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O interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira (14) no processo referente ao sítio em Atibaia foi tenso – do começo ao fim. Durante quase três horas de depoimento, o petista demonstrou irritação ao tentar se defender das acusações do Ministério Público Federal (MPF). Ele chegou a se estranhar com os procuradores presentes na audiência, acusando o MPF de tentar criminalizar o PT, além de dizer que se considera um “troféu” para a Lava Jato. Em duas oportunidades, precisou ser enquadrado pela juíza federal Gabriela Hardt, que conduziu o interrogatório.

Foi a primeira vez que Lula depôs como réu após ter sido preso em abril por ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex de Guarujá. Foi também a primeira vez que ele ficou frente a frente com a nova juíza da Lava Jato. Os processos eram conduzidos pelo juiz federal Sergio Moro, mas ele se afastou depois de aceitar o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para chefiar o Ministério da Justiça. Moro vai pedir exoneração da carreira em janeiro e um novo juiz deve ser designado para o caso. Até lá, Hardt ficará à frente dos processos

Já nos primeiros minutos da audiência, Hardt e o ex-presidente protagonizaram uma discussão. Lula disse que não sabia do que estava sendo acusado e a juíza sintetizou a acusação do MPF. Em seguida, o petista perguntou a Hardt se ele é o dono do sítio em Atibaia – ponto central da peça de acusação. 

“Senhor presidente, isso é um interrogatório e se o senhor começar nesse tom comigo a gente vai ter problema. Então vamos começar de novo. Eu sou a juíza do caso, eu vou fazer as perguntas que eu preciso para que o caso seja esclarecido para que eu possa sentencia-lo ou para que algum colega possa sentencia-lo”, disse a magistrada. 

Relações com a família Bittar

Durante a audiência, Lula foi questionado sobre sua relação com a família de Fernando Bittar, dono formal do sítio em Atibaia, que também é réu no processo. 

“Era quase que uma relação de pai para filho”, respondeu o ex-presidente. Lula contou que o pai de Fernando, Jacó Bittar, e Olívio Dutra foram seus principais aliados na fundação do PT e da Central Única dos Trabalhadores [CUT]. “Eu tenho o Fernando como um filho. A minha relação com ele, com a mulher dele, com o filho dele é como um filho”, frisou o ex-presidente. 

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Em seu interrogatório, na segunda-feira (12), Bittar também frisou a relação de amizade entre as duas famílias. Ele se referiu no interrogatório à ex-primeira dama Marisa Letícia como “tia Marisa” diversas vezes. 

“Eu tenho um profundo orgulho, o Fernando chegava a tratar a Marisa quase como mãe. Ele tinha mais medo da Marisa do que tinha da mãe dele”, disse. Nesse momento, a advogada ri e diz: “Ele já me disse algumas vezes isso”. Lula completa: “Porque a Marisa era baixinha, mas era brava. Eles tinham medo”. 

Segundo Lula, a família tem uma relação de amizade desde 1975. O ex-presidente chegou a dizer que recebeu Jacó Bittar no Palácio do Alvorada algumas vezes, para jogar cartas e conversar. 

Lula ainda disse que a relação deles era estritamente familiar e que não discute política em família, nem em sua casa. “Eu não confundo uma relação política com relação de amizade”, disse.

Marisa cuidava da horta e de animais do sítio

Ao longo do depoimento, Lula também explicou sua relação com o sítio em Atibaia. O ex-presidente não negou que visitava o imóvel com frequência e chegou a admitir que pensou em comprar a propriedade para alegrar Marisa. 

Uma das advogadas presentes na audiência quis saber se dona Marisa Letícia era responsável pela horta e pelos animais do sítio. Lula disse que sim. 

LEIA MAIS: Lula diz que não pediu e não pagou por obras no sítio de Atibaia

Segundo Lula, Marisa sempre gostou de horta e tinha planejado até comprar galinhas para ter ovos disponíveis. Questionado sobre uma eventual participação de Marisa na administração do sítio, Lula foi taxativo: “Não, administração só o Fernando”.

O ex-presidente foi confrontado algumas vezes pelos argumentos e provas do Ministério Público acerca da propriedade do sítio. Uma perícia da Polícia Federal realizada no local depois da Operação Aletheia, 24.ª fase da Lava Jato que teve Lula como principal alvo, só encontrou objetos pessoais da família de Lula no imóvel. 

“Se você invadir um quarto de hotel em que eu estou, você vai encontrar todos os meus pertences lá. É meu esse quarto?”, questionou Lula ao responder sobre o assunto. 

O procurador Athayde Costa indagou Lula se ele teve interesse em comprar a chácara em Atibaia. “Eu pensei em comprar, em 2016, para agradar dona Marisa. Acontece que o Jacó Bittar não pensava em vender o sítio, ele queria exibir aquilo como patrimônio”, respondeu o petista. 

Em seguida, o procurador apresentou uma minuta de escritura datada de 2012 e apreendida na residência do ex-presidente em que constavam os nomes de Lula e Marisa como compradores do sítio. Visivelmente surpreso, Lula negou que tivesse algum interesse no negócio antes de 2016.

Obras realizadas no sítio

Athayde Costa também perguntou se Lula tomou conhecimento das obras no sítio com o empresário José Carlos Bumlai – também réu no processo e interrogado nesta quarta-feira (14). “Não, o sítio não era meu e eu não tinha obrigação de perguntar ou de responder sobre isso”, afirmou o ex-presidente. 

O procurador citou então várias datas de encontros ocorridos entre Lula e Bumlai, muitas deles no Instituto Lula, e voltou a indagar se em nenhuma dessas vezes o assunto veio à tona. O ex-presidente voltou a negar e disse que Bumlai era aposentado, morava em São Paulo e poderia frequentar o Instituto Lula quantas vezes quisesse.

O ex-presidente também foi questionado em relação a obras de reforma na cozinha do sítio. Bittar disse em seu depoimento que descobriu uma nota de R$ 170 mil em seu nome referente à reforma e que não foi o responsável pelo pagamento. Bittar disse à juíza que imaginava que Lula e Marisa teriam pago pela reforma. 

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“Com aquilo lá custando R$ 170 mil a dona Marisa surtava”, respondeu Lula. “Se foi feito, eu trabalho com a ideia de que alguém pagou. Ou o Fernando ou a dona Marisa. Eu não paguei porque eu não conversei com eles sobre isso”, completou o petista. 

Lula disse não acreditar, porém, que Marisa pediria para as empreiteiras as reformas na propriedade. “Eu tenho muita dúvida se a Dona Marisa pediu para fazer a reforma. Eu tenho muita dúvida. Como ela não está aqui para se explicar, eu fico com a minha dúvida”, disse. “Agora ficou fácil citar o nome da dona Marisa porque ela morreu”, criticou Lula. 

O ex-presidente disse que estava “afirmando categoricamente” que jamais pediu a realização de obra alguma e que, por isso, não pagaria por elas. “As obras não foram feitas pra mim, portanto eu não tinha que pagar porque achei que o dono do sítio tinha pago. Só isso”, disse Lula.

Lula reclamou de tentativa de criminalização do PT

Lula também aproveitou o depoimento para reforçar o combate à corrupção que foi fortalecido nos governos petistas. 

“Corrupção tem dois jeitos de combater. Um é você não combater, é colocar um carpete grande na sala e tudo que acontecer você vai jogando embaixo. Outro é você escancarar contra quem quer que seja. Nós criamos, inclusive, uma lei, que permite que a imprensa tenha acesso até ao papel higiênico que é utilizado no Palácio da Alvorada”, disse o ex-presidente, fazendo referência à Lei de Acesso á Informação. 

“Nós escancaramos esse país. Eu fico feliz com a apuração da corrupção. O que me incomoda é a conexão política que se faz com isso”, criticou Lula. “Se construiu uma mentira e passa a tentar jogar nas costas do PT a responsabilidade por tudo que aconteceu nesse país”, reclamou. 

Em outro momento, a procuradora Jerusa Viecili pergunta se Lula procurou o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, no decorrer das investigações da Lava Jato. “Eu não procurei pra questionar sobre esse fato. O Vaccari já participava de reuniões do diretório do PT”, respondeu Lula. “Como eu sabia da tentativa de criminalizar o PT, uma das formas que está no power point, né procurador, desculpa. Mas tentar vender o PT como uma quadrilha, que ganhou para roubar o país, era tentar levar o PT para a criminalização. Então eu achava que o Vaccari deveria defender o partido”, completou.

Juíza chamou atenção de Lula por tentativa de intimidação da acusação

Lula voltou a reclamar do “power point” do MPF no final da audiência. O petista fez referência a uma coletiva de imprensa concedida pelo MPF ao apresentar a denúncia referente ao tríplex no Guarujá – Lula foi condenado a 12 anos e meio de prisão nessa ação e já cumpre a pena preso na Polícia Federal. Na coletiva, o MPF apresentou uma apresentação em power point para detalhar a denúncia. 

Nesse momento, Lula se dirigiu ao procurador do MPF Athaíde Ribeiro Costa. “Se o power point tivesse sido desmentido... Vou dizer uma coisa para você, procurador, que eu não podia dizer. No dia do power point eu falei para o PT, se eu fosse presidente do PT, pediria para que todos os filiados do PT do Brasil inteiro abrissem processo contra o Ministério Público para ele provar o power point”, disse o ex-presidente, que foi interrompido pela juíza. 

Hardt acusou o ex-presidente de tentar intimidar a acusação. “O senhor está intimidando a acusação assim, senhor presidente. Por favor, vamos mudar o tom. O senhor está instigando e intimidando a acusação e eu não vou permitir”, disse a magistrada. 

No final do interrogatório, Lula pede desculpas a procurador e diz que é um troféu 

Já no final do depoimento, em suas considerações finais, Lula tenta se retratar com o procurador do MPF. Já em um tom menos agressivo, o ex-presidente comenta: 

“As vezes eu fico nervoso, mas não é pessoalmente com ninguém, porque vocês sabem que eu tenho um respeito profundo pela instituição [MPF], tenho muitos amigos dentro do Ministério Público. As vezes eu fico muito nervoso com as mentiras que foram contadas no power point. Fico muito irritado”, disse o ex-presidente.

“Eu não sei se vou viver tempo suficiente para que a verdade venha à tona porque aos 73 anos a natureza é implacável, a natureza vai conduzindo a gente”, lamenta Lula. O petista diz, ainda, que se considera um troféu para a Lava Jato. 

“Eu me considero, sabe como procurador, um troféu. Eu era um troféu que a Lava Jato precisava entregar. Não sei porque não gostam de mim, mas era um troféu que precisavam entregar”, disse. 

Entenda o caso

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) aponta que o petista é o dono de um sítio em Atibaia, que teria sido reformado por empreiteiras como forma de pagamento de propina ao ex-presidente. O imóvel está em nome de laranjas, segundo os procuradores, mas há uma série de elementos que ligam Lula ao sítio.

O MPF acusa as empreiteiras Odebrecht, OAS e Schahin de gastarem R$ 1,02 milhão em obras de melhorias no sítio em troca de contratos com a Petrobras.

Quem são os réus no processo?

Além de Lula, são réus no processo os executivos da Odebrecht, Carlos Paschoal, Emyr Costa, Alexandrino Alencar, Marcelo Odebrecht e Emílio Odebrecht; da OAS, Leo Pinheiro, Agenor Medeiros e Paulo Gordilho; o ex-segurança de Lula, Rogério Aurélio Pimentel; o advogado do petista, Roberto Teixeira; o proprietário formal do sítio, Fernando Bittar; e o pecuarista José Carlos Bumlai.

Outros interrogatórios

Desde o dia 5 de novembro, a juíza está interrogando os réus do processo. Os primeiros a serem ouvidos foram os ex-executivos Carlos Paschoal e Emyr Costa, da Odebrecht. Eles confirmaram a versão do MPF e disseram que a reforma realizada pela empreiteira no sítio era para o ex-presidente.

Marcelo Odebrecht também foi interrogado e contou que a reforma do imóvel era para “pessoa física de Lula”. “Seria a primeira vez que a gente estaria fazendo uma coisa pessoal para o presidente Lula”, disse o delator.

Na última segunda-feira (12), Hardt ouviu o ex-assessor de Lula, Rogério Aurélio Pimentel; o dono do sítio, Fernando Bittar; e o advogado Roberto Teixeira. Bittar afirmou à Hardt que acreditava que Lula pagou pelas obras realizadas na propriedade e que elas foram “superdimensionadas”.

Outro lado

A defesa do ex-presidente divulgou a seguinte nota:

“O ex-presidente Lula rebateu ponto a ponto as infundadas acusações do Ministério Público em seu depoimento, reforçando que durante o seu governo foram tomadas inúmeras providências voltadas ao combate à corrupção e ao controle da gestão pública e que nenhum ato de corrupção ocorrido na Petrobras foi detectado e levado ao seu conhecimento.

Embora o Ministério Público Federal tenha distribuído a ação penal à Lava Jato de Curitiba sob a afirmação de que 9 contratos específicos da Petrobras e subsidiárias teriam gerado vantagens indevidas, nenhuma pergunta foi dirigida a Lula pelos Procuradores da República presentes à audiência. A situação confirma que a referência a tais contratos da Petrobras na denúncia foi um reprovável pretexto criado pela Lava Jato para submeter Lula a processos arbitrários perante a Justiça Federal de Curitiba. O Supremo Tribunal Federal já definiu que somente os casos em que haja clara e comprovada vinculação com desvios na Petrobras podem ser direcionados à 13ª. Vara Federal de Curitiba (Inq. 4.130/QO). 

Lula também apresentou em seu depoimento a perplexidade de estar sendo acusado pelo recebimento de reformas em um sítio situado em Atibaia que, em verdade, não têm qualquer vínculo com a Petrobras e que pertence de fato e de direito à família Bittar, conforme farta documentação constante no processo.

O depoimento prestado pelo ex-Presidente Lula também reforçou sua indignação por estar preso sem ter cometido qualquer crime e por estar sofrendo uma perseguição judicial por motivação política materializada em diversas acusações ofensivas e despropositadas para alguém que governou atendendo exclusivamente aos interesses do País.”

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