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A JBS anunciou que economizaria R$ 1,1 bilhão aderindo a parcelamento lançado pelo governo em 2017. Entre outras grandes empresas beneficiadas estão Petrobras, Ambev e BRF. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
A JBS anunciou que economizaria R$ 1,1 bilhão aderindo a parcelamento lançado pelo governo em 2017. Entre outras grandes empresas beneficiadas estão Petrobras, Ambev e BRF.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Nos últimos dez anos, o Brasil perdoou R$ 176 bilhões em juros e multas de dívidas tributárias. Os devedores foram beneficiados por meio de nove programas de parcelamento de débitos com o Fisco nesse período. O valor é praticamente o mesmo do rombo nas contas da Previdência no ano passado.

O levantamento foi feito pela Receita Federal. Esses programas, conhecidos pela sigla Refis, permitem que empresas refinanciem dívidas com descontos sobre juros, multas e encargos. Muitas vezes os juros são maiores que o débito original. Em troca, o governo recebe uma parcela da dívida adiantada, mas abre mão de uma parcela do que ganharia com juros e multas.

Só no ano passado, foram cinco Refis diferentes aprovados pelo Congresso, inclusive para a dívida de estados e municípios.

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O detalhe é que metade das empresas e pessoas físicas que aderem aos programas de parcelamento de débitos fica inadimplente com as parcelas e deixa de pagar impostos, segundo a Receita. A maioria dos contribuintes acaba sendo excluída por inadimplência e opta por incluir a dívida parcelada em outros programas. São os chamados “viciados dos Refis”.

Para a área técnica do Fisco, a concessão reiterada de parcelamentos sob condições especiais criou uma acomodação nos contribuintes que não se preocupam mais em liquidar suas dívidas. Pelos números da Receita, os contribuintes que aderiram a três parcelamentos especiais ou mais detêm um dívida de mais de R$ 160 bilhões. Desse valor, 68,6% são dívidas de contribuintes sujeitos a acompanhamento diferenciado dos fiscais da Receita Federal.

Vetos do presidente

Nesta terça-feira (9), o presidente Michel Temer vetou parte das condições do programa de parcelamento das dívidas do Funrural, contribuição paga pelos empregadores para ajudar a custear a aposentadoria dos trabalhadores.

Temer vetou, por exemplo, o desconto de 100% que os parlamentares colocaram para as multas e manteve a proposta original de 25%. O presidente já tinha vetado, na semana passada, o Refis para micro e pequenas empresas, mas um acordo foi costurado para a derrubada do veto assim que o Congresso voltar do recesso.

As negociações desses programas se misturaram ao longo do ano passado com a busca de apoio do Planalto para derrubar as duas denúncias contra o presidente e aprovar a reforma da Previdência.

Pelo levantamento da Receita, a maior renúncia foi dada no Refis da Crise, lançado em dezembro de 2008, depois que as empresas brasileiras foram atingidas pelo impacto da crise financeira internacional. A renúncia fiscal foi de R$ 60 bilhões. Esse foi o programa com maior adesão até agora, com participação de 886 mil empresas e pessoas físicas. O Refis da Crise foi reprisado depois com mais quatro reaberturas do prazo de adesão entre 2013 e 2014.

Por que pagar em dia?

O apelido de Refis nasceu do nome do primeiro parcelamento especial, feito há 18 anos, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, o programa foi destinado somente a empresas. De lá para cá, já foram 39 programas, segundo a Receita, inclusive para bancos e clubes de futebol.

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Para o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, os sucessivos Refis são consequência de uma cultura de litígio que motiva os contribuintes a questionarem os débitos na Justiça.

“O sujeito, ciente de que o sistema de cobrança é muito falho, passa a ser um devedor e um litigante contumaz”, diz. “Entre um contribuinte que paga os tributos em dia e outro que logra êxito nesses parcelamentos, o último sai com vantagem competitiva. O primeiro, então, não vê nenhuma vantagem em ser um bom contribuinte.”

O Fisco calcula uma perda anual de R$ 18,6 bilhões de arrecadação decorrente de contribuintes que deixam de pagar suas obrigações tributárias à espera de um novo parcelamento. Para o secretário da Receita, Jorge Rachid, o grande número de parcelamentos provoca esse quebra da arrecadação futura. Segundo Rachid, há casos de mesmas empresas terem participado de até cinco parcelamentos.

“O Fisco acaba recebendo mais no ano (com os pagamentos à vista), mas o que está fazendo é abrindo mão de arrecadação no ano seguinte. E o contribuinte apostando que no seguinte ele vai poder deixar de pagar.”

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Estudo da OCDE sobre parcelamentos em 26 países mostrou que na maioria deles o período máximo de parcelamento é de 12 ou de 24 meses. Só em casos especiais, esse prazo é alongado. E nesses casos é exigida garantia. Não são conhecidos parcelamentos em prazos tão alongados como os brasileiros, que variam de 60 até 240 meses.

Petrobras, Ambev, BRF e JBS tiveram parte das dívidas perdoadas

Entre as empresas que receberam perdão de parte de suas dívidas no ano passado estão algumas das maiores do país, como Petrobrás, Ambev, BRF e JBS. Só a companhia dos irmãos Wesley e Joesley Batista – que estão presos desde setembro – anunciou, em outubro, que economizaria R$ 1,1 bilhão aderindo ao programa do governo.

Na Petrobrás, foram três adesões que resultaram em uma economia de R$ 2,9 bilhões – 30% das dívidas renegociadas. A BRF teve um impacto positivo em seu resultado financeiro de R$ 220 milhões com a adesão. A Ambev não informou quanto economizou, apenas que pagaria R$ 3,5 bilhões – R$ 1 bilhão no ano passado e o restante em 145 parcelas mensais.

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As companhias não comentam suas adesões, mas, segundo consultores da área, elas veem no Refis uma oportunidade para encerrar ações tributárias que correm na Justiça.

“As empresas já contam com o fato de que o governo lançará, a cada três ou cinco anos, um programa de parcelamento de tributos. Elas enxergam nesse sistema uma política paliativa (ao complexo sistema tributário brasileiro) e uma oportunidade para limpar a casa”, diz o diretor executivo de contencioso tributário da EY (antiga Ernest Young), Murillo Villas.

A advogada Cassandra Alcade, da Delloite, diz que há discussões tributárias que podem levar até 17 anos para serem resolvidas. Quando o governo lança um Refis, as empresas aproveitam para analisar se é mais vantajoso aguardar uma decisão da Justiça ou pagar a dívida parcelada e com desconto parcelada. “(O Refis) hoje faz parte da gestão de contencioso das empresas”, afirma Cassandra.

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