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Julgamento no STF que vai rediscutir validade da execução da pena depois da condenação em segunda instância está marcado para abril. | Wilson Dias/Agência Brasil
Julgamento no STF que vai rediscutir validade da execução da pena depois da condenação em segunda instância está marcado para abril.| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), no apagar das luzes do Ano Judiciário, fez com que todas as atenções se voltassem para o julgamento da execução da pena depois da condenação em segunda instância, que continua marcado para o dia 10 de abril. Mas este não é o único tema em que o tribunal de cúpula do país pode entrar em rota de colisão com boa parte da sociedade brasileira – e com o governo eleito.

Na pauta do primeiro semestre de 2019, liberada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, na terça-feira (18), estão ações cujos desfechos podem contrariar frontalmente o núcleo da agenda do governo eleito e de boa parte do Congresso. Já em fevereiro, pouco depois da volta do recesso, o Supremo vota o pedido de criminalização da homofobia, derrotado pela Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso.

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Em abril, a corte discute a prisão em segunda instância, uma das bandeiras do futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro. Em maio, o Supremo pode liberar o aborto em casos de gestantes infectadas pelo vírus Zika e, em junho, o tribunal pode concluir o julgamento da ação que pede a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, o que contraria a agenda de pelo menos dois ministros do governo.

Criminalização da homofobia

Derrotada no Congresso em uma das mais importantes vitórias da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), a criminalização da homofobia será discutida pelo STF no dia 13 de fevereiro, quando serão julgadas em conjunto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e o Mandado de Injunção (MI) 4733, de relatoria do ministro Edson Fachin. Protocoladas pelo PPS, em 2013, e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), em 2012, as ações pedem “a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia”.

Embora a prerrogativa de criminalizar condutas seja exclusiva do Congresso, sempre por meio de lei – o que os juristas chamam de “legalidade em sentido estrito” – os pedidos argumentam que as condutas “homofóbicas” e “transfóbicas” violam a proibição do racismo na Constituição Federal e a Lei 7.716/1989, que pune condutas racistas. O argumento é baseado em uma decisão de 1992 do próprio STF no chamado caso Ellwanger, que considerou o antissemitismo uma expressão de racismo para fins de aplicação da lei de 1989.

“Todas as formas de homofobia e transfobia devem ser punidas com o mesmo rigor aplicado atualmente pela Lei de Racismo, sob pena de HIERARQUIZAÇÃO DE OPRESSÕES [destaque no original] decorrente da punição mais severa de determinada opressão relativamente a outra”, argumenta o PPS.

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O pleito ganhou relevância nacional durante a tramitação Projeto de Lei (PL) 122/2006. De autoria da então deputada Iara Bernardi (PT-SP), em 2001, o projeto foi aprovado na Câmara em 2005 e tramitou no Senado – primeiro avulso, depois apensado à proposta de novo Código Penal – por mais oito anos até ser arquivado. O arquivamento foi uma vitória da FPE, que temia que a redação ampla e genérica do projeto pudesse avançar sobre a liberdade de crítica a condutas homossexuais e à ideologia de gênero.

O PL 122/2006 previa a modificação justamente da Lei 7.716/1989, que passaria punir, além dos crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião e origem, também os resultantes de discriminação ou preconceito de “gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência”.

O próprio presidente eleito Jair Bolsonaro se notabilizou pela oposição ao PL 122/2006, na mesma época em que combatia a formulação do “Kit Gay” pelo MEC, que acabou enterrado em 2012, também depois de pressão da FPE.

A futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, é reconhecida como uma das grandes referências no assunto pelos parlamentares evangélicos. Em uma palestra sobre o tema, Damares resumiu o problema: “Se essa proposta passar, os pastores, os padres, os religiosos e os pais que não aceitam a prática da homossexualidade terão a sua liberdade, com certeza, em risco”.

Prisão em segunda instância

Pivô do papelão do ministro Marco Aurélio Mello na véspera do recesso Judiciário, no dia 19 d dezembro, o julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância continua marcado para o dia 10 de abril. Nessa ocasião, o tribunal vai discutir pela quarta vez em pouco mais de dois anos se o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal exige o esgotamento de todos os recursos do processo antes que o condenado possa começar a cumprir sua pena.

Serão julgadas em conjunto as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, de relatoria do ministro Marco Aurélio. As duas primeiras tiveram seus pedidos de liminar julgados em conjunto pelo plenário do tribunal em outubro de 2016, mas a última só foi protocolada no Supremo em abril de 2018, uma semana após os ministros negarem a concessão de habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso permitiu que o ministro Marco Aurélio concedesse monocraticamente a liminar na véspera do recesso.

A jurisprudência do STF permitia o início do cumprimento da pena após a confirmação da condenação em segunda instância até 2009, quando o tribunal decidiu, por 7 votos a 4, que a Constituição exigia o esgotamento de todos os recursos. A posição foi revista no início de 2016 e a revisão confirmada em outubro, pelo plenário, e no mês seguinte, no plenário virtual.

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Desde então, com o avanço da Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes declarou ter mudado de posição e passou a defender a interpretação de 2009. A ministra Cármen Lúcia resistiu às pressões para colocar novamente o assunto em pauta em sua gestão e, no último dia 18, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, marcou a data do julgamento dessa questão.

O presidente eleito Jair Bolsonaro defendeu a possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância em inúmeras ocasiões. Em novembro, já eleito, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, Bolsonaro declarou que, para a libertação do ex-presidente Lula, “sobrou apenas a reinterpretação pelo STF sobre a prisão em segunda instância. Mas é outro poder, não vou opinar. Gostaria que prevalecesse. Não podemos ter um país cada vez mais dando mostras de que o crime compensa”.

A prisão em segunda instância é um ponto de honra também para a Lava Jato. A força-tarefa da operação defende que a prisão em segunda instância é um componente essencial para o sucesso do combate à corrupção. Por ocasião da liminar de Marco Aurélio, em coletiva convocada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol foi duro com o ministro. “Essa decisão contraria o sentimento da sociedade que exige o fim da impunidade. Ela consagra a impunidade, violando os precedentes estabelecidos pelo próprio Supremo”.

O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, já declarou que a importância da prisão em segunda instância vai além de Lula e da própria Lava Jato. Na primeira entrevista coletiva que concedeu à imprensa após ser indicado para o ministério, o então juiz federal afirmou que vai defender publicamente a prisão em segunda instância e enviar ao Congresso, em seu pacote anticorrupção, um projeto que deixe mais claro na lei a previsão de execução da pena em segunda instância.

Atualmente, tramita na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 410/18, que modifica a redação do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição para “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.

Aborto em caso de Zika

Em maio, será a vez da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5581, proposta em 2016 pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) e que pede, entre outras coisas, a descriminalização do aborto para casos em que as gestantes estiverem infectadas pelo vírus zika. A relatoria é da ministra Cármen Lúcia.

A petição inicial da ação argumenta que “há consenso científico de que o vírus zika causa a microcefalia e a síndrome de Guillain-Barré” e que, “durante a gravidez, [as gestantes] são submetidas a intenso sofrimento psicológico, já que não têm como saber especificamente como o vírus zika pode afetar a gravidez e sua própria saúde”. O documento argumenta ainda que as respostas do Estado brasileiro à epidemia são insuficientes.

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Segundo a Anadep, estariam sendo violados os seguintes direitos: dignidade da pessoa humana, livre desenvolvimento da personalidade, direitos à liberdade e às integridades física e psicológica, direito à informação, proteção à infância e à maternidade, direito à saúde e da prevenção de doenças, direito à seguridade social, direito ao planejamento familiar e de liberdade reprodutiva e direito à proteção dos deficientes. A lista é muito parecida com a que consta na ADPF 442, que pede a descriminalização total do aborto até a 12ª semana de gestação.

Citando a ADPF 54, em que o tribunal excluiu o aborto de fetos anencéfalos da proteção estabelecida pelo artigo 124 do Código Penal, a ação afirma que “nas situações de continuidade da gravidez imposta às mulheres infectadas pelos vírus zika e em sofrimento psicológico, caso se considere haver colisão entre princípios constitucionais, colocando-se, de um lado, o direito à vida do feto e, de outro, os direitos reconhecidos constitucionalmente à mulher, é preciso reconhecer que: em primeiro lugar, vida não se trata de um direito absoluto”.

A Advocacia-Geral da União contestou o pedido da ação. “No presente caso, diversamente dos precedentes ora invocados [ADPF 54], não se verifica a inviabilidade do embrião ou do feto cuja mãe tenha sido infectada pelo vírus Zika, mas a possibilidade de danos neurológicos e impedimentos corporais”, argumenta.

Durante a campanha, o presidente eleito Jair Bolsonaro declarou diversas vezes ser favorável a manter a legislação sobre o aborto como está. “Não contaria nunca com meu voto uma proposta nesse sentido. Mais ainda, caso fosse presidente, como sou agora, se porventura Câmara e Senado aprovarem uma ampliação do aborto, nós aqui vetaríamos uma proposta nesse sentido”, declarou em coletiva de imprensa no dia 1º de novembro.

A futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, também é contrária ao aborto. “O aborto [pode ocorrer] somente nos casos necessários e aqueles que estão previstos em lei. Mesmo aqueles, eu tenho certeza que, se oferecida para a mulher uma outra opção, a mulher pensa duas vezes”, declarou a indicada em sua primeira coletiva à imprensa, no dia 6 de dezembro.

Porte de drogas

Em junho, o Supremo deve retomar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que discute a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A ação já conta com três votos favoráveis e estava parada desde setembro de 2015, quando o ministro Teori Zavascki pediu vista. Seu sucessor, o ministro Alexandre de Moraes, liberou a ação para julgamento em novembro.

O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, votou pela descriminalização do porte para uso pessoal de todas as drogas, por entender que este crime, previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2016, a chamada Lei de Drogas, é uma restrição inconstitucional da liberdade individual. Os ministros Luis Roberto Barroso e Edson Fachin restringiram seus votos à descriminalização do porte de maconha, e o primeiro sugeriu ainda um limite de 25 gramas para o porte de usuários. Para Fachin, o Congresso Nacional é que deveria legislar sobre a quantidade permitida da droga.

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Em entrevista, Bolsonaro declarou-se contrário à legalização do uso recreativo, mas afirmou ser contrário à punição de usuários. “Você tem que punir com muito rigor o traficante”, disse. Em outra ocasião, o presidente eleito afirmou que “uma vez legalizada [a maconha], vai chegar às escolas com muito mais facilidade que atualmente”. Em fevereiro de 2017, Bolsonaro chegou a ironizar no Facebook uma manchete de jornal que afirmava que o ministro Barroso propunha a descriminalização da maconha e da cocaína: “Que tal legalizar corrupção, já que as celas estão também cheias em Curitiba?”, comentou.

Pelo menos dois ministros do próximo governo já se manifestaram contrariamente à descriminalização. “Só fala em liberar as drogas quem nunca teve um dependente químico em casa. Só fala em liberar as drogas quem nunca teve um alcoólatra dentro de casa [...] Vamos ter políticas de segurança públicas sérias, aí a gente acaba com o crime”, declarou em palestra a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.

Osmar Terra, futuro ministro da Cidadania, já se manifestou inúmeras vezes contra a legalização das drogas e, em março deste ano, como ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, patrocinou a nova redação da Política Nacional de Drogas do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), atualmente ligado ao ministério da Justiça, para que as ações governamentais na área passassem a levar em conta a “posição majoritariamente contrária da população brasileira quanto a iniciativas de legalização de drogas”.

Já o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, declarou em um evento nos Estados Unidos, em abril de 2017, disse ter “muitas dúvidas” sobre o tema e que “talvez seja o caso de algum experimentalismo” quanto à maconha. Para a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Moro indicou o procurador da Fazenda Nacional Luiz Roberto Beggiora, mas as ações de tratamento de dependentes químicos podem ir para a pasta da Cidadania, que será chefiada por Terra.

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