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O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo. | Marcelo Camargo/Agência Brasil
O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Itamaraty está dando novos passos no projeto de aproximação com os Estados Unidos e se organizando para que a viagem do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Washington, no início da segunda quinzena de março, seja um catalisador desse processo. O gabinete do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, elaborou uma circular entre as áreas do ministério, com uma minuta de proposta para apresentar ao Departamento de Estado americano, aberta a comentários. 

No documento, escrito em inglês, há três eixos de ação: integração econômica; promoção da democracia, da liberdade e da soberania nacional; e parceria de defesa e cooperação em segurança, o tópico mais extenso do documento e ao qual o Brasil, por tradição, se mantinha mais reticente. 

Entre as ações que se destacam como inovadoras e que, por isso, levantam dúvidas, está a coordenação entre os países na Organização Mundial do Comércio (OMC), em esforços no combate ao terrorismo internacional e em posições quanto ao Oriente Médio. Nestas duas últimas áreas, o Brasil sempre priorizou soluções multilaterais e se manteve distante de posições unilaterais dos Estados Unidos. 

Presença militar: Brasil na Síria?

A Coalização para a Derrota do Estado Islâmico que os americanos lideram na Síria, com a qual o Brasil quer coordenar esforços, atua no país sem autorização da ONU ou convite do presidente sírio, Bashar al-Assad. Há incertezas sobre como o Brasil poderia cooperar com a Coalizão, se enviando aviões e armas ou apenas simbolicamente. 

A própria posição de Donald Trump sobre o assunto é vacilante. Em dezembro, o presidente dos Estados Unidos chegou a anunciar que retiraria as tropas americanas da Síria, o que levou à renúncia do secretário de defesa Jim Mattis. Embora o Estado Islâmico tenha perdido quase todo o território que teve sob controle, o grupo ainda subsiste como ajuntamento terrorista. 

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A principal instância de coordenação do Brasil no combate ao terrorismo é, hoje, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF). Uma hipótese para concretizar as intenções do documento de ampliar a cooperação com os americanos nesse tema seria o Brasil ingressar em mecanismos bilaterais ou multilaterais mais restritos de combate ao terrorismo, com compartilhamento de informações de inteligência. Os Estados Unidos mantém mecanismos dessa natureza com vários países. 

Além desses temas, a cooperação em defesa prevê conversas exploratórias para que os Estados Unidos apoiem o ingresso do Brasil como nação aliada da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), status que a Colômbia já tem, além da integração da Força Aérea Brasileira à Força-Tarefa Conjunta Interagentes (JIATF) para combate ao narcotráfico, acordo de coordenação na área de não proliferação nuclear, com destaque para a Coreia do Norte, e também aumento da cooperação militar com apoio dos governos.

Comércio internacional

No tópico da OMC, chamou a atenção de diplomatas a adesão à linguagem do comércio equitativo (level-playing field, em inglês). Tradicionalmente, o Brasil argumenta que países em desenvolvimento têm certas “regalias” em proteger mercados internos e prioriza negociações que resultem em baixas tarifárias para todos os atores.

Uma das principais demandas do Brasil no órgão é reduzir o protecionismo agrícola, tema no qual os Estados Unidos não dispendem muita energia. Outra grande dúvida é que, no momento, o governo americano está investindo na ideia de “reciprocidade” nas relações bilaterais, porque avalia que a entrada da China na OMC desequilibrou o comércio internacional. 

Nessa linha, o documento fala também em “coordenar posições na OMC em favor da igualdade e contra o mal uso das regras multilaterais” e em “promover o comércio internacional como instrumento para a liberdade e o progresso humano, não como instrumento de controle não democrático”. A referência aqui é à China, que desde a década de 1970 vem se integrando ao comércio internacional e, desde 2001, é membro da OMC, mas continua a ser governada com mão de ferro pelo partido comunista, o que desperta a oposição de nacionalistas e conservadores.

A proposta chega também em um momento de indefinição da “guerra comercial” entre China e Estados Unidos, inspirada por essa visão. Os americanos já aumentaram tarifas em mais de U$ 250 bilhões de produtos chineses. A China respondeu elevando tarifas em U$ 110 bilhões de bens americanos e ameaça estabelecer medidas quantitativas, como quotas ou proibições de importações. 

O presidente Donald Trump chegou a anunciar que se encontraria com o mandatário chinês em fevereiro, mas voltou atrás e afirmou que não vai se reunir com Xi Jinping antes de 1º de março, quando vence o prazo, anunciado no início de dezembro, para os países chegarem a um acordo sobre o tema.

Novo tratado de livre comércio

O documento fala ainda em começar conversas sobre um tratado de livre comércio para derrubar tarifas, um tema antigo e emperrado nas relações com os Estados Unidos. O principal empecilho hoje é a normativa do Conselho do Mercado Comum (CMC) 32/00, do Mercosul, que exige que todos os países do bloco concordem sobre o assunto. Desde 2001, os Estados Partes do bloco não podem “assinar novos acordos preferenciais ou acordar novas preferências comerciais em acordos vigentes no marco da ALADI, que não tenham sido negociados pelo MERCOSUL”.

Além dessa ideia, várias propostas que constam no documento foram adiantadas por reportagem publicada pela Gazeta do Povo no último sábado (9). Entre elas, estão o ingresso do Brasil no programa Global Entry, que facilita a entrada de viajantes frequentes nos Estados Unidos, e a assinatura do Acordo de Reconhecimento Mútuo (ARM) de Operadores Econômicos Autorizados (OEA), para desburocratizar o comércio. 

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Também está na lista, como adiantado, a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), apelidado de “Acordo de Alcântara”, que protege tecnologias e patentes dos países signatários contra cópia ou uso não autorizado. O principal efeito do acordo será viabilizar a Base de Alcântara, no Maranhão, como centro internacional de lançamento de foguetes por Estados e pela iniciativa privada.

O documento também fala na reativação do Fórum de Altos Executivos, formado por 24 CEOs de ambos os países, no ingresso do Brasil no programa Global Entry, que facilita a entrada de viajantes frequentes nos Estados Unidos, e em avançar na isenção de vistos de turistas entre os países. O primeiro passo, como a Gazeta do Povo também já adiantou, será dado pelo Brasil. 

Além de Venezuela, Itamaraty prioriza Oriente Médio

O primeiro fruto, mais visível, da afinidade política entre Estados Unidos e Brasil após a eleição de Bolsonaro foi aumentar troca de informação política entre os países, o que tem sido fundamental para criar condições para solucionar a crise venezuelana. O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, já viajou duas vezes ao exterior para participar de reuniões do Grupo de Lima, agremiação de países latino-americanos e do Canadá que busca uma solução pacífica para a crise na Venezuela.

A coordenação levou ao reconhecimento internacional do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente legítimo da Venezuela, decisão seguida pelos europeus no início de fevereiro. Na segunda-feira (11), o Itamaraty recebeu as Cartas Credenciais da nova embaixadora do país no Brasil, indicada por Guaidó, a jurista Maria Belandría.

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Enquanto a situação venezuelana segue em impasse, principalmente em relação ao envio de ajuda humanitária ao país, o Brasil também se movimenta em outra área, priorizando o Oriente Médio. 

No último dia 14, o chanceler Ernesto Araújo participou na Polônia dos trabalhos da Conferência de Varsóvia para Promover um Futuro de Paz e Segurança no Oriente Médio, patrocinada pelos Estados Unidos e pela Polônia. É a primeira vez que um ministro brasileiro vai à Conferência, que ocorre fora dos marcos da ONU. A principal intenção da reunião é o isolamento do Irã, que se alinha com a Rússia nas disputas da região. No mesmo dia, Moscou patrocinou uma conferência paralela com a presença de Irã e Turquia. 

Estiveram presentes na reunião Arábia Saudita, principal rival regional de Teerã, Kuwait, Marrocos, Omã, Barein, Tunísia, Egito, Jordânia e Emirados Árabes Unidos, cujos representantes se reuniram com o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. Analistas internacionais apontam um alinhamento de interesses entre o eixo sunita dos países árabes – que veem na crescente presença do Irã, xiita, no Oriente Médio uma ameaça – e o governo de Israel. 

A aproximação pode render dividendos para o Brasil, porque diminuiria a resistência entre os árabes à transferência da embaixada brasileira para Jerusalém. Araújo, também na Polônia, encontrou-se com Netanyahu.

Inicialmente, havia a expectativa de que os Estados Unidos divulgassem em Varsóvia o “Acordo do Século”, como Trump tem chamado sua proposta de acordo entre Israel e Palestina, mas o genro de Trump, Jared Kushner, que esteve no encontro, afirmou que o texto não será divulgado antes das eleições em Israel, marcadas para 9 de abril, a fim de não influenciar no processo eleitoral do país. 

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