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Os dois hotéis-pirâmide da Lava Jato: o atribuído a Youssef (esq.) e o LHS Barra, antido Trump Hotel. | Roberto Custódio/Gazeta do Povo e Ariel Subirá /Futura Press
Os dois hotéis-pirâmide da Lava Jato: o atribuído a Youssef (esq.) e o LHS Barra, antido Trump Hotel.| Foto: Roberto Custódio/Gazeta do Povo e Ariel Subirá /Futura Press

Dois hotéis de alto padrão em forma de meia-pirâmide estabelecem uma improvável “conexão arquitetônica” entre o doleiro Alberto Youssef, o presidente norte-americano Donald Trump, Rei Arthur e a Lava Jato.

Talvez uma das primeiras imagens marcantes do início da Operação Lava Jato, no já distante março de 2014, tenha sido a do imponente edifício que abriga o Hotel Blue Tree de Londrina (no Norte do Paraná), que lembra um navio ou uma meia-pirâmide.

O hotel de Londrina que esteve envolvido no início da Lava Jato.Foto: Roberto Custódio/Gazeta do Povo/Arquivo

À época, foi divulgado que o hotel era do doleiro Alberto Youssef, o pivô de toda a operação. A força-tarefa também anunciou que o empreendimento havia sido bloqueado para ressarcir os cofres públicos. Na verdade, Yousseff era dono de apenas seis dos 126 apartamentos do empreendimento. Mas a foto do prédio espalhou-se como ícone do início da Lava Jato.

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De Londrina para o Rio

Três anos e oito meses depois, a Lava Jato investiga outro hotel-pirâmide – uma coincidência que se encerra no estilo arquitetônico, pois não há qualquer participação de Youssef e do empreendimento londrinense neste segundo caso.

O hotel do Rio que aparece na denúncia da força-tarefa da Lava Jato.Foto: Ariel Subirá/Futura Press

O alvo agora é o Trump Hotel Rio de Janeiro – localizado na Zona Oeste carioca e que foi rebatizado de LSH Barra. O grupo empresarial do presidente dos EUA era sócio do empreendimento até dezembro de 2016, quando decidiu desfazer a parceria com o sócio brasileiro, a empresa LSH Empreendimentos Imobiliários. Foi quando o nome do hotel mudou.

A rede de hotéis de Trump informou à época que o motivo do rompimento da parceria foram os atrasos na construção do hotel de luxo, aberto parcialmente em agosto de 2016 para receber turistas e organizadores da Olimpíada do Rio.

A acusação: um hotel no esquema de compra de votos da Rio 2016

A força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro afirma que o hotel fez parte do esquema de corrupção e compra de votos no Comitê Olímpico Internacional (COI) para que a Olimpíada de 2016 fosse realizada no Brasil.

Em denúncia apresentada na quarta-feira (18) à Justiça, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) acusa o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) de ter comprado votos na escolha do Rio pelo COI, em 2009.

Comemoração em 2009 quando o Rio ganhou a eleição para ser a sede da Olimpíada: o prefeito Eduardo Paes, o governador Sérgio Cabral, Carlos Arthur Nuzman e o presidente Lula. Os dois do meio agora são denunciados.Foto: Franck Fife/AFP

Segundo a acusação, isso teria sido feito por intermédio do empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, conhecido como “Rei Arthur”. O empresário, de acordo com o MPF-RJ, pagou US$ 2 milhões ao senegalês Lamine Diack, integrante do COI, e a seu filho, Papa Diack.

A força-tarefa da Lava Jato afirma na denúncia que, em troca, Rei Arthur foi beneficiado pela obtenção de contratos com o governo do Rio e com o Comitê Organizador da Olimpíada, presidido por Carlos Arthur Nuzman.

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Reserva de quartos que não foram entregues

No caso do governo, as vantagens teriam se concretizado pelo fato de as empresas de Rei Arthur terem se tornada as principais fornecedoras de serviços para o governo do Rio. No caso do Comitê da Olimpíada, um dos benefícios teria ocorrido justamente por meio do hotel, diz o MPF.

A empresa LSH Barra Empreendimentos Imobiliários, que segundo a Lava Jato tem Rei Arthur como um de seus sócios e é dona do hotel, recebeu R$ 3,8 milhões antecipados para reservar quartos para hospedar dirigentes do COI durante a realização da Olimpíada. “Tratou-se de um grande acordo, com benefícios recíprocos, em torno da realização dos Jogos Olímpicos e vantagens futuras que todos receberiam”, dizem os procuradores da Lava Jato na denúncia.

A questão é que o hotel não ficou completamente pronto para que todos os quartos reservados fossem usados. Pelo contrato firmado, a LSH teria de ter pago ao Comitê Organizador Rio 2016 uma multa referente a 10% do valor contratado do que não foi entregue, além de juros de 1% ao mês. Contudo, segundo a denúncia do MPF, o Comitê, em vez de executar o contrato, acabou dando um desconto de 30% dos valores que eram devidos pelo hotel por meio da oferta dos quartos.

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A força-tarefa da Lava Jato no Rio afirma que esse prejuízo assumido pelo Comitê Rio 2016 vai acabar sendo arcado pelo poder público federal, estadual e municipal, conforme prevê o contrato em que o Rio ganhou o direito de sediar a Olimpíada.

De acordo com o contrato, dívidas do Comitê não pagas até 2023 serão integralmente arcadas pelo poder público. E, como a Olimpíada praticamente não tem mais como gerar receita, é muito provável que o ônus fique de fato com União, estado e município. Hoje, a dívida total do Comitê com fornecedores é de R$ 160 milhões.

Na acusação, o MPF equiparou Nuzman a um agente público e o Comitê Rio 2016 a uma instituição pública, embora seja oficialmente privada. A argumentação é de que a Olimpíada recebeu verbas públicas para ser realizada. A denúncia do MPF foi aceita na quinta-feira (19) pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Assim, os acusados viraram réus.

Nem a rede de hotéis de Trump tampouco algum de seus funcionários foi denunciado pelo MPF.

Hotel diz que Rei Arthur nunca participou da gestão do empreendimento

Em nota, o Hotel LSH informou que o empresário Arthur Soares, conhecido como Rei Arthur, nunca teve cargo no empreendimento hoteleiro. Segundo o texto do hotel, uma das empresas da qual Soares é sócio (a AS Patrimonial), detém 14% das cotas de um fundo (FIP LSH) que tem o hotel como um de seus investimentos. “A AS Patrimonial não controla o fundo FIP LSH nem o LSH Hotel, tampouco participa da gestão do empreendimento”, diz o hotel na nota.

O LSH ainda informou que o contrato entre o hotel e o Comitê Rio 2016 “seguiu os mesmos padrões, cláusulas e parâmetros de valor dos demais acordos com estabelecimentos da mesma categoria, de acordo com as diretrizes da ABIH [Associação Brasileira da Indústria Hoteleira]”.

A nota diz ainda que o hotel recebeu delegações que participaram da Olimpíada em 75 quartos, cumprindo 60% das vagas contratadas. E assegura que o desconto que recebeu foi fruto de uma negociação por meio da qual pagou o débito à vista. “Como houve uso parcial de reservas, o LHS Hotel devolveu o valor referente às diárias não utilizadas. Após negociação entre entidades privadas – o LSH Hotel e o Comitê Rio 2016 –, a empresa assumiu o compromisso de ressarcir o Comitê por meio de depósito à vista, com 30% de desconto”.

O que dizem os outros acusados

O advogado Nélio Machado, que defende Carlos Arthur Nuzman, diz que a denúncia apresentada pelo MPF é “fruto de mera criação mental” e que o dirigente esportivo “paga pelo sucesso e não pelo fracasso”.

Já o advogado de Sérgio Cabral, Rodrigo Roca, afirma que a denúncia é “um acinte, um desmerecimento, não só ao ex-governador Sérgio Cabral, como à vitória consagradora do Rio, ao país e aos membros do COI”. “O Rio foi eleito com uma diferença de 40 votos com relação à segunda candidata, Madri. Pela versão do MPF, seriam todos corruptos. Não tenho dúvidas de que em pouco tempo conseguiremos desmontar essa invencionice e mostrar que os verdadeiros criminosos continuam gozando das benesses legais que conseguiram com suas histórias fantasiosas”, afirmou.

A reportagem não conseguiu contactar as defesas do empresário Arthur César de Menezes Soares Filho (o Rei Arthur) e dos senegaleses Lamine e Papa Diack. Segundo a denúncia do MPF, Rei Arthur atualmente está foragido.

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