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| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O governo federal tem R$ 3,4 trilhões a receber em tributos, segundo dados referentes ao fim de 2016. Esse valor seria suficiente para pagar toda a dívida mobiliária interna (ou seja, a soma de todos os títulos públicos federais em moeda nacional), que encerrou 2017 nos mesmos R$ 3,4 trilhões. E liquidaria grande parte, cerca de 70%, da dívida bruta federal, de quase R$ 4,9 trilhões.

Mas o governo não vai receber essa bolada. Ou melhor, conta apenas com uma pequena fração dela.

O Tesouro Nacional estima que somente R$ 538 bilhões – ou 16% do total – serão pagos algum dia. Esse é o valor considerado recuperável, e por isso reconhecido entre os ativos da União. Os dados constam do Relatório Contábil do Tesouro Nacional, publicado no fim do ano passado.

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O estoque de R$ 3,4 trilhões em créditos tributários é formado por impostos, taxas e contribuições que não foram pagos pelos contribuintes até a data de vencimento. Parte deles não foi paga nem mesmo após a cobrança administrativa feita pela Receita Federal, e por isso foi inscrita em dívida ativa, a ser cobrada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Dos R$ 538 bilhões tidos como recuperáveis, 65% ainda estão sob responsabilidade da Receita e os demais 35% já foram parar na dívida ativa.

A perspectiva de recuperação desses montantes, segundo o relatório do Tesouro, “acontece ao longo de vários anos”. “Quando um crédito tributário é lançado, o contribuinte dispõe de amplo direito de defesa administrativa e judicial, amparado pela legislação, além da possibilidade de aderir a programas de parcelamentos de longo prazo, impactando a expectativa de recuperação desses créditos”, afirma o documento.

Demora mesmo. Em média, o contribuinte passa mais de 15 anos contestando as cobranças – seis na esfera administrativa e quase dez na Justiça, conforme estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo outra estimativa, da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Unafisco), o dinheiro das autuações demora de dez a 12 anos para entrar nos cofres públicos.

No ano passado, as autuações da Receita somaram R$ 205 bilhões, o maior valor da história. Mas, na coletiva em que anunciou o recorde, o subsecretário de Fiscalização, Iágaro Jung Martins, observou que historicamente a arrecadação efetiva varia entre 2% e 7% dos valores autuados, apenas.

Quando o calote vale a pena

Boa parte da dívida com a União é de empresas falidas ou que não têm patrimônio para saldar os débitos. Mas na lista de devedores também há companhias em melhor situação, que deixam de pagar os impostos num primeiro momento para depois aderir, em condições vantajosas, a programas de refinanciamento, conhecidos como Refis.

“A cada poucos anos o governo reedita um parcelamento. Com o tempo, os empresários já sabem que podem não pagar, deixar essa dívida para a frente, porque haverá perdão de multa, juros e encargos. É uma forma de se capitalizar com o dinheiro do povo. Sai mais barato que pegar emprestado no mercado financeiro”, diz Achilles Frias, presidente do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). “O tributo é o que sustenta o Estado, a saúde, a educação, a segurança pública. Ao prestigiar o mau pagador, o governo destrói sua própria fonte de receita.”

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No Refis mais recente, de 2017, o governo perdoou R$ 62 bilhões em dívidas ao longo de 15 anos de parcelamento. Foi quase o dobro da renúncia prevista inicialmente porque a versão final do programa, negociada com o Congresso, ficou mais generosa e atraiu mais contribuintes, oferecendo descontos de até 70% nas multas e 90% nos juros.

Muitos parlamentares que aprovaram esse parcelamento vão se beneficiar dele. Até meados de 2017, deputados, senadores e suas empresas tinham quase R$ 1 bilhão em dívidas em aberto com a União, que não foram renegociadas e não estavam sendo pagas. E empresas que financiaram as campanhas de deputados e senadores na última eleição deviam cerca de R$ 7 bilhões, dentre elas 26 partidos políticos que somavam R$ 13 milhões em débitos.

O leque de recursos para protelar o pagamento das dívidas e as frequentes renegociações fazem com que deixar de pagar os impostos em dia seja vantajoso para muitos contribuintes. Um estudo concluído no ano passado comprovou que dar o calote no Fisco vale a pena. Após analisar as demonstrações contábeis de 114 companhias de capital aberto entre 2008 e 2015, pesquisadores da USP de Ribeirão Preto constataram que, em boa parte dos casos, o custo do litígio tributário compensa, mesmo quando a empresa é autuada.

Falta estrutura e pessoal na Procuradoria

Dificuldades da própria PGFN, encarregada de cobrar os débitos inscritos em dívida ativa, ajudam a explicar a baixa arrecadação de tributos vencidos. Segundo Achilles Frias, presidente do Sinprofaz, os sistemas de informática da Procuradoria estão obsoletos. E, por falta de dinheiro, o governo fechou seis unidades da Procuradoria – em Rio Grande (RS), Lajes (SC), Divinópolis (MG), Imperatriz (MA), Itaboraí (RJ) e Macaé (RJ).

Também faltam servidores para apoiar os procuradores, diz Frias. “Hoje existe 0,7 servidor para cada procurador. Ou seja, há mais procuradores que demais servidores na PGFN. Então os procuradores têm de fazer uma série de atividades que os retiram da atividade-fim. A União paga um salário alto para um profissional qualificado que vai tirar fotocópia, entregar processo na Justiça, acessar o sistema para verificar a situação da dívida, pesquisar para descobrir onde está o devedor, localizar bens desse devedor”, explica.

No ano passado, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que cria a carreira de apoio à Advocacia Geral da União (AGU), incluindo a PGFN. Aprovada pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, a proposta aguarda análise pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania.

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