S.Paulo e a ameaça de não destinar verba publicitária ao jornal para puni-lo por, no entendimento do presidente eleito, fazer mau jornalismo. Para Vaz, essa atitude revela autoritarismo.

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Base de apoio de Bolsonaro tende a ser mais conservadora do que liberal, o que é um problema

Lúcio Vaz destacou ainda que os primeiros movimentos de Bolsonaro e de seus principais aliados demonstraram um amadorismo que também é preocupante. Ele citou a briga pública entre os futuros ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), e da Economia, Paulo Guedes. Onyx criticou a reforma da Previdência do presidente Michel Temer (MDB) e foi desautorizado por Guedes – que está inclinado a “incorporar” a atual proposta ao plano de governo de Bolsonaro.

Márcio Coimbra lembrou que esse é um exemplo das dificuldades que Bolsonaro poderá vir a ter no Congresso: sua base tende a ser mais conservadora do que liberal. Ou seja, as reformas econômicas liberalizantes de Paulo Guedes, a agenda prioritária do governo Bolsonaro, pode empacar.

Os desafios são ainda maiores se for considerado que Bolsonaro prometeu não distribuir cargos no governo em troca de apoio no Congresso – prática que é o modus operandi da política brasileira para garantir governabilidade desde a redemocratização. Lúcio Vaz disse que o presidente eleito até pode nomear ministros com perfil técnico para argumentar que cumpriu a promessa, mas inevitavelmente terá de ceder aos partidos nas indicações do segundo escalão. Além disso, ele também terá nas mãos a liberação de emendas parlamentares para “motivar” parlamentares a votarem junto com ele.

Oposição racha, mas não estará rachada nas votações. Ainda assim, esquerda terá de se reconstruir

Lúcio Vaz afirmou ainda não acreditar que a oposição a Bolsonaro no Congresso vai se enfraquecer com a divisão que já está ocorrendo entre os derrotados na eleição. Ciro Gomes (PDT) tenta se viabilizar como o líder dos oposicionistas e já se mobiliza para isolar o PT, formando um bloco do seu partido com PSB, PCdoB e Rede. Para o blogueiro da Gazeta, na hora da votação de projetos do governo Bolsonaro, toda a oposição estará junta. A movimentação de Ciro é mais uma tentativa de se viabilizar como candidato a presidente em 2022.

Renan Barbosa afirmou, contudo, que o novo cenário brasileiro (marcado pela ascensão da nova direita) exigirá necessariamente uma reconstrução da esquerda brasileira.

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