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 | MAURO PIMENTEL
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Chamou atenção o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos memoriais entregues ao Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF-4), para que se reconheça a prescrição dos crimes de corrupção passiva e lavagem dinheiro, pelos quais, em conjunto, Lula foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão pelo juiz Sergio Moro em julho do ano passado. O cálculo da prescrição é um dos temas mais complexos para quem não tem familiaridade com o direito e, por isso, se presta a muita confusão. 

Entenda a alegação da defesa e a controvérsia jurídica do caso

O artigo 109 do Código Penal traz uma lista dos prazos prescricionais para diferentes tipos de crime, de acordo com a pena máxima (pena abstrata) de cada um deles. O crime de corrupção (art. 317), por exemplo, tem pena prevista entre 2 e 12 anos. Assim, ele prescreveria, de acordo com o artigo 109 do Código Penal, em 16 anos. Mas, para maiores de 70 anos, como é o caso do ex-presidente Lula, o Código Penal prevê, em seu artigo 115, que esse prazo cai pela metade. Portanto, o prazo de prescrição (abstrata) para o crime de corrupção seria de 8 anos. 

Para calcular a prescrição, é preciso observar alguns marcos chamados de interruptivos: o recebimento da denúncia, a publicação da sentença condenatória e o trânsito em julgado. Cada um desses marcos faz o prazo começar a correr do início. Assim, olhando apenas para a previsão abstrata de acordo com a pena máxima do crime de corrupção: a Justiça teria 8 anos para receber a denúncia, contados a partir do fato do crime; e mais 8 anos a partir do recebimento da denúncia até publicar a sentença condenatória. Então, nem o Ministério Público deve comer bola para oferecer a denúncia, nem o juiz de primeiro grau deve enrolar para publicar a sentença. 

No entanto, uma vez publicada a sentença, a condenação do réu fixa uma pena individualizada e concreta que tem consequências para a avaliação da prescrição, porque, a partir daí, deve-se fazer um raciocínio retrospectivo com base não mais na pena abstrata, mas na pena concreta a que o juiz do caso condenou o acusado. Como o juiz Sergio Moro condenou Lula a 6 anos de prisão por corrupção passiva e a 3 anos e meio por lavagem de dinheiro, são essas penas que, analisadas separadamente, operam o prazo para as chamadas prescrição retroativa e prescrição superveniente. O cálculo é feito de acordo com a mesma “tabela” do artigo 109. No caso de Lula, portanto, a partir da sentença, a prescrição se opera não mais em 8 anos, mas em 6. 

De acordo com a lei atual, o efeito da prescrição retroativa é garantir que, entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, não tenham se passado mais de seis anos. É essa prescrição que os advogados de Lula estão alegando. Hipoteticamente: se o Ministério Público, contando a partir da prescrição abstrata do crime de corrupção (8 anos), tivesse demorado 7 anos para oferecer a denúncia, e então o réu tivesse sido condenado a 6 anos de prisão, o que reduziria o prazo de prescrição para 6 anos, então o crime estaria prescrito. Já o efeito da prescrição superveniente é garantir que, entre a publicação da sentença e do trânsito em julgado, se for o caso, não se passem mais de 6 anos. 

A alegação da defesa

No processo de Lula, o raciocínio da defesa, que alega a prescrição retroativa, depende de uma alegação fundamental: mesmo assumindo a correção do argumento de Sergio Moro, Lula teria solicitado a “vantagem indevida” em outubro de 2009, sendo esta a data do crime. 

“Com efeito, se o benefício material – vantagem indevida – ocorreu em 2009, o crime de corrupção, em qualquer modalidade aventada, já teria se consumado naquele momento”, dizem os memoriais. Com a prescrição de 6 anos, o crime estaria prescrito em outubro de 2015, onze meses antes do recebimento da denúncia por Sergio Moro, em setembro de 2016.

A sentença de Sergio Moro, porém, diz que “parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS Empreendimentos assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas e igualmente, quando em meados de 2014, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta corrente geral da propina”. 

O crime de corrupção, neste caso, seria “complexo”, por ter envolvido “a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014”. De acordo com os fatos descritos por Moro, o marco inicial para a prescrição seria 2014, não 2009. 

“Se prevalecer este entendimento, não haveria prescrição. É difícil que se reconheça a prescrição se a condenação for mantida ou, ainda mais, se a pena aumentar”, avalia Rodrigo Chemin, procurador de Justiça e professor de Processo Penal no UniCuritiba.

“Baseado no argumento da defesa, haveria prescrição”, diz Marcelo Lebre, professor de Direito Penal, que também é advogado criminal com experiência no TRF-4. “De fato, em denúncias complexas, o Ministério Público não consegue precisar exatamente as datas, e defesa então se baseia em uma data específica, a do recebimento da vantagem supostamente ilícita em 2009”, explica. 

“O TRF-4 já teve de enfrentar casos complexos assim e o desembargador [João Pedro] Gebran [Neto, relator do recurso de Lula] diz que, nesses casos complexos, é difícil que haja prova cabal ou indelével das vantagens e, por isso, adota a teoria do exame das provas acima de dúvida razoável”. diz. “Se eles não entenderem que existe essa dúvida razoável, eles vão referendar a racionalidade do juiz de primeiro grau, que teve mais contato com o conjunto probatório, e aí não haveria prescrição, porque o juiz Sergio Moro vê os atos de corrupção até 2014”.

A defesa alega também que a lavagem de dinheiro “teria sido consumada em 08.10.2009 (data da assunção do empreendimento imobiliário pela OAS, quando teria ocorrido a ocultação da propriedade do apartamento tríplex), tendo transcorrido o lapso temporal prescricional entre a suposta consumação do delito de lavagem e o recebimento da denúncia”.

Essa alegação, porém, desconsidera o raciocínio de Moro e a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal (STF). “A lavagem está implicada na modalidade ‘ocultar’, e a interpretação do Supremo, inclusive no caso recente do Maluf, é que, nesta modalidade, trata-se um crime permanente, cuja execução se prolonga no tempo até que se descubra a ocultação”, explica Chemim.

Lebre concorda. “Há certa discussão na doutrina jurídica se a lavagem é crime instantâneo ou permanente, mas nossos tribunais, em especial os federais, em geral entendem que a ocultação é um crime permanente”, diz.

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