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 | Antonio Cruz    /    Agência Brasil
| Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Depois que a temperatura em Brasília esquentou nesta semana e a relação com o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) ficou estremecida, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse neste sábado (23) a jornalistas que a crise “acabou”. “Ela [crise] foi criada pelo entorno do governo, mas para mim já acabou e agora quero focar naquilo que eu acredito que é fundamental, que é mudar o Brasil”, disse o presidente da Câmara.

Apesar de garantir que vai continuar trabalhando pela reforma da Previdência, Maia mandou o uma série de recados ao governo federal em entrevistas concedidas ontem e hoje a veículos de imprensa. O presidente da Câmara cobra, principalmente, a melhora na articulação política do governo com o Congresso.

“Na próxima semana a gente precisa voltar a trabalhar pela reforma da Previdência. Eu dentro da Câmara, dialogando com os partidos, com os deputados, e o presidente da República assumindo de forma definitiva o que é o seu papel de articulação em nome do governo”, disse Maia neste sábado (23).

1. Bolsonaro precisa se empenhar mais pela reforma da Previdência 

O principal recado de Maia o governo federal é a necessidade de um empenho por parte de Bolsonaro para aprovar a reforma da Previdência. “Não preciso namorar, não preciso conversar, não preciso tomar café. Eu tenho convicção da matéria, o presidente nunca teve”, disse Maia a jornalistas neste sábado, referindo-se à declaração em que Bolsonaro comparou sua relação com o presidente da Câmara com um namoro. “Ele precisa ter convicção, precisa parar de falar que é contra a reforma da Previdência. Isso atrapalha, isso gera insegurança”, criticou o presidente da Câmara.

Bolsonaro chegou a dizer nesta semana que não gostaria de aprovar as mudanças. "A gente sabe que a reforma da Previdência é dura. Gostaria de não fazer, mas se não fizer, daqui dois, três anos quebra o Brasil e ninguém recebe nada”, disse o presidente em uma transmissão ao vivo nas redes sociais. 

“Ele não precisa me convencer a ser a favor da Previdência, o Paulo Guedes é que tem que continuar convencendo ele a ser a favor da Previdência. Eu estou onde sempre estive, eu defendo as mesmas ideias há muitos anos. Ele vem num processo de transição”, disse Maia. 

Em entrevista ao jornal “O Globo”, Maia foi na mesma linha ao defender um maior protagonismo de Bolsonaro na tentativa de aprovar a reforma. “Se ele não comandar, não teremos os 308 votos. Se não chamar deputado por deputado, não olhar no olho e não falar da importância da reforma, será difícil. Ou ele patrocina, lidera e passa a ser o garoto-propaganda dela, ou será muito difícil. Vou continuar trabalhando, tenho influência sobre boa parte dos parlamentares, mas não chego aos 308 votos”, disse Maia ao jornal.

2. Governo precisa levar articulação política a sério 

Na mesma linha da necessidade da aprovação da reforma, Maia afirmou que o governo precisa começar a levar a articulação política a sério. “O presidente da Câmara, que sou eu, vou continuar dentro do processo [de aprovação da Reforma] dentro da Câmara, dialogando com os deputados, mas eu não tenho a responsabilidade, nem o governo pode me delegar a responsabilidade de construir uma base para o governo”, reclamou. 

“É importante que o governo acerte na articulação e ele não pode terceirizar a articulação como estava fazendo. Transfere para o presidente da Câmara e para o presidente do Senado a responsabilidade que é dele e fica transferindo e criticando. ‘Ah, a avelha política está me pressionando, estão me pressionando’. Ele precisa assumir essa articulação porque ele precisa dizer o que é a nova política”, ressaltou Maia. 

Maia fez o mesmo alerta na entrevista concedida ao jornal “O Globo”. “Não tem ninguém boicotando votação, nenhum tipo de pressão. Ele (Bolsonaro) está criando uma falsa informação. Mas sem seu protagonismo, nada vai andar. Como é que o presidente não constrói sua base? Isso é impossível dar certo”, disse. 

Ao “Estadão”, Maia foi na mesma linha. “Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem [apenas] 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência”, disse. 

3. A campanha eleitoral precisa acabar e o Brasil precisa de projetos 

Outro recado do presidente da Câmara é a necessidade de o presidente deixar as redes sociais de lado e trabalhar “no mundo real”. Em entrevista ao “Estadão”, Maia disse que “o Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real”. Na mesma entrevista, Maia esclareceu que o DEM não faz parte da base do governo no Congresso oficialmente porque ainda não conhece os projetos do presidente para o Brasil.

Neste sábado, Maia disse o mesmo em coletiva de imprensa. “A gente precisa mostrar para a sociedade que a gente tem responsabilidade, que o governo tem responsabilidade, que o governo vai sair de conflitos nas redes sociais e vai para o mundo real. O mundo real onde as pessoas não têm escola, onde os jovens estão sendo entregues ao tráfico de drogas e ao tráfico de armas, onde temos mais de 15 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza e está crescendo. São esses pontos que precisamos tratar daqui para a frente e a reforma da Previdência é base para isso”, disse. 

O presidente da Câmara também reclamou que o governo federal não tem projetos para o país. “O Brasil quer construir um ambiente novo, ele foi eleito para isso, mas ele precisa colocar alguma coisa no lugar. Infelizmente, nem Trump colocou nada no lugar, nem aqueles que defenderam o Brexit colocaram ainda algo no lugar, nem a Espanha colocou nada no lugar porque teremos novas eleições porque o governo caiu. Esses movimentos são muito competentes para tirar algo do lugar, mas ainda não construíram um caminho para colocar algo”, disse Maia. 

“Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se sabe” disse Maia ao “Estadão”. Maia reclamou que o Brasil tem uma “ilha de governo” no Ministério da Economia. “Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública”, disse o presidente da Câmara.

“Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos”, alertou Maia, na mesma entrevista ao “Estadão”.

As críticas foram reforçadas neste sábado. “Esperamos que a partir de amanhã, com ele [Bolsonaro] no Brasil, que ele chame deputado, que ele explique o que ele quer, o que ele defende. Além da Previdência, quais são os projetos para o Brasil, como ele vai enfrentar a pobreza com algum projeto diferente do PT, como ele vai cuidar da habitação brasileira em algum projeto diferente do PT. Se não a gente vai achar que os governos são muito parecidos, porque até agora ninguém propôs nada de diferente do que o PT construiu nos últimos 13 anos. Um governo de direita não pode ser igual a um governo de esquerda”, disse o deputado. “Hoje, infelizmente, o Brasil é um deserto de ideias”, completou, reiterando declaração que deu ao “Estadão”, de que em sua avaliação “o governo é um deserto de ideias”.

O presidente da Câmara também reclamou das críticas nas redes sociais dirigidas a quem pensa diferente do governo. “Estamos vivendo um momento em que as redes sociais do Bolsonaro agridem quando um deputado ou jornal critica o governo. Tem algo errado nessa relação. Não é porque critiquei as mudanças no Benefício de Prestação Continuada [pago a idosos de baixa renda] e na aposentadoria rural que estou contra a reforma. E fui atacado por isso. Vivemos numa democracia ou numa ditadura? Quando você não aceita crítica, passa a não viver numa democracia e começa a viver numa ditadura”, disse Maia ao jornal “O Globo”. 

4. O governo não manda no Legislativo 

Maia também aproveitou o fim de semana para mandar recados para o ministro da Justiça, Sergio Moro. Depois de trocarem farpas publicamente, o presidente da Câmara tenta deixar claro que não vai aceitar nenhum tipo de pressão por parte do ministro - ou de qualquer setor do governo - sobre como a Câmara deve conduzir seu trabalho. Moro tentou pressionar Maia para colocar em tramitação o pacote anticrime ao mesmo tempo da reforma da Previdência. 

“Sempre tive uma relação de muito diálogo com o ministro Moro, sei das boas intenções dele. Agora, quem conhece a Câmara sou eu e sei que ela não tem capacidade de mobilização em dois temas tão relevantes ao mesmo tempo”, disse Maia ao jornal “O Globo”.

Na entrevista ao “Estadão”, Maia disse que Moro “passou da fronteira” ao tentar pressionar a Câmara em relação ao pacote anticrime. “Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira”, disse.

Neste sábado (23), o deputado voltou a dizer que a prioridade da Câmara é a reforma da Previdência, e destacou que o próprio governo federal deu esse recado quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi ao Congresso entregar as propostas ligadas ao tema, mas não para entregar o pacote anticrime. O recado para Moro é claro: o ministro vai ter que esperar. 

“Ela [reforma da Previdência] é tão importante para o Brasil que quando o governo apresentou suas propostas até agora, ele só foi ao Parlamento em dois momentos, apresentar duas propostas, as duas da Previdência. Uma da Previdência dos militares e a do regime geral. Então essa é a prioridade no Brasil. Sem ultrapassar a Previdência, não teremos um dia seguinte, que é poder cuidar das nossas crianças, dos nossos jovens e cuidar das famílias brasileiras”, disse Maia a jornalistas neste sábado. 

5. Meter-se nas eleições para a Câmara e Senado é sempre má ideia 

As eleições para presidência na Câmara e no Senado são extremamente importantes para o governo federal. São os presidentes que definem as pautas e o que vai tramitar – e em qual velocidade – nas Casas. A interferência do Executivo nessa eleição, portanto, precisa ser mínima. Se o presidente apoia um candidato que perde, fica em uma situação muito difícil com o Congresso. Foi o que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que trabalhou abertamente contra a eleição do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) para a presidência da Câmara. Cunha levou a presidência, e a relação com o governo federal foi a pior possível, contribuindo para a crise política que levou ao impeachment.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, Maia reclamou da interferência do governo federal na eleição da Câmara. “O governo trabalhou contra a minha eleição, através do seu ministro da Casa Civil, até dois dias antes da votação. Tentaram primeiro viabilizar o senador Davi Alcolumbre para me inviabilizar. Depois, tentaram fortalecer um candidato no meu campo. No final, tentaram fortalecer o candidato com mais chances que sobrou”, disse o deputado.

A consequência da interferência também foi esclarecida por Maia na entrevista. “Então, não tenho nenhum compromisso com o governo, tenho compromisso com o Brasil e com a pauta que acho decisiva, que é a reforma da Previdência”, disse o presidente da Câmara. 

Entenda a crise 

Há tempos Maia vinha dando sinais de insatisfação com a falta de articulação política do governo para aprovar a reforma da Previdência e, nesta semana, os ânimos ficaram ainda mais exaltados. O presidente da Câmara também abriu uma discussão pública com o ministro da Justiça, Sergio Moro, que cobrou uma tramitação rápida para o projeto de lei anticrime

Nesta sexta-feira (22), Maia chegou a ligar para o ministro da Economia, Paulo Guedes, e dizer que não trabalharia mais na articulação pela aprovação da reforma. A insatisfação do presidente da Câmara ganhou ainda mais fôlego depois de críticas a ele disparadas por bolsonaristas nas redes sociais – incluindo o filho mais novo do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL).

No Facebook, Carlos Bolsonaro compartilhou uma matéria sobre a resposta de Moro às críticas de Maia, acompanhado do comentário: “Por que Rodrigo Maia anda tão nervoso?”. 

Para tentar conter a crise, outro filho do presidente precisou entrar em campo, já que nem o próprio Bolsonaro conseguiu contornar a insatisfação de Maia. Em entrevista a jornalistas no Chile, onde cumpre agenda oficial, Bolsonaro comparou Maia com uma “namorada” que quer ir embora. A declaração não ajudou a conter a irritação do presidente da Câmara. 

No Twitter, Flávio Bolsonaro tentou minimizar a crise aberta pelo irmão e não resolvida pelo pai. “Presidente da Câmara Rodrigo Maia é fundamental na articulação para aprovar a Nova Previdência e projetos de combate ao crime. Assim como nós, está engajado em fazer o Brasil dar certo”, disse o senador.

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