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A equipe econômica está finalizando a redação de um projeto que pretende regulamentar a resolução de crises bancárias. A ideia dos técnicos do Banco Central é criar um mecanismo claro de como o país vai lidar quando um banco tiver problemas de solvência, mas um ponto específico pode dificultar sua aprovação: a previsão de que o Tesouro colocará dinheiro público em bancos sistematicamente importantes.

A crise internacional deflagrada a partir de problemas no sistema bancário dos Estados Unidos em 2008 está ainda quente o suficiente na memória dos reguladores brasileiros para que eles levem essa demanda ao Congresso. Na crise americana, o Tesouro entrou com recursos de maneira inicialmente desorganizada e deixou quebrar o Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimentos, por não querer estimular o que os economistas chamam de “moral hazard”, o comportamento de risco associado à certeza de que o governo vai salvar a instituição antes da falência.

O que se seguiu à quebra do Lehman foram alguns dos piores dias da história do mercado financeiro global. Logo em seguida, o governo americano teve de salvar a seguradora AIG, voltando atrás em sua aversão ao moral hazard. Em poucas semanas, o Tesouro montou um sistema de recapitalização dos bancos considerados sistematicamente importantes (“too big to fail”, no jargão criado na época e usado até hoje). Em troca, eles teriam de passar por testes de estresse, maior disponibilidade de capital e, depois, devolver as boias de salvação quando tivessem dinheiro em caixa.

O que o Banco Central vai apresentar é a adaptação da legislação brasileira ao aprendizado obtido nos anos de crise global. Mas é uma mudança profunda porque atualmente o Tesouro está formalmente proibido de entrar em campo quando um banco encontra a bancarrota. A Lei de Responsabilidade Fiscal incluiu esse ponto no início dos anos 2000, após o governo ter feito a intervenção em uma dezena de bancos após o Plano Real – entre eles o Econômico e o Bamerindus. O Proer, como era chamado o programa de reestruturação de bancos, foi criticado pela oposição e é defendido pelos economistas que compõem a atual equipe econômica.

O Proer viabilizou a venda e fusão de bancos e, aliado à privatização de vários bancos estatais, permitiu a consolidação do setor no Brasil em seis grandes instituições hoje consideradas “too big to fail” – os estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, Itaú, Bradesco, Santander e BTG Pactual. Hoje, os quatro maiores bancos concentram quase 80% do mercado de crédito, o que torna a possibilidade de insolvência em um deles um problema contagioso.

Duas características fazem com que bancos sejam suscetíveis a crises que podem se tornar sistêmicas. Uma é o fato de eles tomarem dinheiro em prazos curtos (em grande parte depósitos à vista) e emprestarem em prazos longos. A outra é que muitas vezes bons balanços escondem ativos que se tornam problemas em crises econômicas. Aliadas a uma gestão de risco inadequada (algumas vezes até criminosa), essas características podem corroer o capital de um banco em poucos dias durante um momento de pânico. Como grandes instituições têm milhares de operações entre si, o problema em um grande banco pode se espalhar a outros.

A proposta do BC que está sendo debatida em Brasília é para colocar ordem no processo de socorro aos bancos antes de eles representarem um risco sistêmico, segundo explicou o presidente do BC Ilan Goldfajn na última terça-feira em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. “O projeto de resolução defende os recursos públicos. Ele faz a lista para, no momento em que tiver de ajudar o sistema bancário, colocar todo mundo na frente do contribuinte”, explicou Goldfajn. “Temos de pensar na organização disso porque, se não formos pensar, se não formos planejar, na hora do aperto, vocês sabem quem vai pagar.”

A organização em estudo, segundo o Valor Econômico, é diferente para bancos pequenos e médios, que seriam liquidados em caso de problema. Para os grandes, seria criado um regime especial, com várias saídas possíveis. No processo, a ordem de quem entra com recursos no banco começa com os controladores, passando aos acionistas, investidores em instrumentos de dívida, credores sem garantia e, em última instância, o Tesouro. Pequenos depositantes continuariam protegidos.

Como explicou o presidente do BC, a mudança na lei faz parte de acordos internacionais assinados pelo Brasil depois da crise de 2008 e que têm como objetivo manter a estabilidade do sistema financeiro. Ao longo dos últimos anos, os bancos tiveram de reforçar seu capital (reduzindo a alavancagem), seguindo critérios internacionais. Estabelecer uma ordem para resolver as crises bancárias faz parte do processo.

O debate em Brasília em torno da ideia não será fácil, mas é possível que a nova lei traga exigências para que a resolução de crises use o mínimo de recursos públicos com o máximo de garantias ao Tesouro – para evitar que o sistema assuma riscos desproporcionais por saber que o governo fará o resgate no fim. A alternativa é uma solução descoordenada, como ocorreu nos EUA em 2008, com custos ao contribuinte na forma de uma recessão. O Congresso terá de decidir se acha justo colocar dinheiro público nos bancos ou se é melhor lidar com as consequências de uma falência.

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