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O sonho de quem usa muito serviços de streaming, como a Netflix e Spotify, é ter uma conexão de internet veloz e constante. No Brasil, nem sempre é isso que acontece, ainda mais porque algumas das mais novas tecnologias sequer estão disponíveis em todos os bairros de grandes cidades, que dirá no interior do país. Mas internet rápida não é boa apenas para a ver a série preferida – ela também está relacionada à produtividade e, consequentemente, aumento do PIB per capita e nível de emprego. E oferecer uma conexão veloz tem relação com infraestrutura e a capacidade de o governo promover um ambiente de negócios que permita essa expansão sem onerar as próprias contas e nem o consumidor.

Esse é um dos pontos abordados no estudo “O setor de telecomunicações”, que faz parte da série Panorama Brasil, e foi divulgado pela consultoria de gestão Oliver Wyman, em meados de maio. O documento analisa como o panorama do serviço de banda larga é diferente do da telefonia fixa: ainda há muito o que fazer para universalizar e melhorar a qualidade do serviço.

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O movimento é similar ao que o Brasil viveu nos anos 1990, quando houve a privatização das empresas de telecomunicação e a telefonia fixa tornou-se acessível aos brasileiros. Em 1998, o país tinha 17 milhões de linhas fixas e 4,6 milhões de celulares. Hoje, há 235,5 milhões de linhas de celular ativas (mais do que os 208,5 milhões de brasileiros) e 40,8 milhões de linhas de telefonia fixa. Na banda larga, são 28,7 milhões de acessos fixos e 204,1 milhões de conexões móveis. Além disso, 17,8 milhões de brasileiros são clientes de TV por assinatura, segundo dados do SindiTelebrasil, que representa o setor.

A principal marca da privatização foi a competição no setor, avalia o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude. “Foi a competição que acabou com as filas de espera de telefones fixos e móveis e permitiu o desenvolvimento de serviços que nem existiam na época.”

Secretário executivo do Ministério das Comunicações na época, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros, destaca que a quebra do monopólio da Telebrás foi fundamental para o crescimento do acesso da população aos serviços de telefonia. Foi necessário aprovar uma lei, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) e criar uma agência reguladora.

DESEJOS PARA O BRASIL: Um estado leve e ágil

A privatização rendeu à União R$ 22 bilhões. Hoje, além das quatro grandes empresas do setor, há milhares de pequenos provedores de internet fixa e móvel no país. Para o presidente executivo do Sinditelebrasil, Eduardo Levy, a privatização das teles foi o maior programa de inclusão social promovido por empresas no País. “Tudo foi feito sem dinheiro público.”

O acesso à telefonia fixa está universalizado e superado, mas as políticas públicas ainda direcionam boa parte dos investimentos para esse serviço, destaca Quadros. A Lei Geral das Telecomunicações, de 1997, está em vigor e ainda não foi atualizada.

Todos querem internet

Mas o momento atual já é bem diferente: a maior parte da receita das teles já vem da internet. Hoje, de acordo com a consultoria Teleco, nos serviços fixos, a banda larga representa quase 40% do faturamento das empresas, ante 24% em 2010, enquanto a telefonia fixa reduziu sua participação para 30,8%, ante 57,1% em 2010. Na telefonia móvel, a curva se inverteu: em 2012, serviços de voz representavam 78,6% das receitas, e de internet, 21,4%. Hoje, dados são 62,1% do faturamento, enquanto voz caiu para 37,9%.

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No caso da internet, o número de acesso à banda larga fixa no Brasil é de 12,9 por 100 habitantes. Para se ter noção, Itália e Uruguai estão na casa dos 26 – o dobro que o Brasil. A maior parte dos países está na faixa dos 30 e a líder desse ranking, a Suíça, tem 45,1 acessos por 100 habitantes. Além da baixa penetração, a qualidade do serviço deixa a desejar. A velocidade média de conexão no Brasil é de 3,6 Mbps – a média mundial é de 5 Mbps.

Setor precisa de nova regulação

Esse processo é reflexo de uma mudança rápida e contundente, em que serviços de comunicação antes importantes, como a telefonia fixa, deram lugar a um novo conjunto de demandas, como a banda larga. O problema é que a regulação do setor de telecomunicações não acompanhou essa evolução, e não reflete mais as demandas do mercado. Por isso, há mais apetite por banda larga, mas o serviço ainda é precário.

Para a sócia da Oliver Wyman no Brasil, Ana Carla Abrão, as nossas normas não têm flexibilidade suficiente para acompanhar as mudanças e tendências de mercado. “Hoje, temos ociosidade de telefonia fixa, mas as operadoras são obrigadas a fazer a manutenção de orelhões. Por outro lado, temos uma grande deficiência de banda larga, que é para onde o mercado está indo”, pondera.

DESEJOS PARA O BRASIL: Mais espaço para a iniciativa privada

O novo marco regulatório do setor destina os recursos das empresas para a expansão da internet e permite migração do regime de concessões para o de autorizações. No regime de concessão, os bens usados na prestação do serviço (prédios, equipamentos) precisam ser devolvidos à União no fim do prazo das concessões e as empresas são obrigadas a cumprir metas de universalização dos serviços. Na autorização, os bens pertencem à operadora, que pode dispor deles como quiser e os serviços podem ser ofertados de acordo com o interesse da empresa.

O projeto foi votado pela Câmara no fim de 2016 e aprovado de forma expressa no Senado. Um recurso da oposição no Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu a proposta ao Senado, mas o presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), nunca mais pautou o projeto. “O que falta hoje é uma ação do Executivo e do Legislativo para definir uma nova política pública para o setor. Quando isso ocorrer, a Anatel estará pronta para implementar aquilo que for aprovado. Não cabe à Anatel a definição de políticas públicas”, afirmou Quadros.

Produtividade em xeque

Essa inércia do poder público em organizar o setor afeta diretamente a produtividade do Brasil, que por sua vez tem reflexos positivos na economia. A Oliver Wyman lembra de um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que faz a correlação entre o aumento da penetração da banda larga e PIB per capita, produtividade e emprego. A amostra avaliou 24 países latino-americanos e caribenhos. A conclusão é de que um aumento de 10% na penetração da banda larga leva a um aumento de 3,2% do PIB per capita, 2,6% da produtividade e 0,5% do nível de emprego.

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Para Ana Carla, o problema do Brasil é que houve pouco investimento em infraestrutura nos últimos 20 anos, o que faz com que a produtividade fique estagnada. E é fundamental reverter esse quadro para voltar a crescer, e gerar emprego e renda. “A infraestrutura tem impacto na produtividade – mais conectividade, mais velocidade, mais acesso –, isso falando só da conectividade de dados. Pensando no futuro, com internet das coisas e todos esses dispositivos e possibilidades de conexão, é fundamental pensar nessa universalização”, pontua.

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