A frequência com que esquemas de corrupção vêm sendo devassados no Brasil tem suscitado um questionamento que circula, até, em corrente de WhatsApp: como, diante de casos tão escandalosos, os políticos nunca foram descobertos pela Receita Federal? A resposta pode estar na existência de uma “lista VIP” de contribuintes – na qual os políticos são os principais ocupantes.
A lista não é lenda de WhatsApp. Ela, de fato, existe – mas, é claro, não com esse nome. Trata-se de um conjunto de contribuintes que são classificados como “Pessoas Politicamente Expostas” (PPEs) e sobre os quais, em tese, deveria existir um controle mais rigoroso no que diz respeito a operações financeiras.
Para compor a lista, a Receita se baseia nas resoluções do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que considera uma PPE o cidadão que desempenha uma função pública relevante. Na última resolução do órgão, de dezembro do ano passado, novos atores foram incluídos ao grupo. Entre eles, membros dos Tribunais Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais; presidentes e tesoureiros de partidos políticos; deputados estaduais; prefeitos e vereadores.
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O primeiro problema, de acordo com a Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), é que não existe um tratamento mais rígido para essas declarações por parte da Receita Federal. Ao contrário, elas são tratadas como as dos cidadãos comuns, sem maior rigor na fiscalização.
De acordo com a Receita, entretanto, o critério para que um contribuinte seja acompanhado mais de perto se relaciona ao seu volume de bens e rendimentos. Pela portaria 3.312 de 2017, têm acompanhamento especial os contribuintes que têm rendimentos superiores a R$ 200 milhões e bens maiores que R$ 500 milhões.Já aqueles que possuem rendimento superior a R$ 10 milhões e patrimônio maior que R$ 20 milhões têm acompanhamento classificado como diferenciado.
“Por serem PPEs, essas pessoas já estão incluídas em um grupo à parte. No entanto, se um político não possuir grande patrimônio, ele não constitui um interesse prioritário para a fiscalização. O que nos preocupa realmente são os contribuintes com alta capacidade tributária – nos quais os PPEs podem, ou não, estar incluídos”, explica Iágaro Jung Martins, subsecretário de Fiscalização da Receita.
Em nota, a Receita ressalta que a fiscalização nesse grupo leva a punições: “No período compreendido entre 2012 a maio/2017, das 4.771 PPE, 310 foram fiscalizadas, correspondendo a 6,49% desse grupo, com um montante de autuação de R$ 367 milhões no período. Importante destacar que esse grupo de PPE, comparado com o grupo das demais pessoas físicas declarantes (que possui alguma relevância tributária, ou seja 28 milhões face aos 210 milhões de habitantes), é 16,6 vezes mais fiscalizado, fato que demonstra maior atenção da Fiscalização para com as PPE.”
Vigilância constante
De acordo com a Unafisco, contudo, além de não acompanhar de perto as PPEs, a Receita ainda coíbe a fiscalização dessas declarações por parte dos auditores. O mecanismo ocorre por meio do Sistema Alerta que, segundo a entidade, avisa os superiores dos profissionais quando a declaração de um membro da lista é consultada.
“É um sistema que vigia os auditores e os chama a dar explicações caso entrem na declaração de uma PPE. Fica no ar o risco de que, se não der uma boa justificativa, o auditor pode acabar sofrendo um processo na corregedoria por acesso imotivado”, afirma Kleber Cabral, auditor e presidente da Unafisco.
De acordo com a Receita, entretanto, o sistema não fiscaliza os auditores. “O Alerta serve para que os dados da declaração não sejam divulgados de forma indevida. Se alguém tenta acessar as informações de uma PPE com uma procuração falsa, por exemplo, o sistema é acionado”, diz Iágaro Martins.
Em funcionamento desde 2010, o sistema foi instituído pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega, após o vazamento de informações de familiares de José Serra (PSDB-SP), à época candidato à Presidência.
Em nota, a Receita alega que “a Receita Federal possui um conjunto de controles visando à necessária proteção dos dados de todos os contribuintes brasileiros, bem como tem os registros sobre os acessos de todos os seus servidores a qualquer dado que esteja sob seu controle, de todo e qualquer contribuinte. Portanto, esteja na lista de PPE ou não o controle é válido igualmente.”
Consequências administrativas
Os problemas envolvendo a “lista VIP” da Receita foram divulgados já em 2017 pela Unafisco. Com a repercussão do caso, Kleber Cabral, que foi a principal fonte das informações, acabou sendo processado no Conselho de Ética do órgão em junho do ano passado. A acusação é de que ele foi desleal à instituição em que trabalha. O processo continua em andamento.
Reportagem atualizada às 11h30 de 28 de fevereiro com respostas complementares da Receita Federal.
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