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Praça de pedágio: medida provisória, que virou lei, permite a renovação do contrato antes de seu fim . E também que a empresa que não consegue cumprir suas obrigações possa devolver a concessão amigavelmente. | Marco Martins/Gazeta do Povo/Arquivo
Praça de pedágio: medida provisória, que virou lei, permite a renovação do contrato antes de seu fim . E também que a empresa que não consegue cumprir suas obrigações possa devolver a concessão amigavelmente.| Foto: Marco Martins/Gazeta do Povo/Arquivo

A Operação Lava Jato suspeita que a medida provisória (MP) que mudou as regras de renovação de contratos de pedágio nas rodovias federais e nas concessões de ferrovias e aeroportos da União, convertida em lei no ano passado, possa ter sido redigida para atender aos interesses das concessionárias.

E-mails entre dirigentes de empresas de pedágio e de associações que as representam, apreendidos pela 48.ª fase da Lava Jato, indicam que as concessionárias tiveram acesso ao conteúdo da medida provisória e tentaram influenciar a redação de seu texto antes mesmo da edição da MP. A mais nova fase da operação foi deflagrada nesta quinta-feira (22).

MP virou lei e permitiu que concessões fossem prorrogadas antes do fim dos contratos. Empresas que não cumprem contrato podem devolver a concessão de forma amigável

A MP 752 foi editada em novembro de 2016 pelo presidente Michel Temer (PMDB). O governo argumentou que a mudança na legislação iria alavancar os investimentos no país. O Congresso a aprovou e o texto virou a Lei 13.448, em junho de 2017.

A nova legislação permitiu que as concessões públicas sejam prorrogadas antes do fim do contrato – desde que a estrada, ferrovia ou aeroporto tenha sido incluído no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado no início da gestão Temer.

A lei também autoriza a chamada “relicitação”: uma empresa que não consegue cumprir o contrato pode devolver a concessão ao Estado de forma amigável. A rodovia, ferrovia ou aeroporto, nesse caso, será concedida novamente a outros empresários.

Nos próximos anos, uma série de contratos de concessões do fim da década de 1990, feitas durante o governo FHC, começa a expirar. E, em tese, as concessões deveriam ser licitadas novamente. Além disso, as concessões do período do PT na Presidência são alvo de constantes reclamações das empresas em relação ao valor das tarifas – mais baixas do que as licitadas na gestão do PSDB. Segundo as empresas, esses valores não proporcionam uma remuneração adequada do investimento.

Esses contratos – tanto os dos governos tucanos como os dos petistas – em tese não são contemplados pela lei porque não fazem parte do PPI, o plano de concessões e privatizações de Temer. Mas, desde que atendam aos requisitos do programa, em tese nada impede que venham a ser incluídos no PPI para efeito de renovação de contrato.

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Troca de e-mails mostra que concessionários queriam influenciar a redação do texto da MP

O procurador Diogo Castor de Mattos: “Esse texto da medida provisória circulou pelos administradores de seis concessionárias muito antes de sua edição. Esse fato chamou um pouco da atenção nossa. E demanda um aprofundamento investigativo”.Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A tramitação da MP 752, contudo, agora entrou no alvo da Lava Jato. “Esse texto da medida provisória circulou pelos administradores de seis concessionárias muito antes de sua edição. Esse fato chamou um pouco da atenção nossa. E demanda um aprofundamento investigativo (...). Sabe-se que por trás disso há a questão da renovação das concessões porque havia um lobby muito forte das concessionárias”, disse nesta quinta-feira (22) o procurador da Lava Jato Diogo Mattos Castor.

No pedido de autorização da nova etapa da Lava Jato apresentado ao juiz Sergio Moro, os procuradores da Lava Jato detalham as trocas de e-mails. Os investigadores juntaram a troca de mensagens sobre a MP, antes de ela ser editada, entre funcionários da Presidência e do Ministério do Planejamento, dirigentes de empresas do setor e representantes da associação das concessionárias de pedágio.

Dentre eles, está Cesar Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias (ABCR) desde setembro de 2016. Borges também foi ministro dos Transportes e dos Portos no governo de Dilma Rousseff e governador da Bahia. Também consta das trocas de mensagens o presidente da ABCR no Paraná, João Chiminazzo Neto.

Num dos e-mails de outubro de 2016, um dirigente de concessionária do pedágio no Paraná diz a Chiminazzo que “seria importante” baixar, no texto da MP, o porcentual de conclusão de obras previstas no contrato para que ele pudesse ser prorrogado. A medida provisória previa 80% e o pleito das empresas do Paraná era de que o texto final fixasse em 50%. A Lava Jato destaca que, no Paraná, o índice de conclusão das obras não supera os 40%.

Nesse caso, contudo, o lobby não funcionou. A MP foi editada com os 80% e a lei aprovada no Congresso manteve esse porcentual.

A Gazeta do Povo procurou a ABCR nacional. Por meio da assessoria de imprensa, a associação informou inicialmente que não iria se pronunciar. Nesta sexta-feira (23), a entidade enviou uma nota esclarecendo que “sempre manteve um diálogo permanente com os poderes concedentes federal e do Paraná, para levar os pontos de vista ou reivindicações do setor, de forma legítima, lícita e republicana.”

Segundo a entidade, “a mensagem distribuída pelo Ministério do Planejamento, citada no texto, tratou-se de simples consulta ao setor do transporte, incluindo a ABCR. Nesse sentido, qualquer insinuação sobre abordagens ilícitas na troca de mensagens é vista pela associação como leviana, distorcida e irresponsável. Ao ser procurada pela reportagem da Gazeta, a ABCR orientou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que César Borges não era mais um agente público em 2016, não havendo, portanto, relação entre os fatos.”

A assessoria de Chiminazzo informou que ele estava voltando de uma viagem ao exterior e não conseguiu localizá-lo para comentar a suspeita do Ministério Público Federal (MPF). Em nota pública, a ABCR Paraná apenas reafirmou “a importância do setor de concessões para o desenvolvimento da infraestrutura brasileira”.

Nova MP também favorece as concessionárias e permite que elas adiem em 14 anos a entrega de obras previstas no contrato

Os procuradores do MPF sustentam que a necessidade de aprofundar as investigações sobre a MP das Prorrogações de Contratos se fortalece diante da edição de outra medida provisória que também favorece as concessionárias. Se a MP 752 permitiu a renovação de contratos antes do fim, a Medida Provisória 800 estabelece a obrigatoriedade de entrega das obras previstas em contrato até 14 anos após a assinatura do contrato (o contrato original previa cinco anos).

Editada em setembro do ano passado, a MP 800 é vista como um socorro específico para as concessionárias que venceram as licitações de rodovias durante o governo Dilma. As empresas não estão conseguindo cumprir os contratos, que previam a duplicação das estradas em cinco anos.Na prática, a maioria das obras de duplicação das estradas, que deveriam ser entregues em 2019, só vai ser concluída em 2028.

A MP 800 ainda não foi aprovada pelo Congresso. E a tramitação dela já causa atrito na base aliada. O Planalto inclusive cogita editar uma nova medida provisória com o mesmo teor.

Reportagem atualizada às 11h52 de 23 de fevereiro com o posicionamento da ABCR.

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