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O senador Alvaro Dias tenta se tornar candidato viável à Presidência. Um partido novo ele já tem. | Wenderson Araujo/Gazeta do Povo
O senador Alvaro Dias tenta se tornar candidato viável à Presidência. Um partido novo ele já tem.| Foto: Wenderson Araujo/Gazeta do Povo

Estrela do recém-parido Podemos, que nasceu na última semana com o ambicioso projeto de catalisar a insatisfação do brasileiro com a política tradicional, nos moldes do homônimo espanhol e do francês En Marche!, o senador paranaense Alvaro Dias completa em 2018 — quando pretende ser um dos nomes à disposição do eleitor na disputa pela presidência da República — 50 anos de vida pública.

Visto por esse prisma, dificilmente se pode classificar o Podemos tupiniquim como uma novidade no cenário. Se olharmos para a legenda, idem — o novo partido nasce sobre os alicerces do PTN, sigla com 70 anos de existência e que coligou-se à presidente apeada Dilma Rousseff (PT), em 2010, e ao senador afastado por denúncias de corrupção Aécio Neves (PSDB), em 2014.

É igualmente difícil compará-lo a seus modelos europeus — En Marche!, ¡Podemos! e o italiano Movimento 5 Estrelas. São, os dois últimos, frutos de movimentos surgidos na sociedade, fora da tradicional política partidária.

O Podemos espanhol nasceu na esteira das manifestações dos Indignados, também conhecidos como 15-M, que ganharam as ruas madrilenhas em 2011 e rapidamente colocou em xeque a histórica polaridade entre o conservador PP e o socialista PSOE, ambos manchados por denúncias de corrupção e incapazes, no governo, de fazer frente às dificuldades econômicas recentes do país.

É liderado pelo eurodeputado Pablo Iglesias Turrión, um analista político de 36 anos, com barba e cabelo comprido, que ganhou notoriedade participando de debates televisivos — uma espécie de Kim Kataguiri (do Movimento Brasil Livre) com estofo, e inclinado à esquerda. Sintomaticamente, é o partido com mais seguidores nas redes sociais espanholas.

A plataforma do Podemos inclui renegociar a dívida espanhola, de forma a atenuar o impacto das medidas de austeridade sobre a população, criar um programa de renda mínima para todos os cidadãos e reduzir — na contramão do que faz o mundo — a idade mínima de aposentadoria. O novo partido recolhe suas propostas de documentos elaborados, via internet, em parceria com seus apoiadores, num processo de democracia direta.

Fundado em 2009 na Itália por um comediante, o 5 Estrelas se define como um “não-partido”. Sua proposta algo iconoclasta e posições populistas ganharam o apoio de um eleitorado que perdeu a confiança nos políticos tradicionais a ponto de entregar à nova legenda algumas prefeituras italianas, entre elas a da capital Roma, Virginia Raggi, uma advogada de 37 anos que seduziu o eleitorado com um discurso marcado por críticas à corrupção e à crescente má qualidade dos serviços públicos — que igualmente embalaram os protestos dos brasileiros em 2013. A pauta do 5 Estrelas é uma algo histérica combinação de pautas caras à esquerda, como o ambientalismo, com a agenda da nova direita xenófoba europeia.

Talvez o En Marche!, partido do novo presidente francês Emmanuel Macron, seja o que guarde mais semelhanças com a sigla de Alvaro Dias. Para começar, ele surgiu como a obra de um político — e foi criado quase que à sua semelhança, a ponto das iniciais serem cuidadosamente as mesmas.

Mas Macron não é um político de longa carreira. Aspirante a romancista, na juventude, casado com a professora de francês, mais de 20 anos mais velha que ele, se fez banqueiro, sócio-gestor do tradicionalíssimo banco Rothschild, onde amealhou alguns milhões de euros. Chegou à política por obra do mandatário que o antecedeu, o socialista François Hollande, que fez de Macron seu assessor, inicialmente, e depois ministro da Economia.

“Eu conheci o vácuo do nosso sistema político, que emperra a maioria das ideias porque elas ameaçam o sistema, os partidos tradicionais e os interesses adquiridos. Ele está travado”, disse Macron, segundo registro da britânica BBC. Isso animou-o a botar na rua o próprio partido, que recrutou mais de 200 mil apoiadores sem cobrar nada pelas filiações — nem tampouco exigir que seus cabos eleitorais se desfiliassem de agremiações rivais.

Dizendo não ser de direita nem de esquerda — algo que o Podemos brasileiro repete —, o En Marche! se fez bem sucedido empunhando bandeiras econômicas liberais sem contudo ser ortodoxo no tema. Propõe, por exemplo, investir dinheiro público em infraestrutura, qualificação de mão de obra e energia renovável. Em resumo, se diz disposto a levar à Gália o modelo escandinavo de bem-estar social.

Até ontem, um feudo partidário

Na entrevista que concedeu para esta reportagem, o senador Alvaro Dias disse que uma das propostas do seu Podemos é adotar a democracia partidária, rompendo com a ideia de siglas com donos. É algo que terá de ser feito dentro de casa, para começar. O PTN, nascido em 1945 como dissidência do PTB varguista, tem como principal feito ter levado Jânio Quadros a seu breve e conturbado mandato na presidência da República. Extinto — como todos os demais partidos — pelo segundo ato institucional dos ditadores militares, em 1965, só seria refundado 30 anos depois. Desde então, é um feudo da família paulista Abreu. A atual presidente, a deputada federal Renata Abreu, herdou o bastão do pai, o ex-deputado José Masci de Abreu.

Em abril passado, o jornal O Globo registrava que um projeto de lei relatado por ela — que propõe isentar igrejas, academias, hotéis, rádios comunitárias e outros estabelecimentos do pagamento de direitos autorais musicais — beneficiaria diretamente o pai, dono de duas rádios que devem quase R$ 25 milhões ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Um exemplo emblemático do funcionamento da política brasileira.

Um levantamento no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que a deputada que preside o PTN recebeu doações eleitorais — legais e registradas — de empresas que ganharam as manchetes graças à operação Lava Jato. Estão na lista OAS, JBS, Andrade Gutierrez e uma indústria de Alimentos da Queiroz Galvão. A mais generosa doadora, porém, é outra empreiteira, a Sanches Tripoloni, esta investigada pela Polícia Federal na operação Lama Asfáltica, que apura suspeitas de irregularidades em obras de rodovias.

“O PTN não existe mais. Ele existia como uma sigla, como os demais partidos, para registros de candidaturas. O que se aproveita [no Podemos] é o registro do partido, o que proporciona uma mudança não só de nome, mas de conceito, programa, estatuto. No primeiro passo, se exercita a democracia direta ao se colocar uma minuta do programa para se colher sugestões da população”, rebateu Dias.

É possível. Mas a mudança de nome, aprovada pelo TSE em maio passado, foi anunciada na Câmara por Renata Abreu — que segue no comando da legenda após o novo batismo. “Juntos, podemos mudar o Brasil”, comemorou a deputada.

“Acompanhar a realidade”

O Podemos brasileiro é “uma tentativa de fazer a leitura correta do que se passa no país, especialmente após 2013”, argumentou o senador paranaense. “Ficou explícito e patenteado que há uma rejeição ao modus operandi atual da política, o sistema de governança, os partidos políticos. Sobretudo com a operação Lava Jato, os partidos foram arrasados. Alguns foram considerados organizações criminosas e lavanderias de dinheiro sujo.”

A leitura que Dias fez do quadro atual é bastante prática. “Se os partidos não foram questionados até hoje, a partir de agora serão. Serão rejeitados. Na Europa, os partidos tradicionais abriram espaço para um novo modelo partidário — na Espanha, na França, na Itália. É o chamado partido-movimento, que prioriza a defesa de causas, que não se vincula ideologicamente, e procura aproveitar valores tanto da direita quanto da esquerda para construir um caminho, com transparência, democracia direta”, defende. “A realidade social é dinâmica, é preciso acompanhá-la. Causas devem ser enfocadas prioritariamente como partido.”

“Partidos-movimento rejeitam lideranças fortes e perenes, apostam na participação popular direta. Também rejeitam o poder do mercado sobre o estado, mas não têm uma plataforma econômica como a socialista. Em vez disso, se fragmentam em várias pautas do que se chama de agenda pós-materialista: direitos de minorias, gays, mulheres, grupos étnicos. É uma proposta menos econômica e mais setorializada. É algo que remonta ao Partido Verde, na Alemanha dos anos 1970”, explicou o cientista político Luiz Domingos Costa, professor da PUCPR.

“É perfeitamente aceitável que um partido com essa inclinação seja criado por quem já está na política”, prossegue Costa. “A Rede tinha essa pegada. Mas Alvaro Dias é diferente de Marina Silva, que é fortemente ligada ao movimento ambientalista. Ele sempre foi um político tradicional, puro, quase um estereótipo do político tradicional brasileiro, a não ser o fato de não estar envolvido, pelo que se sabe, em denúncias de corrupção. Dias é o político bem sucedido típico, que migra de partido frequentemente, ambiciona uma carreira. Isso, sim, é uma contradição com a ideia de partido-movimento, que critica as lideranças mais profissionalizadas, que busca lideranças mais horizontais.”

A carreira política de Alvaro Dias, nascido há 72 anos na pequena Quatá (SP) mas criado em Maringá, começa em Londrina, onde ele se formou em História pela UEL e se elegeu vereador em 1968, pelo oposicionista MDB. Dali, a ascensão foi meteórica. Em 1970, deputado estadual. Quatro anos depois, federal. Em 1982, senador pela primeira vez. Em 1986, elegeu-se governador. O cineasta Fernando Meirelles, que produziu vídeos para a campanha de Dias à época, fez o seguinte relato da experiência em sua “Biografia prematura”, segundo citação da revista “Piauí” em 2012: “Ficamos chocados com o nível de baixaria, a começar pelos pagamentos, que eram feitos em dinheiro vivo, sem nota fiscal. […] Uma vez, o coordenador da campanha simulou a invasão de seu próprio escritório e pediu que gravássemos, denunciando, como se fosse uma invasão feita pelo candidato concorrente. Foi a gota d’água. Nossa equipe se recusou a fazê-lo e criou um impasse. Num clima péssimo, terminamos o contrato. É preciso ter estômago de avestruz e um caráter muito flexível para lidar com políticos.”

Ali começariam as mudanças partidárias na vida de Alvaro Dias. Após perder a indicação para candidato à presidência da República pelo PMDB, filiou-se ao hoje extinto PST. Em 1994, já no PP — que nada tem a ver com a legenda atual de mesmo nome —, disputou e perdeu o governo do estado. Quatro anos depois, já no PSDB, foi eleito senador. Mas sairia do partido, expulso, após defender a criação de uma CPI para investigar denúncias de corrupção contra o governo de Fernando Henrique Cardoso. Filiou-se, então, ao PDT — ironicamente, pouco antes trabalhara para que o desafeto Lerner, que era pedetista, não encontrasse espaço no ninho tucano. O urbanista tornado político acabou no PFL, atual DEM.

Pelo PDT, Alvaro Dias disputou novamente o Palácio Iguaçu em 2002. Sua mágoa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva surge aqui. No segundo turno, o PDT integrou-se à coligação nacional que levaria o petista ao Planalto após três tentativas frustradas. Mas, no Paraná, Lula foi decisivo para definir uma disputa apertadíssima pelo governo do estado — e o fez a favor do amigo Roberto Requião, do PMDB.

Alvaro voltou ao PSDB, e entrincheirou-se na oposição ao petismo. Novamente tucano, elegeu-se senador em 2006. Conseguiria a reeleição em 2014, e voltaria a mudar de partido em 2015 — assinou filiação ao Partido Verde, já ungido como uma das vozes mais respeitadas da oposição no Congresso. Comentou-se, à época, que o objetivo era viabilizar uma candidatura à presidência. Finalmente, juntou-se ao novo Podemos.

“Minha trajetória sempre foi mudancista, promover rupturas, por isso sempre tive dificuldades de convivência nos partidos que atuei, preservei minha consciência mudando de partido quando necessário”, disse o senador. “O que não se pode é mudar de lado. Se fizerem retrospectiva da minha trajetória, a palavra coerência estará sempre visível. Persegui sempre o mesmo caminho. Sempre fui oposição, só fui governo quando governei o Paraná. Consegui ser governo com Fernando Henrique Cardoso durante seis meses, e depois fui obrigado a me afastar do partido, retornando mais tarde quando se tornou oposição.”

Ele não faz questão de esconder o sonho de uma candidatura à sucessão de Temer — ou de quem tenha que tapar o buraco com uma eventual queda do impopularíssimo presidente. “O que tenho dito é que quem se dispõe a construir um projeto novo não tem o direito de chegar postulando. Nem também de recusar se convocado. Sempre defendi o exercício da democracia partidária, brigava muito por eleições primárias, e evidentemente devo me manter como sempre, adepto do exercício da democracia interna, já que vamos adotar a democracia direta. Não chego postulando, mas não fujo à responsabilidade se for convocado.”

Algumas questões se impõem ao Podemos

Conseguirá a legenda, ainda pequena — tem 14 deputados federais —, ser politicamente viável e ao mesmo tempo executar o novo caminho a que se propõe? O próprio Alvaro Dias é cauteloso.

“Não sabemos se vamos conseguir ter êxito, mas o objetivo é conseguir um partido diferente do que existe atualmente”, afirmou o senador. “A prevalecer o meu desejo, vamos caminhar sem a ambição de formar amplas coligações, não aceitando que se comprometa o projeto proposto, e sofrendo inclusive as consequências do reduzido tempo de tevê que nos restará. Entre isso e a coerência, fico com a coerência.”

E Como irá reagir o eleitorado a um partido que se quer novo mas nasce de um já existente e liderado por um veterano da política? “O Podemos brasileiro não tem nada que ver com o espanhol. Lá, é uma legenda de extrema esquerda que cresceu criticando a polarização entre PP e PSOE. Mas, aqui, acho difícil que o eleitor compre a nova legenda como novidade. E nem mesmo é a primeira tentativa de algo assim. A Rede não decolou, o PSOL só tem força no Rio de Janeiro, o Solidariedade é apenas um braço de sindicatos paulistas”, analisou o cientista político Antônio Flávio Testa, professor da Universidade de Brasília (UnB).

“Parece simplesmente uma tentativa de captura do slogan e do nome Podemos, que já é muito popular. Não é muito diferente do que houve com o Partido da Mulher Brasileira, que foi criado para aproveitar a onda da participação feminina na política, mas é um partido de homens”, argumentou Luiz Domingos Costa, da PUCPR.

“O Podemos é um nome novo. Diferente do Partido Novo, que este sim parece querer também nomes novos, que está recrutando empresários para concorrer ao governo de Minas Gerais. Há uma onda por uma nova política na Europa, na França. Alguns acham que essa onda vai pegar no Brasil. Mas o Podemos brasileiro me parece algo oportunista”, avaliou o norte-americano naturalizado brasileiro David Fleischer, cientista político e também professor da UnB.

Para Fleischer, a bola da vez, em 2018, pode ser um outsider da política. “Como [o prefeito de São Paulo, João] Doria, que dizia ser empresário, não político. Colou tão bem que foi eleito no primeiro turno. Donald Trump é a mesma coisa, e por várias razões, infelizmente, foi eleito [presidente dos EUA]. O pensamento do eleitor parecer ser o seguinte: estamos cansados dessa cambada de políticos profissionais e queremos eleger alguém que não seja político.”

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