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 | Ricardo Stuckert/Fotos Públicas
| Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

A presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann, é vista hoje como uma “radical” do partido, a ponto de comprar briga com qualquer um que critique a sigla. Foi uma das vozes mais aguerridas na luta contra o impeachment de Dilma Rousseff. Defende o ex-presidente Lula com unhas e dentes. É uma crítica contumaz da Lava Jato. Inflamou a esquerda socialista quando elogiou, num único discurso, Che Guevara, a revolução comunista da Rússia e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

O curioso é que ela só chegou aonde está por ter sido uma moderada, uma integrante do chamado “PT rosa” – expressão usada para se referir aos petistas que não eram “vermelhos” ou “radicais”.

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O Paraná explica o perfil mais moderado do início da carreira de Gleisi

Dificilmente Gleisi teria a projeção nacional que alcançou se sempre tivesse sido do jeito que é atualmente. E isso pode ser explicado pelo estado no qual ela nasceu e fez carreira política: o Paraná, uma das unidades da federação mais resistentes ao PT.

Natural de Curitiba, Gleisi começou a se tornar conhecida em 2002 – quando participou da equipe de transição do recém-eleito presidente Lula. Embora ela até tenha ocupado outros cargos públicos, nessa época era mais conhecida como “a mulher do Paulo Bernardo” – político petista que viria a se tornar ministro de Lula e de Dilma. Após a posse de Lula no Planalto, Gleisi assumiu o cargo de diretora-financeira da Hidrelétrica de Itaipu. Ficou nessa função até 2006, quando o partido começou a trabalhar o nome dela para voos mais altos.

Ela assumiu a presidência do PT do Paraná, cargo que lhe deu exposição pública. Em 2008, disputou a prefeitura de Curitiba com um discurso que nada tinha de radical. Perdeu a disputa para Beto Richa (PSDB). Mas mostrou ao maior eleitorado do estado que os petistas poderiam ser moderados. Nessa época, a ala do partido da qual Gleisi fazia parte começou a ficar conhecida no estado como “PT rosa” ou “PT light”.

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Há muito tempo o Brasil já havia vencido suas restrições ao Partido dos Trabalhadores. O governo Lula não havia levado o país a nenhuma aventura esquerdista. Mantinha uma política econômica responsável. E o país vivia uma lua de mel com o então presidente.

Gleisi surfou essa onda. Elegeu-se senadora pelo Paraná em 2010, numa coligação que incluía forças políticas mais à direita – o que desagradava as alas da esquerda petista no estado. Na campanha, por exemplo, se posicionou contra a volta da CPMF (a pauta contrária à criação de impostos costuma ser da direita).

Gleisi ministra: “privatizações”, apoio a ruralistas, respeito aos contratos

O grande salto nacional de Gleisi viria em 2011. O então ministro da Casa Civil Antonio Palocci caiu sob acusação de enriquecimento ilícito. Dilma escolheu Gleisi, pouco conhecida fora do Paraná, para substituí-lo – muito por causa da ênfase dada nos discursos no Senado em defesa do governo e do Planalto.

Na Casa Civil, a paranaense passou muito longe da imagem de esquerdista radical. Defendia a responsabilidade fiscal e o controle de gastos públicos. Em viagens internacionais, convidava empresários a investir no Brasil – segundo ela, um país que respeitava os contratos.

Encabeçou um ambicioso programa de concessões de estradas, ferrovias, portos e aeroportos – que ironicamente foi acusado pelo senador Aécio Neves (PSDB) de ser o “maior plano de privatizações da história brasileira”. O programa acabou empacando por ter regras que desagradaram ao mercado. Ainda assim, o governo indicava não ser hostil ao capital privado.

Gleisi também se alinhou com os ruralistas ao suspender as demarcações de terras indígenas em 2013. Foi ela quem comandou as discussões para enfraquecer o poder da Funai para criar reservas de índios, dividindo atribuições com outros ministérios.

A Lava Jato traz novos ventos. E Gleisi começa a mudar

A paranaense deixou a Casa Civil de Dilma em fevereiro de 2014 para concorrer ao governo paranaense. Na campanha, novamente ela manteve um tom sem extremismos. Mas os ventos estavam mudando. A Lava Jato começou em março daquele ano. E o Paraná, terra da operação, havia se voltado contra o PT. Gleisi amargou um distante terceiro lugar, com meros 14,8% dos votos na eleição vencida novamente pelo tucano Beto Richa.

Na ocasião, ela atribuiu o mau desempenho eleitoral ao “ódio” contra o PT. “As pessoas me cumprimentavam e diziam assim: ‘olha, gosto muito de você, mas não vou votar em você porque você é do PT’. As pessoas estavam emocionalmente envolvidas com esse ódio. Aí ficava difícil argumentar”.

A virada de Gleisi, de moderada a radical, estava começando. E foi se intensificando ao mesmo tempo em que a Lava Jato chegava cada vez mais perto das estrelas do PT – aliás, ela própria viria a ser acusada de participar do esquema de corrupção (o que sempre negou).

Nos bastidores, especula-se que há uma boa dose de preocupação com a própria sobrevivência política nessa transformação. Muito associada a Dilma e envolvida na Lava Jato, Gleisi teria percebido que o ódio ao PT só teria lhe deixado uma opção eleitoral: a tradicional militância petista, mais à esquerda. Trata-se de um eleitorado menor, mas mais fácil de ser conquistado devido às circunstâncias. (Por sinal, nas eleições deste ano, a paranaense nem cogita tentar a reeleição ao Senado, que exige mais votos. Vai disputar uma vaga para a Câmara dos Deputados).

Impeachment: a virada definitiva da senadora

Um momento decisivo da metamorfose de Gleisi foi o impeachment de Dilma, em 2016. Gleisi foi uma das principais defensoras da presidente – a ponto de bater boca no plenário do Senado com adversários políticos favoráveis ao processo de cassação da petista.

A disposição para a briga lhe valeu duas indicações importantes em 2017. Foi escolhida líder do PT no Senado e presidente nacional do partido – esta, uma escolha pessoal de Lula.

Ao mesmo tempo em que ficava cada vez mais em evidência, Gleisi tornou-se alvo de hostilizações em público, sobretudo em voos comerciais. E passou a produzir polêmicas em série. Em julho do ano passado, ocupou a mesa diretora do Senado, onde até almoçou, para impedir a votação da reforma trabalhista do governo Temer.

No mesmo mês, em discurso na abertura do 23.º encontro do Foro de São Paulo, na Nicarágua, Gleisi atingiu o ápice de sua guinada à esquerda. Celebrou o centenário da Revolução Russa, enalteceu o “guerrilheiro heroico” Che Guevara e manifestou apoio ao governo de Maduro na Venezuela e ao Partido Comunista de Cuba.

Estilo ‘bateu-levou’ conquista Lula. E Gleisi vira a ‘voz’ do chefe

Outra marca da “nova” Gleisi tem sido a intransigente defesa do ex-presidente Lula. No afã de defendê-lo contra a Lava Jato, cometeu algumas gafes. Em janeiro, publicou numa rede social uma foto que mostraria a torcida do time alemão Bayern de Munique se solidarizando com o ex-presidente brasileiro ao exibir no estádio uma faixa que dizia “Forza Lula”. Na verdade, a mensagem grafada era “Forza Luca”, e fazia referência ao torcedor italiano Luca Farnesi, vítima de uma briga entre torcidas em seu país.

Mas, ao que tudo indica, o estilo ‘bateu-levou’ de Gleisi agradou Lula. Após ser preso, em março, ele a nomeou sua porta-voz. Na impossibilidade de o ex-presidente comandar pessoalmente o partido, é a paranaense quem repassa as ordens do chefe ao PT.

A principal delas é muito clara: não admitir em hipótese alguma que Lula não será candidato a presidente. Gleisi vem cumprindo sua missão à risca. Nem que tenha que colecionar brigas, inclusive com petistas que querem outro nome. Bem ao seu novo estilo .

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