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Protesto na Câmara contra aprovação de projeto que flexibiliza uso de agrotóxico, em 25 de junho. | Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Protesto na Câmara contra aprovação de projeto que flexibiliza uso de agrotóxico, em 25 de junho.| Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Há uma nova frente de batalha na disputa sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. Depois que uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o parecer de um projeto que facilita e amplia a aplicação dos produtos, outra comissão da Casa que pretende restringi-los decidiu examinar as isenções fiscais concedidas aos fitossanitários. Segundo dados de um relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentados em audiência pública na terça-feira (3), a União deixou de arrecadar R$ 6,8 bilhões entre 2011 e 2016 por conta desses benefícios.

A intenção da comissão especial que analisa a proposta de Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) é reverter ao menos parte da renúncia fiscal dos agrotóxicos para financiar projetos de agricultura sustentável. “Saberemos onde buscar recursos para financiar as pesquisas e o fortalecimento das alternativas agroecológicas”, disse o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), presidente do colegiado que defende a aprovação do Projeto de Lei n.º 6670/16. Também dão sustentação a ele pelo menos 329 associações que apoiam a campanha #ChegaDeAgrotóxicos. Além de ambientalistas, tradicionais opositores dos ruralistas, estão na campanha entidades médicas, de defesa dos direitos do consumidor e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

O grupo pró-agroecologia se mostra disposto a enfrentar a força da bancada ruralista, que conta com 209 deputados, reunidos na Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA). Desses, 20 fazem parte da comissão especial que aprovou parecer pela flexibilização no uso dos agrotóxicos no dia 25 de junho. A votação foi em sessão estratégica: ocorreu em uma segunda-feira, dia em que o Congresso ainda está vazio. O texto precisa ainda passar pelo plenário da Câmara dos Deputados e pelo Senado.

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Conforme o parecer do projeto (PL n.º 6.299/02), os agrotóxicos passariam a ser chamados de pesticidas e poderiam ter seu Registro Especial Temporário (RET) concedido apenas pelo Ministério da Agricultura, mesmo que o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tenham concluído suas análises. Essa autorização só poderia ser dada a produtos utilizados por ao menos três dos 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O texto aprovado determina que o RET seja concedido em até 30 dias; que a conclusão de pedidos de registros novos em todos os órgãos competentes seja finalizada em 24 meses; para produtos técnicos equivalentes, em até 12 meses.

O relator do texto, deputado Luiz Nishimori (PR-PR), defendeu as mudanças na legislação, já que as atuais regras remontam ao final da década de 1980. “Queremos modernizar, estamos apresentando uma das melhores propostas para o consumidor, para a sociedade e para a agricultura, que precisa dos pesticidas como precisamos de remédios”, disse Nishimori. Ele ressaltou que as atribuições dos ministérios na análise e no registro de novos pesticidas permanecem as mesmas. Além disso, a mudança de nomenclatura é para padronizar o uso.

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As mudanças propostas no PL n.º 6.299/02, porém, são bastante arrojadas e não encontram equivalente em países ricos. Nos Estados Unidos, a responsabilidade básica pelo registro de agrotóxicos é da Environmental Protection Agency (EPA), a Agência de Proteção ao Meio Ambiente, que leva cerca de três anos para analisar o efeito de novos ingredientes ativos. Até o dia 23 de julho de 2018, por exemplo, está aberto o período de consulta popular para referendar os achados da EPA sobre a substância Pydiflumetofen, cujo registro foi apresentado pela Syngenta em 2015. Os demais documentos da agência para 2018 e anos anteriores mostram que o prazo de três anos é padrão. Na União Europeia, os registros se iniciam em cada país-membro, mas são analisados pela European Food Safety Authority (EFSA), o equivalente à Anvisa. O site de registro de novas substâncias informa que o prazo varia de 2,5 a 3,5 anos para aprovação, e isso depende da complexidade do processo.

Queda-de-braço

Por enquanto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se mostrou inclinado a dar celeridade ao projeto que flexibiliza o uso dos agrotóxicos. Por outro lado, também demorou para instalar a comissão especial do Pnara. O ato da presidência criando o colegiado foi assinado em 7 de fevereiro de 2017. Mas o ato de instalação efetiva só foi assinado mais de um ano depois, em 15 de maio de 2018, após pressão de celebridades, como chefs de cozinha e atores.

Bela Gil, Paola Carossella, Bel Coelho, Alex Atala, Patricia Pillar, Alinne Moraes, Bruna Marquezine, Luana Piovani, Matheus Solano, Marcos Palmeira e Caco Ciocler foram alguns dos que se manifestaram contra os agrotóxicos nas redes sociais e em audiências com parlamentares. Esse engajamento, com gravação de vídeos e depoimentos, tem contribuído para a coleta de assinaturas no abaixo assinado do #ChegaDeAgrotóxicos, que até as 15 horas de 5 de julho tinha coletado 1,1 milhão de assinaturas em favor do Pnara.

O contra-ataque dos ruralistas também foi feito no formato de vídeo, usando o original em favor do Pnara para carimbar a fala dos atores com um selo de “Fake News”. Sem citar a autoria do vídeo, que teria sido produzido pelo publicitário Nizan Guanaes para os ruralistas, segundo o site G1, há menção a dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostrando que outros países usam mais defensivos agrícolas do que o Brasil.

Os dados mais recentes da FAO mostram, de fato, que o Brasil fica em 14.º lugar no uso de agrotóxicos por hectare, mas eles também revelam que o país tem elevado o uso do produto, ao mesmo tempo em que há uma tendência na Europa para restringi-lo (veja no infográfico abaixo). Na verdade, há informações desencontradas sobre as estatísticas. A FAO informa que muitos dados são estimados ou semi-oficiais. Além disso, os registros do Ibama mostram valores maiores: 508,5 mil toneladas de ingredientes ativos comercializados em 2014, contra 395,6 mil toneladas de ingredientes ativos que teriam sido comercializados em 2015, segundo o site da FAO sobre pesticidas no mundo.

Governo atua de forma contraditória ao dar isenção para agrotóxicos, diz TCU

Em setembro de 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou o relatório de auditoria sobre a preparação do governo federal brasileiro para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em que analisou as isenções fiscais para os agrotóxicos no Brasil. Segundo o relatório, ao dar esse benefício, o governo “atua de forma contraditória e contraproducente aos objetivos das políticas que buscam garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos”. O TCU recomendou ao Ministério do Planejamento, Casa Civil e à presidência da República que “estabeleçam mecanismos de coordenação interministerial para promover o alinhamento e consistência das políticas públicas, considerando uma perspectiva integrada de governo”.

Pulverização em lavoura: agronegócio diz que lei não aumenta uso de agrotóxico, mas agiliza registros de produtos mais modernos.Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

‘Brasil precisa de produtos mais modernos e eficientes’, diz indústria de defensivos

A morosidade no registro de agrotóxicos causa perdas bilionárias para a economia brasileira, e por isso é necessária a aprovação do PL n.º 6.299/02, defende a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que representa as indústrias de defensivos agrícolas no país. Um estudo encomendado pela entidade, feito pelo engenheiro agrônomo Alexandre Mendonça de Barros, mostra que os ganhos de produtividade e impactos na economia com o uso de novas técnicas de controle de pragas gerariam de R$ 12 bilhões a R$ 25 bilhões.

No site da Andef, há uma série de outros materiais fazendo a defesa do uso dos defensivos – o termo agrotóxico foi deixado de lado há anos pelo setor. Em entrevista por e-mail, a gerente de Ciência Regulatória da associação, Andreia Ferraz, disse que não há risco de o Brasil ampliar o uso do produto nas lavouras. “É importante esclarecer que a atualização proposta no PL n.º 6.299/02 não tem como objetivo ampliar o uso de defensivos agrícolas no Brasil, mas sim permitir que tenhamos acesso mais rapidamente a produtos mais modernos e mais eficientes, sem deixar de lado o rigor científico que deve ser empregado nas avaliações”, afirmou.

Citando dados atualizados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da consultoria Phillips McDougall, Andreia citou que o Brasil aparece em 7.º lugar no emprego de defensivos agrícolas por área cultivada, em um ranking de 20 países, ficando atrás de países como Japão, Alemanha, França, Itália e Reino Unido.

“Se a análise for pelo volume de defensivos utilizados, o país cai para 13.ª posição e passam à nossa frente Canadá, Espanha, Austrália, Argentina, Estados Unidos e Polônia”, acrescentou. Ela ressaltou que cada país tem uma necessidade diferente, em função do clima e produção agrícola. “O Japão, por exemplo, emprega por hectare quase oito vezes mais do que o Brasil. Países como Japão, Coreia, Alemanha e França produzem em clima temperado, bem mais favorável ao controle de pragas. Diferente do Brasil, que tem um clima tropical e, consequentemente, mais chances de proliferação de pragas”, explicou.

Saúde

A respeito dos questionamentos relacionados à saúde dos trabalhadores e dos consumidores de alimentos, a Andef sustenta que não há achados consistentes que comprovem maior incidência de câncer, problemas reprodutivos ou defeitos congênitos nem outras condições adversas, como autismo. Questionada sobre os alertas do Instituto Nacional de Câncer (Inca), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) contra o uso de agrotóxicos em geral e de alguns produtos em específico, a associação diz que todos os dados “robustos cientificamente” serão levados em consideração.

“Todos os produtos aprovados para uso passam por avaliações técnico-científicas que comprovam a segurança para a saúde e o meio ambiente sempre que respeitadas as normas de aplicação”, afirmou Andreia. Ela ressaltou ainda que a Iarc, ligada à ONU, não tem competência regulatória, e que esse papel é de atribuição do Grupo de Peritos em Resíduos de Agrotóxicos (JMPR, sigla em inglês), que é administrado conjuntamente pela FAO e pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

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